segunda-feira, outubro 30, 2006

A Coreia do Norte e o duplo critério

O Conselho de Segurança da ONU aprovou sábado 14 a Resolução 1718/2006, a qual impõe duras sanções económicas, comerciais e armamentísticas à Coreia do Norte pelo seu ensaio nuclear de segunda-feira 9 de Outubro. O castigo imposto pela potências nucleares, nações que monopolizaram a tecnologia atómica para fins bélicos e ocupam os postos de maior importância no conselho, põe em evidência a hipocrisia que prevaleceu nesta crise. Não é gratuito que o embaixador norte-coreano perante as Nações Unidas, Pak Gil Yon, acuse o Conselho de Segurança de ter "dupla moral": por um lado, "não é capaz de mencionar uma palavra de inquietude para com os Estados Unidos", por outro, permite que este país ameace "com ataques nucleares preventivos e agrave as tensões reforçando as tropas armadas e realizando exercícios militares conjuntos em grande escala próximo à península coreana". O diplomata norte-coreano tem argumentos de sobra para acusar de hipocrisia os membros do conselho: os Estados Unidos, Rússia, China, França e Grã-Bretanha realizaram no mínimo 2 mil detonações nucleares, na superfície ou subterrâneas, com o silêncio e inclusive a cumplicidade da ONU. Outros países foram tolerados por razões geoestratégicas, como a Índia, o Paquistão e Israel. Perante este panorama, que nação tem qualidade moral para decidir quem tem direito a possuir ou não esta tecnologia? Basta assinalar os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, cuja moralidade e civilidade supostamente garantem um bom uso dessas armas. A guerra contra o terrorismo empreendida por Washington desde há pouco menos de cinco anos deixou uma longa esteira de violações dos direitos humanos. E o Conselho de Segurança não actuou consequentemente, a contra-corrente inclusive da própria Carta da ONU, que reprova invasões unilaterais como a do Iraque. Tem Washington o direito de decidir quem usa ou não a energia atómica? Entretanto, os representantes estadunidenses nas Nações Unidas parecem actuar como se assim acreditassem. A resolução contra a Coreia do Norte não só contempla as sanções típicas: prevê também restrições derivadas da legislação anti-terrorista impulsionada por George W. Bush desde os ataque de 2001. A iniciativa Proliferação Segura, aprovada em 2003, estimula os países a proibir a compra e venda de armas à Coreia do Norte, Irão e outros países considerados perigosos pela Casa Branca, e inspirou uma disposição de que todos os países inspeccionem a mercadoria que sai ou entra naquele país asiático. Apesar de a China ter dito ao conselho que permitiria que se adoptasse a disposição, mas que não a aprovava, esta manobra mostra o desplante estadunidense nesta crise. Por um lado promove as sanções mais duras à Coreia do Norte, propondo inclusive o uso da força. Por outro, limita a margem de manobra para eventuais aproximações. Felizmente a China e a Rússia impediram ou suavizaram diferentes aspectos da sanção, como a menção de uma possível utilização da força para solucionar esta crise. "A China exorta firmemente os países interessados a adoptar uma atitude prudente e responsável a respeito, e a abster-se de tomar medidas provocatórias que possam intensificar as tensões", disse o embaixador de Pequim na ONU, Wang Guangya. Contudo, o caminho seguido pela comunidade internacional, encabeçada por Washington, está longe da prudência e da moral. Por um lado é incapaz de medir com a mesma vara situações semelhantes: o que é mais perigoso, os Estados Unidos com centenas de ogivas nucleares, ou a Coreia do Norte? Por outro, e capaz de condenar milhões de pessoas à miséria mais espantosa só para castigar um país que assume o seu direito à tecnologia de ponta.
La Jornada
http://resistir.info/

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