sábado, novembro 04, 2006

As mãos sangrentas de Fox

O governo de Vicente Fox chega ao seu fim como refém dos estamentos mais delituosos do partido que pretendia "retirar a patadas" [do palácio] de Los Pinos, com o estigma da traição a um movimento popular com o qual se encontrava formalmente em negociações, com a mania intacta de mentir e com as mãos manchadas de sangue. Tal é o saldo provisório da incursão repressiva lançada ontem [29] contra a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO), decidida com a máxima precipitação depois de os corpos estatais e municipais de segurança, convertidos em esquadrões da morte, assassinaram, na sexta-feira, quatro pessoas e feriram outras 23. O poder federal não actuou para desarmar e deter os homicidas e sim para tripudiar sobre as suas vítimas e para reinstalar no poder uma autoridade repudiada e impopular como há muito não se via no país. Horas antes da operação, a Secretaria da Governação cortou as linhas de comunicação com os representantes da organização popular com a qual mantinha conversações. A atitude obriga a recordar o 9 de Fevereiro de 1995, quando o governo de Ernesto Zedillo, sem interromper os contactos que mantinha com os dirigentes do Exército Zapatista de Libertação Nacional, tentou capturá-los de surpresa e à traição. Impávido, o titular dessa dependência saiu a festejar o "saldo branco" que lhe relatou Miguel Angel Yunes Linares, subsecretário de Segurança Pública, enquanto os media reproduziam as fotos de um dos mortos na incursão repressiva, Jorge Alberto López, que recebeu no peito o impacto de uma cápsula de gás lacrimogéneo, lançada pelos efectivos da Polícia Federal Preventiva. O "método muito cuidadoso para não ferir, para não lesionar" dos contigentes policiais deixava, até ontem, um saldo de três mortos e dezenas de feridos. A mobilização policial mostrou os seus verdadeiros propósitos: esmagar o movimento que pede a saída de Ulises Ruiz do governo estatal com a detenção de uns 60 supostos integrantes da APPO e a busca em meia centena de residências. E o pretexto para a incursão de que "ambas as partes estavam a matar-se reciprocamente", dito por Abascal, cai pelos seu próprio peso, porque a violência do Estado voltou-se de maneira inequívoca contra o movimento popular e em caso algum contra os responsáveis de todas as mortes, cerca de uma vintena, ocorridas até agora naquela convulsionada entidade. Naturalmente, a entrada violenta das forças federais na capital oaxaquenha não vai resolver o conflito. Pelo contrário, este recurso repressivo complica mais a crise regional e introduz um factor adicional de tensão no já por si decomposto panorama político nacional. No imediato, cabe perguntar se poderá ser efectuado o reinício das aulas pelos professores de Oaxaca, que estava previsto para hoje e que tanto festejavam as autoridades federais, em meio a um ambiente social exacerbado pela presença de pequenos tanques anti-motins. Quanto à APPO, a destruição das barricadas, a "recuperação" dos edifícios públicos, a perseguição, as mortes, as agressões físicas e a evacuação do centro de Oaxaca não farão senão fortalecer as razões de ser desse movimento. Finalmente, se com esta escalada repressiva pretendia-se aplainar o caminho de Felipe Calderón à Presidência, pode ser que o governo federa consiga o resultado contrário. Com decisões tão torpes e insensíveis como essa o foxismo poderia provocar, nos 32 dias que lhe restam, uma desestabilização sem precedentes. Conseguiu, no imediato, e pela terceira vez após as intervenções de forças federais em Lázaro Cárdenas e em Texcoco-Atenco, manchar as mãos de sangue.
La Jornada
http://resistir.info/

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