quarta-feira, setembro 27, 2006

A reeleição e a política económica

Dá-se como praticamente certa a vitória do presidente Lula no primeiro turno [1] . Algumas projeções podem ser feitas. Assoma um grupo de questões. É visível a menor contribuição do PT para esta reeleição. Aliás, este partido provavelmente deve minguar. Uma fração expressiva deu origem a uma candidatura e pelo menos outro partido. Quadros que estiveram historicamente ao lado do presidente estão descartados.
Há uma clara migração do voto da fração politizada de classe média para outras candidaturas. Em contrapartida, o presidente viu crescer sua aprovação nas frações populares e menos favorecidas de nosso corpo social. Neste mesmo exercício, o Programa Bolsa Família [2] deverá gastar pouco menos de R$ 8 mil milhões [3] . Onze milhões de famílias assistidas estarão votando em Lula. Tudo se passa como se, eleitoralmente, os R$ 8 mil milhões neutralizassem a mais espantosa concentração de renda e riqueza do planeta [4] , praticada pelo governo brasileiro. Este ano, os juros de dívida pública serão superiores a R$ 160 mil milhões. O Brasil continua praticando a mais repugnante taxa de juros real e permitindo que o caixa das empresas seja aplicado como "poupança financeira". O professor Marcio Pochmann, da Unicamp [5] , mostra que 70% destes mil milhões vão para apenas 20 mil famílias. O Brasil neoliberal de FHC e de Lula é o paraíso do rentismo. Simultaneamente, nossos bancos são campeões de crescimento. Apesar de a economia estar estagnada, os lucros reais vêm quebrando recorde ano após ano. O presidente da Febraban [6] afirma sua grande satisfação com o atual governo. Diz que Lula fez tudo que os banqueiros queriam. Contudo, os muito ricos – principais beneficiários da política de juros – talvez ainda assim preferissem Alckmin. [7] A aposta eleitoral de Lula teve êxito. Ao assinar a Carta aos Brasileiros, abrindo mão das convicções de seu passado histórico, fez a escolha certa. Deve estar se sentindo como um herói que cresce nas tempestades. Ganhando no primeiro turno, robustecerá suas convicções. Ao encostar a cabeça no travesseiro, pensará quão genial foi em suas intuições: servir aos muito ricos e distribuir migalhas aos muito pobres. Hoje, certamente anda convencido de sua imunidade a qualquer escândalo. Ao abandonar sua postura crítica à política econômica neoliberal e ao praticar uma rotação nas alianças conseguiu, com sua preocupação popular, conquistar a reeleição. Delfim Netto [8] , membro recente do PMDB, aparece como o novo (?) conselheiro da plutocracia e provável inspirador da política econômica do segundo mandato. Tanto a Fiesp [9] quanto a Febraban estão preparando sugestões para o segundo governo Lula. O PMDB das capitanias hereditárias será o braço político-partidário para consolidar a nova gestão. Recomenda Delfim a continuidade da política de elevados superávits primários [10] . Considera a carga tributária extremamente elevada e recomenda conter – e comprimir adicionalmente – os gastos públicos federais. Esta é, para Delfim, a fórmula de redução de juros reais, e o caminho para baixar o patamar da dívida pública. Após o Plano Real a dívida pública líquida, que era 33% do PIB no início dos anos 1990, cresceu para 50%. O imenso superávit primário fiscal – e sua correlata degradação da infra-estrutura e das políticas públicas – não inverteu a tendência ascensional. Na última década – em que o Brasil permanece praticamente estagnado – o gasto público tem oscilado um ponto para cima e um ponto para baixo em torno de 17% do PIB. Lula aceita a blindagem do gasto público financeiro. Durante todo o primeiro mandato aceitou, passivamente, a santificação da taxa de juros. O Doutor Meirelles [11] foi a figura ascendente. A crença e o interesse na intocabilidade dos juros conduz Delfim, Febraban e Fiesp a preconizar o corte do gasto não-financeiro. Somente é possível reduzi-lo às custas de uma escalada na deterioração das condições de educação, saúde e segurança; da desqualificação definitiva do servidor público; da passiva observação dos leitos de rodovia se converterem em puro buraco etc. Subsidiariamente, esta linha propõe uma reforma previdenciária que imponha perdas dinâmicas para os aposentados e pensionistas. O presidente Lula não ouvirá as vozes que se contrapõem à política econômica recessiva e pró-rentistas. Continuará ouvindo as vozes que lhe ditaram o conteúdo da Carta aos Brasileiros. Apesar de servir os rentistas, considera-se autor de uma redistribuição (?) da renda nacional. Afinal, no seu primeiro mandato que ampliou substantivamente o Bolsa Família, estimulou o mini-crédito, concedeu incentivo rural, e deu continuidade à política de elevação do salário mínimo. A aprovação pelo voto lhe confirmará que esteve no caminho certo. Continuará desconhecendo os avisos anti-Febraban. Não será surpresa se o Doutor Meirelles vier ser o futuro ministro da Fazenda, para executar a política de endurecimento fiscal e sinalizar, de forma inequívoca, a continuidade do paraíso rentista. O juro alto no Brasil é a atração para o investimento estrangeiro e a forma pela qual Lula poderá continuar a servir aos muito ricos e criar algumas novas benesses para os muito pobres. A economia continuará medíocre e o desemprego em expansão. À juventude restará um sonho: emigrar.
30/Agosto/2006
Notas de resistir.info 1- A primeira volta dass eleições presidenciais brasileiras será em 3 de Outubro próximo. 2- Programa assistencialista que distribui migalhas à população marginalizada. 3- €1 = R$ 2,73 4- O Coeficiente de Gini do Brasil é comparável ao da Serra Leoa, na África 5- Universidade Estadual de Campinas 6- Federação Brasileira de Bancos 7- Membro da Opus Dei que é o candidato à presidência apoiado pelo ex-presidente F. H. Cardoso. 8- Ministro das Finanças no tempo da ditadura militar. É considerado o autor do chamado "Milagre brasileiro", que arruinou o país. 9- Federação das Indústrias do Estado de S. Paulo 10- Superávite primário = (Total da arrecadação fiscal) - (Despesas correntes e de capital das autarquias municipais, estaduais, federal e empresas estatais). O FMI exigiu ao Brasil que o superávite primário não excedesse 3,75% do PIB, de modo a que sobrasse bastante para pagar o serviço da dívida externa aos credores da Wall Street. O governo Lula esmerou-se no cumprimento desta exigência e foi além do limite que lhe fora fixado. 11- É o gerente da Wall Street no Brasil. Ocupa o cargo de governador do banco central.
Carlos Lessa
http://resistir.info/

Sem comentários: