quarta-feira, outubro 25, 2006

O sultão e o cartógrafo

«A sua mãe ensinara­‑lhe que as pessoas do Livro, que insistem que todo o conhecimento anterior ao tempo dos seus próprios Profetas nada vale, traíam a sua própria ignorância... Os fanáticos que matavam em nome da religião referiam-se ao mundo dos antigos como “o tempo da ignorância”, um mundo em que as pessoas não eram sobrecarregadas pela necessidade de adorar um único deus.» (Tariq Ali)



O sultão e o cartógrafo é o quarto livro do Quinteto Islâmico, série em que Tariq Ali enfoca a contribuição e os confrontos do Islão com o Ocidente e demonstra a importância da cultura muçulmana a partir de contextos históricos versados.

O protagonista de O sultão e o cartógrafo, Muhammad Al-Idrisi, é inspirado no célebre geógrafo que compôs um compendium de geografia com a elaboração de um grande mapa-múndi e um livro durante o reinado do normando Rogério II (1093 a 1154) na Sicília. O livro foi baptizado por Al-Idrisi como Kitab Rudjar (O livro de Rogério) e pelo rei como Nuzhat al Mushtak.

Rogério II, apresentado no livro como sultão Rujari, ficou conhecido por ter unido todas as conquistas normandas em um único reino, fundador do Reino das duas Sicílias. Admirador do Islão, Rogério II (Rujari) governou com a ajuda de vários intelectuais muçulmanos, entre eles Al-Idrisi, e tentou impedir as perseguições aos muçulmanos praticadas por bispos e barões cristãos no seu reino.

O contexto histórico e os personagens principais apresentam­‑se na Sicília de 1153 e 1154 e são o ponto de partida para uma envolvente trama que desnuda a cobiça, as manipulações, o orgulho, a luxúria, a sodomia... Uma narrativa costurada pelo olhar crítico do erudito Al-Idrisi, geógrafo e médico. Logo no primeiro capítulo, percebemos o seu envolvimento com a obra do grego Homero e a sua capacidade para interpretar as metáforas e compreender as diferenças de credos. A sua aproximação de Rogério II, o sultão Rujari, que concedeu liberdade religiosa e protecção contra a Igreja e os cristãos para a maioria muçulmana, também é narrada no curso dos vinte e sete anos de convivência, seus vínculos e suas desavenças, mascarados no temperamento calmo e no silêncio de Al-Idrisi.

A importância da preservação das culturas e principalmente de difusão das mesmas está traduzida nos idiomas presentes na ilha – o árabe, o grego e o latim – e na relação próxima do erudito Al-Idrisi com o sultão Rujari. A aparente trégua entre os cristãos e muçulmanos é desarmada com a morte de Rogério II e com o acirramento do conflito com a morte de inúmeros inocentes.

A biblioteca oculta do sultão será o ponto de partida para uma grande travessia que, junto com os personagens, empreenderemos para abandonar os portos seguros das verdades presentes e perceber o conflito entre o Islão e o Ocidente na sua dimensão histórica e secular. A posição geográfica do reino normando da Sicília e o sincretismo das civilizações bizantinas, normandas, gregas e árabes são fundamentais para o surgimento de personagens como o Confiável, os mártires, os barões e os bispos.

Nas últimas frases do Epílogo (Lucera 1250-1300) podemos imaginar o enredo do quinto livro do Quinteto Islâmico de Tariq Ali: «...Durante muitos meses Uthman vacilara quanto ao seu destino. Quanto mais pensava, mais se dava conta de que não queria morrer antes que os seus olhos vissem a mesquita de al-Aqsa e de beijar a terra onde a sua gente havia triunfado sobre os bárbaros. Levou a sua família para a Palestina.»

No Brasil, o título do livro é: Um sultão em Palermo.
Helena Sut
http://www.infoalternativa.org/cultura/livro018.htm

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