sábado, outubro 28, 2006

Contra uma Internet imperial

Dizia-se que todas as estradas levavam a Roma. Ainda que exagerada, a imagem está marcada na nossa mente, recordando-nos do implacável engenho dos antigos romanos e da sua determinação em controlar um império. Durante séculos as estradas romanas ligaram províncias remotas por meio de uma teia centralizada de poder. O poder das legiões imperiais era nulo sem os meios para transportá-lo. O fluxo de comércio — o sangue vital da riqueza do império — também dependia da integridade das estradas. E como os cidadãos romanos podiam ir a todo lugar, mais ou menos sem restrições nas suas viagens, as ideias e elementos culturais circulavam com a mesma fluidez que o comércio. Tal como os romanos, nós americanos temos usado a nossa tecnologia para construir uma infraestrutura extensa de portos, ferrovias e estradas, as quais servem para o fortalecimento da nossa economia e para a mobilidade da nossa sociedade. Mas por mais significativo que tenha sido isto, estas infraestruturas parecem pouco importantes em comparação com o potencial da Internet. Quase da noite para o dia, ela tornou mais fácil do que nunca o envio e recepção de informação. Ela abriu um vasto e novo mercado de ideias, e está a transformar o comércio e a cultura. Ela pode também revitalizar a democracia. "Espere um minuto!", diz você. "Você não pode comparar a Internet com o Império Romano. Não há César electrónico, nenhum centro a controlar como é utilizada a World Wide Web. Você está certo — até agora. A Internet é revolucionária porque é o mais democrático dos media. Tudo o que é preciso para aderir à revolução é um computador e uma conexão. Nós não observamos apenas, nós participamos, colaboramos e criamos. Ao contrário da televisão, da rádio e do cabo, cujos assalariados criam conteúdos destinados a nós pelas suas próprias razões, com a Internet todo cidadão é potencialmente um produtor. A prática da democracia pertence-nos. Este acesso plenamente aberto é o princípio fundador da Internet, mas pode estar a deslizar através dos nossos dedos. Quão irónico se isto passasse irreparavelmente à história, no próprio dealbar da Era da Internet. A Internet tornou-se o principal campo de teste onde convergem as forças da inovação, o poder corporativo, o interesse público e a regulação governamental. A noção de um campo de jogo nivelado — aquilo que é chamado neutralidade da rede — já está sob o assédio de forças poderosas que tentam inclinar o campo para sua vantagem. A maioria de Bush na FCC tem reverenciado os interesses das grandes companhias de cabo e de telefone no sentido de esvaziar, ou desfazer, o DNA básico da Internet, de abertura e não discriminação. Quando alguns membros do Congresso avançaram para restaurar a neutralidade da rede, eles foram demovidos pelos lobbystas muito bem pagos da indústria. Isto aconteceu de acordo com as práticas padrão de um Congresso arrendado — com pouca percepção pública e escassa atenção da imprensa. Houve um blackout semelhante 10 anos atrás, quando, no Telecommunications Act de 1996, o Congresso mutilou o panorama dos media. Eles deram uma punhalada no coração da rádio, dispararam uma onda de consolidações que deixaram as grandes companhias de media tornaram-se ainda maiores, e entregaram às ricas corporações — gratuitamente — ondas públicas que valem milhares de milhões. Desta vez eles não podiam manter secreto o que estavam a fazer. Correu a notícia de que sem a participação pública estas mudanças podiam conduzir a fenómenos preocupantes — o ascenso de impérios digitais que limitam, ou mesmo destroem, as capacidades de pequenos utilizadores da Internet. Organizações de todo o espectro político — desde a Coligação Cristã até a MoveOn.org — juntaram-se em protesto, inundando o Congresso com mais de um milhão de cartas e petições para restaurar a neutralidade da rede. Muitos políticos responderam no sentido de manter o futuro em causa. Na essência isto é uma luta acerca do papel e das dimensões da liberdade humana e do livre discurso. Mas é também um choque contemporâneo de um debate velho de séculos sobre a economia do mercado livre e a regulação governamental, um debate que encontra Adam Smith mencionado tanto pelos advogados da acção governamental a fim de proteger o viajante online médio como pelos que se opõem de todo a qualquer regulação. Em A riqueza das nações, Smith argumentou que só negociações livres de comerciantes e consumidores podiam assim assegurar prosperidade económica. Mas ele também advertiu contra a formação de monopólios — poderosos mamutes que enfrentam pouca ou nenhuma competição. A nossa história ultrapassa a sua herança. Considere-se a explosão da indústria e o reinado dos barões ladrões durante a primeira Era Dourada nas últimas déxada do século XIX. Assentamentos e cidades começaram a preencher o continente, estimulados por um avanço tecnológico crucial: a ferrovia. Quando as companhias ferroviárias cresceram, elas fundiram-se em monopólios. Comerciantes e agricultores foram muitas vezes onerados com estranhos preços de fretes — até a década de 1870, quando as Granger Laws e outras formas de regulação pública proporcionaram alguma protecção aos clientes. Mais ou menos na mesma altura, o químico Samuel Andrews — inventor de um novo método para refinar petróleo transformando-o em querosene — associou-se a John D. Rockefeller na criação da Standard Oil Company. No fim do século a Standard Oil havia forjado um monopólio, controlando uma rede de oleodutos e ferrovias que abarcava o país. A competição tornou-se praticamente impossível quando a companhia mamute manipulava preços e esmagava desventurados rivais uns após os outros. Só com a aprovação do Sherman Anti-Trust Act em 1890 o público teve alguma esperança de recurso contra a força esmagadora do poder económico e político concentrados. Mas, menos de um século depois um punhado de grandes companhias montaria monopólios sobre a difusão de rádio e TV, jornais, cabo e mesmo o sistema operativo de computadores, e o seu domínio ficaria essencialmente não desafiado pelo governo americano. Agora temos uma infraestrutura de Internet que está a evoluir rapidamente, por mais de um caminho. Como acontecia frequentemente nas antigas estradas de Roma, em breve os ciber-transeuntes poderão encontrar-se a ter de pagar para viajar livremente. Nossos novos monopolistas digitais querem utilizar o seu novo poder para reverter o modo como a Internet funciona agora: permitir que aqueles com maior poder financeiro encaminhem o seu conteúdo por avenidas rápidas, enquanto colocam outros em ruas congestionadas. Se eles tiverem êxito na tomada de um meio que tem natureza essencialmente democrática e na monetização de todos os seus aspectos, a América dividir-se-á mais uma vez entre os ricos e os pobres e entre aqueles que têm acesso ao conhecimento e aqueles que não têm. As companhias destacam que tem havido poucas violações da neutralidade da Internet. Não interfira com uma coisa que tem estado a funcionar para toda a gente, dizem eles, não acrescentem salvaguardas quando ninguém tem necessidade delas. Mas a geração que vem aí, a qual herdará os resultados desta batalha de Washington, sofrerá as consequências. Escrevendo em The Yale Daily News, o estudante Dariush Nothaft, depois de ouvir com respeito as alegações da indústria, argumenta que:
No entanto, o poder da Internet como força social reage a estes argumentos. Uma Internet não neutra desencorajaria a competição, portanto custaria dinheiro aos consumidores e diminuiria os benefícios da assinatura para acesso à Internet por preços mais baixos. Ainda mais importante: as pessoas hoje pagar pelo acesso à Internet com entendimento de que estão a acessar um vasto campo nivelado de sítios em que serão guiadas unicamente pelas suas preferências. A não neutralidade muda a própria essência da Internet, tornando assim menos valioso o produto fornecido aos utilizadores.
Assim, a Internet está a alcançar uma encruzilhada crucial na sua espantosa evolução. Será que vamos modelá-la a fim de ampliar a democracia na era digital? Será que garantiremos que o comércio não é a sua única contribuição para a experiência americana? Os monopolistas dizem-nos para não nos preocuparmos. Eles cuidarão de nós, e veremos que o interesse público é honrado e a democracia servida pela mais notável das tecnologias. Eles disseram a mesma coisa acerca da rádio. E acerca da televisão E acerca do cabo. Será que os historiadores do futuro falarão de uma Idade de Ouro da Internet que acabou quando o século XXI começou?
Bill Moyers e Scott Fogdall
http://resistir.info/

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