Entrevista ao escritor mexicano Guillermo Arriaga
O escritor mexicano Guillermo Arriaga é um dos guionistas de cinema mais premiados do mundo, autor de filmes como 21 Gramas, Amor Cão e Três Enterros. Os dois últimos têm a realidade mexicana como tema, as tensões na gigantesca Cidade do México e os dramas da vida na fronteira entre o seu país e os EUA. Todos os anos há centenas de milhares de mexicanos e outros sul‑americanos que tentam cruzar uma fronteira militarizada, com centenas de quilómetros de muros e arame farpado, para entrar nos Estados Unidos da América.
– A nova lei imigratória dos EUA e a construção do muro vão dificultar a imigração?
Já dificultaram. Um coiote [quem ajuda a fazer a travessia] cobrava US$1.000, agora cobra US$3.000. Como a maioria dos camponeses não tem esse dinheiro, eles já chegam endividados por um bom tempo para pagar os seus primeiros salários às máfias instaladas do lado de lá. Se a polícia os apanha, perdem tudo.
– A imigração vai ser detida?
Não. A maior tragédia mexicana é a pobreza. Continuaremos a expulsar os nossos pobres. Só aumentamos o risco de morte dessas pessoas. Ficou mais arriscado e caro. É uma relação hipócrita porque eles precisam desses trabalhadores, que revitalizam o país deles. Só que nós temos a culpa. Não deve ser fácil para os norte‑americanos. Nenhum país reagiria bem com a invasão de milhões de pessoas que não falam a sua língua. O neoliberalismo no México deixou os camponeses à deriva.
– Ou seja, o maior problema está dentro de casa.
Com certeza. O terceiro homem mais rico do mundo é mexicano. Temos vários na lista de bilionários. Houve uma enorme concentração de renda nos últimos anos. Uma história que os brasileiros conhecem bem.
– Era melhor nos tempos do PRI [Partido Revolucionário Institucional]?
Havia muita corrupção, mas os mais pobres contavam com uma rede de protecção, de mercados que vendiam alimentos mais baratos a clínicas populares. A Revolução Mexicana teve uma grande componente de justiça social. Isso acabou.
– O Sr. tem uma visão negativa do NAFTA [North American Free Trade Agreement = Tratado Norte-Americano de Livre Comércio]?
Há sectores que melhoraram, muitas mulheres conseguiram empregos nas maquiladoras, a indústria manufactureira cresceu muito. Houve batota dos americanos na agricultura. Mas o pior foi o fim das políticas sociais, decidido aqui, não pelo NAFTA. Competitividade para os “Chicago boys” quer dizer tirar direitos e reduzir salários dos trabalhadores. Não conheço políticos ou economistas que tenham a solução para isso. A desigualdade cresce em todo o mundo, da China ao Brasil, dos EUA à Europa.
– Fez pesquisas para escrever Três Enterros?
Não precisei. Desde os 12 anos, vou ao norte. Amo o deserto, tenho vários amigos camponeses. O verdadeiro Melquiades teve de imigrar, abandonar o seu clima de 30°C para ordenhar vacas no gelado Wisconsin. Não sabe falar inglês, mas pôde ficar conversando com outros agricultores americanos por horas.
– Há vários mexicanos hoje em Hollywood, actores, cineastas e guionistas. A imagem dos mexicanos pode melhorar nos filmes americanos?
- Continuará péssima. Os norte americanos não têm ferramentas para entender os mexicanos. Eu escolhi o elenco mexicano do “Melquiades” [Três Enterros]. Há muitos preconceitos. Em Traffic, os mexicanos são os grandes traficantes. Só que eles deixam as drogas em Laredo. Quem as leva para Nova York ou Chicago, quando o preço cresce sete vezes? Assim como cabe a nós resolver a nossa pobreza para evitar a imigração, eles deveriam lutar contra o consumo. Os Melquiades Estradas preferiam viver no México, com as suas famílias.
Raul Juste Lores
http://infoalternativa.org/mundo/mundo182.htm
O escritor mexicano Guillermo Arriaga é um dos guionistas de cinema mais premiados do mundo, autor de filmes como 21 Gramas, Amor Cão e Três Enterros. Os dois últimos têm a realidade mexicana como tema, as tensões na gigantesca Cidade do México e os dramas da vida na fronteira entre o seu país e os EUA. Todos os anos há centenas de milhares de mexicanos e outros sul‑americanos que tentam cruzar uma fronteira militarizada, com centenas de quilómetros de muros e arame farpado, para entrar nos Estados Unidos da América.
– A nova lei imigratória dos EUA e a construção do muro vão dificultar a imigração?
Já dificultaram. Um coiote [quem ajuda a fazer a travessia] cobrava US$1.000, agora cobra US$3.000. Como a maioria dos camponeses não tem esse dinheiro, eles já chegam endividados por um bom tempo para pagar os seus primeiros salários às máfias instaladas do lado de lá. Se a polícia os apanha, perdem tudo.
– A imigração vai ser detida?
Não. A maior tragédia mexicana é a pobreza. Continuaremos a expulsar os nossos pobres. Só aumentamos o risco de morte dessas pessoas. Ficou mais arriscado e caro. É uma relação hipócrita porque eles precisam desses trabalhadores, que revitalizam o país deles. Só que nós temos a culpa. Não deve ser fácil para os norte‑americanos. Nenhum país reagiria bem com a invasão de milhões de pessoas que não falam a sua língua. O neoliberalismo no México deixou os camponeses à deriva.
– Ou seja, o maior problema está dentro de casa.
Com certeza. O terceiro homem mais rico do mundo é mexicano. Temos vários na lista de bilionários. Houve uma enorme concentração de renda nos últimos anos. Uma história que os brasileiros conhecem bem.
– Era melhor nos tempos do PRI [Partido Revolucionário Institucional]?
Havia muita corrupção, mas os mais pobres contavam com uma rede de protecção, de mercados que vendiam alimentos mais baratos a clínicas populares. A Revolução Mexicana teve uma grande componente de justiça social. Isso acabou.
– O Sr. tem uma visão negativa do NAFTA [North American Free Trade Agreement = Tratado Norte-Americano de Livre Comércio]?
Há sectores que melhoraram, muitas mulheres conseguiram empregos nas maquiladoras, a indústria manufactureira cresceu muito. Houve batota dos americanos na agricultura. Mas o pior foi o fim das políticas sociais, decidido aqui, não pelo NAFTA. Competitividade para os “Chicago boys” quer dizer tirar direitos e reduzir salários dos trabalhadores. Não conheço políticos ou economistas que tenham a solução para isso. A desigualdade cresce em todo o mundo, da China ao Brasil, dos EUA à Europa.
– Fez pesquisas para escrever Três Enterros?
Não precisei. Desde os 12 anos, vou ao norte. Amo o deserto, tenho vários amigos camponeses. O verdadeiro Melquiades teve de imigrar, abandonar o seu clima de 30°C para ordenhar vacas no gelado Wisconsin. Não sabe falar inglês, mas pôde ficar conversando com outros agricultores americanos por horas.
– Há vários mexicanos hoje em Hollywood, actores, cineastas e guionistas. A imagem dos mexicanos pode melhorar nos filmes americanos?
- Continuará péssima. Os norte americanos não têm ferramentas para entender os mexicanos. Eu escolhi o elenco mexicano do “Melquiades” [Três Enterros]. Há muitos preconceitos. Em Traffic, os mexicanos são os grandes traficantes. Só que eles deixam as drogas em Laredo. Quem as leva para Nova York ou Chicago, quando o preço cresce sete vezes? Assim como cabe a nós resolver a nossa pobreza para evitar a imigração, eles deveriam lutar contra o consumo. Os Melquiades Estradas preferiam viver no México, com as suas famílias.
Raul Juste Lores
http://infoalternativa.org/mundo/mundo182.htm
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