Foi preciso mais de um mês de negociações para ser finalmente assinado um acordo, no início de Agosto de 2005, segundo o qual a África do Sul emprestará ao seu vizinho Zimbabwe quinhentos milhões de dólares. Os Estados Unidos, por seu lado, anunciaram em meados de Agosto uma ajuda de 51 milhões de dólares à região, metade da qual atribuída ao Zimbabwe para a compra de cereais. Harare poderá assim fazer frente às dívidas mais urgentes, acabando, nomeadamente, com as faltas gravíssimas de produtos de primeira necessidade – tais como a farinha e o óleo – e de carburantes que nos últimos meses paralisaram o país. Poderá comprar 600.000 toneladas de milho, para afastar os riscos de epidemias de fome, pagar a factura energética (em particular à África do Sul e a Moçambique) e importar peças para voltar a pôr a funcionar a central térmica de Hwange, no Noroeste, avariada desde há meses...
Mas os dirigentes sul-africanos favoráveis ao “salvamento” in extremis da economia zimbabuense em ruínas estavam mais preocupados com o pagamento das dívidas atrasadas de Harare ao Fundo Monetário Internacional (FMI), num montante de 248 milhões de euros. Com efeito, o não pagamento dessas somas podia levar o Zimbabwe a ser pura e simplesmente excluído, a breve prazo, do FMI.
No fim de Julho, Pequim recusou um empréstimo ao presidente Robert Mugabe, então em visita oficial à China, apesar da oferta de novas concessões mineiras, nomeadamente de platina, cujas segundas mais importantes reservas mundiais se encontram no subsolo zimbabuense. E os sul-africanos, agora os únicos interlocutores válidos do Zimbabwe, negociaram – discretamente – contrapartidas políticas à sua ajuda: a normalização das relações com a oposição, bem como emendas constitucionais no sentido da abertura democrática e do reforço do Estado de direito, inclusive no delicado âmbito da propriedade fundiária, concessões essas que a “diplomacia tranquila” praticada por Pretória não pudera obter ao longo de três anos de mediações. Mas cumprirá Harare a palavra dada? Em todo o caso, a acusação de traição dirigida ao responsável do Movimento para a Mudança Democrática (MDC), Morgan Tsvangirai, foi retirada poucos dias antes do fim das negociações, e pouco antes de o Tribunal de Segunda Instância de Harare se pronunciar.
Pretória teve sempre o cuidado de evitar desestabilizar o Zimbabwe. A África do Sul é o principal parceiro comercial e o principal investidor no sector mineiro deste país outrora considerado muito prometedor. «As consequências económicas e humanitárias de uma crise importante no Zimbabwe teriam pesado inteiramente sobre a África do Sul», diz-se repetidamente no círculo do presidente Thabo Mbeki. Além disso, ambos os regimes se encontram ligados pela luta contra a segregação racial.
Para grande pesar dos ocidentais, que exercem pressões sobre a África do Sul, este país recusou, entre outras coisas, condenar as expropriações violentas de terras pelos veteranos da guerra de libertação do Zimbabwe. E, no entanto, estas expropriações constituíam um precedente muito embaraçoso para Pretória que, confrontada com o mesmo problema, quer resolvê-lo pacificamente [1]. Um tal embaraço é cada vez menos apreciado pela base rural do Congresso Nacional Africano (ANC), ao mesmo tempo que se exalta a coragem de Robert Mugabe. De resto, a simpatia sem limites por Mugabe constata-se em África um pouco por toda a parte. Desde 2002, os governos africanos rejeitam a organização de uma segunda cimeira com a União Europeia enquanto o presidente do Zimbabwe for objecto de sanções. Do mesmo modo, revelou-se infrutífera a tentativa do presidente da Comissão da União Africana, o maliano Alpha Oumar Konaré, no sentido de levar a cabo uma investigação independente sobre a crise humanitária em curso no Zimbabwe.
Mas na própria África do Sul foi renhido o debate sobre a oportunidade duma ajuda financeira a Harare. A central sindical COSATU e o Partido Comunista Sul-Africano, aliados históricos do ANC, mostraram-se reticentes, tendo o poderoso Conselho das Igrejas sul-africanas pedido ao presidente Thabo Mbeki que «pensasse em soluções a longo prazo».
Ler também:
- Augusta Conchiglia, Fim de reinado em Harare, Le Monde diplomatique, Setembro 2005
- Zimbabwe: Depois da segregação, Le Monde diplomatique, Setembro 2005
[1] Menos de 2 por cento das terras agrícolas disponíveis foram transferidas para sul-africanos negros. Ler Colette Braeckman, Paysans sans terre d'Afrique du Sud [ed. brasileira: Os limites da reforma agrária de mercado], Le Monde diplomatique, Setembro de 2003.
Augusta Conchiglia
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/africa/zimbabwe002.htm
Mas os dirigentes sul-africanos favoráveis ao “salvamento” in extremis da economia zimbabuense em ruínas estavam mais preocupados com o pagamento das dívidas atrasadas de Harare ao Fundo Monetário Internacional (FMI), num montante de 248 milhões de euros. Com efeito, o não pagamento dessas somas podia levar o Zimbabwe a ser pura e simplesmente excluído, a breve prazo, do FMI.
No fim de Julho, Pequim recusou um empréstimo ao presidente Robert Mugabe, então em visita oficial à China, apesar da oferta de novas concessões mineiras, nomeadamente de platina, cujas segundas mais importantes reservas mundiais se encontram no subsolo zimbabuense. E os sul-africanos, agora os únicos interlocutores válidos do Zimbabwe, negociaram – discretamente – contrapartidas políticas à sua ajuda: a normalização das relações com a oposição, bem como emendas constitucionais no sentido da abertura democrática e do reforço do Estado de direito, inclusive no delicado âmbito da propriedade fundiária, concessões essas que a “diplomacia tranquila” praticada por Pretória não pudera obter ao longo de três anos de mediações. Mas cumprirá Harare a palavra dada? Em todo o caso, a acusação de traição dirigida ao responsável do Movimento para a Mudança Democrática (MDC), Morgan Tsvangirai, foi retirada poucos dias antes do fim das negociações, e pouco antes de o Tribunal de Segunda Instância de Harare se pronunciar.
Pretória teve sempre o cuidado de evitar desestabilizar o Zimbabwe. A África do Sul é o principal parceiro comercial e o principal investidor no sector mineiro deste país outrora considerado muito prometedor. «As consequências económicas e humanitárias de uma crise importante no Zimbabwe teriam pesado inteiramente sobre a África do Sul», diz-se repetidamente no círculo do presidente Thabo Mbeki. Além disso, ambos os regimes se encontram ligados pela luta contra a segregação racial.
Para grande pesar dos ocidentais, que exercem pressões sobre a África do Sul, este país recusou, entre outras coisas, condenar as expropriações violentas de terras pelos veteranos da guerra de libertação do Zimbabwe. E, no entanto, estas expropriações constituíam um precedente muito embaraçoso para Pretória que, confrontada com o mesmo problema, quer resolvê-lo pacificamente [1]. Um tal embaraço é cada vez menos apreciado pela base rural do Congresso Nacional Africano (ANC), ao mesmo tempo que se exalta a coragem de Robert Mugabe. De resto, a simpatia sem limites por Mugabe constata-se em África um pouco por toda a parte. Desde 2002, os governos africanos rejeitam a organização de uma segunda cimeira com a União Europeia enquanto o presidente do Zimbabwe for objecto de sanções. Do mesmo modo, revelou-se infrutífera a tentativa do presidente da Comissão da União Africana, o maliano Alpha Oumar Konaré, no sentido de levar a cabo uma investigação independente sobre a crise humanitária em curso no Zimbabwe.
Mas na própria África do Sul foi renhido o debate sobre a oportunidade duma ajuda financeira a Harare. A central sindical COSATU e o Partido Comunista Sul-Africano, aliados históricos do ANC, mostraram-se reticentes, tendo o poderoso Conselho das Igrejas sul-africanas pedido ao presidente Thabo Mbeki que «pensasse em soluções a longo prazo».
Ler também:
- Augusta Conchiglia, Fim de reinado em Harare, Le Monde diplomatique, Setembro 2005
- Zimbabwe: Depois da segregação, Le Monde diplomatique, Setembro 2005
[1] Menos de 2 por cento das terras agrícolas disponíveis foram transferidas para sul-africanos negros. Ler Colette Braeckman, Paysans sans terre d'Afrique du Sud [ed. brasileira: Os limites da reforma agrária de mercado], Le Monde diplomatique, Setembro de 2003.
Augusta Conchiglia
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/africa/zimbabwe002.htm
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