Pouco sensível às condições de trabalho nas empresas suas fornecedoras, a Wal-Mart subcontrata uma grande parte dos seus produtos em África, na América Latina e doravante na China, onde os salários são ainda mais baixos.
Jane Doe II, que utiliza este pseudónimo para "«se proteger, bem como à família, de quaisquer danos e represálias», trabalha desde Setembro de 2003 numa máquina de costura duma fábrica de confecções de Shenzen, no Sul da China. Tal como 4800 outras empresas chinesas, esta onde trabalha opera para uma das marcas comercializadas pela Wal-Mart, a gigantesca cadeia de comércio a retalho. Para fornecer as secções da Wal‑Mart, Jane Doe II – uma de um total de 130.000 empregados chineses que trabalham em regime de subcontratação para a firma norte-americana – chega a fazer 20 horas de laboração por dia, sem que lhe paguem as horas extraordinárias. Auferindo 16,5 centavos do dólar à hora (13 cêntimos do euro), Jane Doe II tão‑pouco recebe o salário mínimo legal (31 centavos, 25 cêntimos) que as leis laborais chinesas determinam. Por outro lado, como a empresa não lhe fornece a necessária roupa de protecção, esta operária sofre de perturbações respiratórias e de pruridos cutâneos, provocados pelas poeiras do algodão e da lã a que se encontra exposta.
Mas a sua única opção é esta. Ou aceita o trabalho, «ou perde o emprego e fica na lista negra, prática corrente nas fábricas de confecções de Shenzen», explica o International Labor Rights Fund (ILRF). Em 14 de Setembro de 2005, esta organização norte-americana pôs uma acção em tribunal contra as práticas sociais da multinacional, em nome de Jane Doe II, bem como de catorze outros trabalhadores, asiáticos, africanos, latino‑americanos, e até norte-americanos, que trabalham para empresas subsidiárias da Wal-Mart.
Segundo o ILRF, a Wal-Mart autorizou os seus fornecedores a «contrariarem qualquer tentativa de formação de um sindicato» [1]. A Wal-Mart terá igualmente feito «declarações falaciosas ao público americano relativamente às práticas da empresa em matéria de direitos humanos e direitos laborais». Com efeito, os factos que incriminam a firma violam as obrigações contratuais que ela própria proclamou em 1992. A Wal‑Mart, indica a queixa‑crime, tinha-se «comprometido a vigiar as fábricas dos seus fornecedores de modo a garantir que estes respeitassem o código de conduta».
Desde 2001, a firma norte-americana tem acompanhado – ou mesmo provocado – a migração das empresas suas subsidiárias para as novas zonas económicas chinesas, em nome de uma lógica que a revista na Internet Fast Company resumiu assim: «A Wal-Mart está em condições de comprimir ao máximo as margens dos seus fornecedores. Para sobreviverem a esta política, os fabricantes de tudo quanto pode ser vendido – dos sutiãs às bicicletas, passando pelas calças de ganga – tiveram de despedir os seus empregados e encerrar as suas fábricas dos Estados Unidos, para passarem a subcontratar trabalho em países ultramarinos» [2]. Actualmente, mais de metade das importações de produtos não comestíveis provêm da China, onde a multinacional tem também uma centena de supermercados e a sua principal central de compras mundial.
Adquirindo 15 mil milhões de dólares de mercadorias chinesas – 11 por cento das trocas comerciais sino‑americanas –, a Wal-Mart é hoje o primeiro importador mundial de produtos fabricados na “oficina do mundo”. Impondo uma calendarização estrita e uma redução dos custos de fabrico, acrescenta a revista Fast Company, ela «reduz os frágeis progressos sociais alcançados na China, impondo longas horas extraordinárias obrigatórias e dando luz verde ao despedimento arbitrário dos trabalhadores que ousem pôr em causa as condições de trabalho».
O REGRESSO DO SERVO E DO VASSALO
Não é inédito a Wal-Mart ver-se acusada de tais práticas. Só em 2002, ano em que importou para os Estados Unidos 291.200 contentares de bens de consumo, a firma foi objecto de 6000 queixas-crime em tribunal devido às suas práticas sociais. Mas aquilo que distingue o processo movido pelo ILRF é o seu carácter universal [3]. Além da Jane Doe II de Shenzen, sabe-se de outras vítimas anónimas da política comercial que visa “baixar os preços a todo o custo”. Essas vítimas trabalham em Mastapha (Suazilândia), em Sebaco (Nicarágua), em Daca (Bangladeche). Na sua maior parte são mulheres, à imagem dos assalariados das empresas subcontratadas que o consumidor norte-americano ignora. A história destas vítimas atesta uma «walmartização» do mundo, expressão que o sindicato mundial das profissões do comércio considera estar «em vias de se tornar familiar, significando ao mesmo tempo dumping social e anti-sindicalismo» [4].
Como lembra o professor Nelson Lichtenstein, especialista de história operária na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, «em cada época, uma empresa protótipo parece encarnar um conjunto inovador de estruturas económicas e relações sociais. Em finais do século XIX, a Companhia dos Caminhos‑de‑Ferro da Pensilvânia considerava-se “a referência do mundo”; em meados do século XX, a General Motors foi o símbolo duma gestão burocrática e aperfeiçoada, bem como duma produção em série que tirava proveito das novas tecnologias. Nestes últimos anos, a Microsoft parecia ser o modelo de uma economia do conhecimento pós-industrial. Mas, no início do século XXI, é a Wal-Mart que por seu turno parece representar o tipo de instituição económica que transforma o mundo, impondo um sistema transnacional e fortemente integrado de produção, distribuição e emprego». Todavia, sublinha Nelson Lichtenstein, «e isto é uma novidade, o centro, o poder é o revendedor global, tendo o fabricante passado à condição de servo, de vassalo».
Contra duas formas de contestação – internacional e local [5] –, a Wal-Mart lançou em 2005 uma grande operação de comunicação, destinada, segundo o seu director-geral, Lee Scott Jr., a responder a «uma das campanhas mais organizadas, sofisticadas e dispendiosas nunca antes empreendida contra uma só empresa». No tocante à questão das empresas subcontratadas, a operação consiste em relativizar os factos e fazer alarde de uma consciência social. Deste modo, a Wal-Mart garante estar regularmente em contacto com várias organizações não governamentais que lutam em prol do encerramento das sweat shops e maquiladoras [6] - das quais, no entanto, esta firma continua a importar 50 por cento das suas mercadorias estrangeiras.
Os spin doctors contratados pela firma terão provavelmente inspirado a contra-ofensiva visível nas sábias declarações da revista norte-americana Fortune: «A Wal-Mart emprega directamente 1,4 milhões de pessoas, ou seja, 56 vezes mais que uma empresa americana média. Disso decorre, em absoluto, que uma ocorrência funesta tem 5500 por cento mais possibilidades de surgir na Wal-mart do que nos seus concorrentes» [7].
Nesse mesmo registo fatalista, Lee Scott, que em 2004 ganhava 16.000 vezes mais que um operário da Suazilândia, acrescentou o seguinte: «Enquanto houver cupidez, há-de haver quem infrinja a lei». Mas como este género de filosofia não basta, a Wal-Mart informou ter procedido em 2004 a mais de 12.000 inspecções em 7600 fábricas e ter posto fim às suas relações comerciais com 1500 fábricas, 108 das quais definitivamente, sobretudo devido a violações da lei relativas ao trabalho infantil.
Membro do colectivo sul-africano Civil Society Research and Support Collective (CSRSC), Aisha Bahadur levou a cabo várias investigações sobre as condições de trabalho nas empresas têxteis da África Austral e Oriental. Convém aliás referir que a África é um dos territórios menos mediatizados da walmartização do mundo operário, apesar de constituir uma das zonas do planeta onde são aplicadas de forma brutal as imposições da firma, que «afectam por esse mundo fora os salários, as condições de trabalho, as práticas manufactureiras e até o preço da jarda de ganga» [8].
A multinacional norte-americana soube tirar partido dos acordos de comércio livre estabelecidos por Washington com alguns Estados africanos. Em Janeiro de 2003, o Sindicato dos Operários Têxteis do Lesoto (Lesotho Clothing and Allied Workers Union, LECAWU) e a Federação Africana dos Trabalhadores do Têxtil e do Cabedal (membro da ITGLWF, International Textile, Garment and Leather Workers Federation) denunciaram as condições de trabalho de 21 empresas subcontratadas pela Wal-Mart na periferia de Maseru, capital do Lesoto. O caso, em que se encontram implicadas empresas subcontratadas que operam para as marcas Gap e Hudson Bay, veio lembrar que apesar de não haver em África supermercados Wal-Mart, em contrapartida a África do têxtil está muito presente nos contentores que se destinam aos hipermercados.
A sub-região austral é “privilegiada” pelos três acordos de comércio livre (African Growth and Opportunity Act, AGOA) que desde 2000 foram concluídos entre os Estados Unidos e alguns Estados do continente negro. Ora, para beneficiarem da supressão de barreiras alfandegárias para os Estados Unidos, empresas têxteis de Taiwan deslocalizaram-se em massa para África. Até Dezembro de 2004, as suas máquinas de costura trabalharam em pleno para a Wal-Mart, que Aisha Bahadur identifica como «um dos maiores beneficiários da AGOA e do acordo multifibras que privilegia a importação de têxteis a baixo preço provenientes de África», tendo então afluído às novas zonas industriais das capitais regionais uma mão-de-obra rural que as empresas subcontratadas se apressaram a superexplorar. Os escândalos obrigaram algumas dessas empresas a fechar, mas outras substituíram-nas logo.
Essa situação durou até Janeiro de 2005. Porque a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) e o fim do Acordo Multifibras foram o toque de finados desse período de pleno emprego. As empresas deslocalizadas para África voltaram a partir para o Sudeste Asiático, e tão facilmente, notou Aisha Bahadur, quanto é possível «instalar em contentares o material duma empresa têxtil, tendo sido despedidos, entre Outubro de 2004 e Maio de 2005, cerca de 60.000 trabalhadores». Os operários africanos das empresas têxteis que lá continuaram, acrescentou, «estão mais do que nunca ameaçados pelas políticas decididas pela Wal‑Mart».
Com sede em Kampala, capital do Uganda, a fábrica de confecções Apparel Tri-Star Ltd. pertence a uma das empresas cingalesas beneficiarias da AGOA que a Wal-Mart continua a subcontratar apesar das queixas dos empregados, embora estas queixas tenham sido apresentadas à Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como informa a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL), a Tristar é «uma espantosa máquina de violar direitos dos assalariados (em grandíssima maioria mulheres)» [9]. Com efeito, os testemunhos de algumas das 2000 operárias põem em questão o comportamento duma empresa que é apresentada pelas autoridades do país como um exemplo a seguir para o desenvolvimento do Uganda.
«Quando precisamos de ir aos lavabos», informa uma operária, «temos previamente de obter uma autorização do supervisor. Se ele estiver de acordo, dá-nos uma espécie de “senha de saída”; mas como só há duas senhas por cada secção de 70 trabalhadores, temos de esperar. Depois, quando chega a nossa vez, somos obrigados a correr porque é proibido ausentarmo-nos mais de cinco minutos e a distância que vai da oficina aos lavabos pode levar esse tempo». Mais: cada ausência é controlada por uma guarda da segurança e inscrita num registo com o nome do trabalhador, o número do seu cartão, a hora e minutos em que se ausenta e em que regressa. Qualquer ausência considerada excessiva é sancionada com uma advertência, que pode acabar no despedimento. Porque em África e noutras paragens, «os preços diariamente mais baixos» não são baratos para toda a gente.
[1] Ver o sítio www.laborrights.org.
[2] Charles Fishman, The Wal-Mart you don’t know, Fast Company, Dezembro de 2003.
[3] BBC World Service, “Wal-Mart hit by ‘sweatshop’ claim”, 13 de Setembro de 2005.
[4] Ler o relatório de Março de 2005 da Union Network International (UNI), The wal-martization of the world: UNI’s global response.
[5] Olivier Esteves, Resistências populares, Le Monde diplomatique, Janeiro de 2006.
[6] Fábricas que operam em regime de subcontratação situadas na América Latina e nos países das Caraíbas.
[7] Jerry Useem, “Should we admire Wal-Mart?”, Fortune, 8 de Março de 2004.
[8] Ver o sítio Internet do CSRSC.
[9] Ler Le Monde Syndical, Ouganda, un gouvernement au service des employeurs, Agosto de 2005.
Jean-Christophe Servant
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/usa/usa129.htm
Jane Doe II, que utiliza este pseudónimo para "«se proteger, bem como à família, de quaisquer danos e represálias», trabalha desde Setembro de 2003 numa máquina de costura duma fábrica de confecções de Shenzen, no Sul da China. Tal como 4800 outras empresas chinesas, esta onde trabalha opera para uma das marcas comercializadas pela Wal-Mart, a gigantesca cadeia de comércio a retalho. Para fornecer as secções da Wal‑Mart, Jane Doe II – uma de um total de 130.000 empregados chineses que trabalham em regime de subcontratação para a firma norte-americana – chega a fazer 20 horas de laboração por dia, sem que lhe paguem as horas extraordinárias. Auferindo 16,5 centavos do dólar à hora (13 cêntimos do euro), Jane Doe II tão‑pouco recebe o salário mínimo legal (31 centavos, 25 cêntimos) que as leis laborais chinesas determinam. Por outro lado, como a empresa não lhe fornece a necessária roupa de protecção, esta operária sofre de perturbações respiratórias e de pruridos cutâneos, provocados pelas poeiras do algodão e da lã a que se encontra exposta.
Mas a sua única opção é esta. Ou aceita o trabalho, «ou perde o emprego e fica na lista negra, prática corrente nas fábricas de confecções de Shenzen», explica o International Labor Rights Fund (ILRF). Em 14 de Setembro de 2005, esta organização norte-americana pôs uma acção em tribunal contra as práticas sociais da multinacional, em nome de Jane Doe II, bem como de catorze outros trabalhadores, asiáticos, africanos, latino‑americanos, e até norte-americanos, que trabalham para empresas subsidiárias da Wal-Mart.
Segundo o ILRF, a Wal-Mart autorizou os seus fornecedores a «contrariarem qualquer tentativa de formação de um sindicato» [1]. A Wal-Mart terá igualmente feito «declarações falaciosas ao público americano relativamente às práticas da empresa em matéria de direitos humanos e direitos laborais». Com efeito, os factos que incriminam a firma violam as obrigações contratuais que ela própria proclamou em 1992. A Wal‑Mart, indica a queixa‑crime, tinha-se «comprometido a vigiar as fábricas dos seus fornecedores de modo a garantir que estes respeitassem o código de conduta».
Desde 2001, a firma norte-americana tem acompanhado – ou mesmo provocado – a migração das empresas suas subsidiárias para as novas zonas económicas chinesas, em nome de uma lógica que a revista na Internet Fast Company resumiu assim: «A Wal-Mart está em condições de comprimir ao máximo as margens dos seus fornecedores. Para sobreviverem a esta política, os fabricantes de tudo quanto pode ser vendido – dos sutiãs às bicicletas, passando pelas calças de ganga – tiveram de despedir os seus empregados e encerrar as suas fábricas dos Estados Unidos, para passarem a subcontratar trabalho em países ultramarinos» [2]. Actualmente, mais de metade das importações de produtos não comestíveis provêm da China, onde a multinacional tem também uma centena de supermercados e a sua principal central de compras mundial.
Adquirindo 15 mil milhões de dólares de mercadorias chinesas – 11 por cento das trocas comerciais sino‑americanas –, a Wal-Mart é hoje o primeiro importador mundial de produtos fabricados na “oficina do mundo”. Impondo uma calendarização estrita e uma redução dos custos de fabrico, acrescenta a revista Fast Company, ela «reduz os frágeis progressos sociais alcançados na China, impondo longas horas extraordinárias obrigatórias e dando luz verde ao despedimento arbitrário dos trabalhadores que ousem pôr em causa as condições de trabalho».
O REGRESSO DO SERVO E DO VASSALO
Não é inédito a Wal-Mart ver-se acusada de tais práticas. Só em 2002, ano em que importou para os Estados Unidos 291.200 contentares de bens de consumo, a firma foi objecto de 6000 queixas-crime em tribunal devido às suas práticas sociais. Mas aquilo que distingue o processo movido pelo ILRF é o seu carácter universal [3]. Além da Jane Doe II de Shenzen, sabe-se de outras vítimas anónimas da política comercial que visa “baixar os preços a todo o custo”. Essas vítimas trabalham em Mastapha (Suazilândia), em Sebaco (Nicarágua), em Daca (Bangladeche). Na sua maior parte são mulheres, à imagem dos assalariados das empresas subcontratadas que o consumidor norte-americano ignora. A história destas vítimas atesta uma «walmartização» do mundo, expressão que o sindicato mundial das profissões do comércio considera estar «em vias de se tornar familiar, significando ao mesmo tempo dumping social e anti-sindicalismo» [4].
Como lembra o professor Nelson Lichtenstein, especialista de história operária na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, «em cada época, uma empresa protótipo parece encarnar um conjunto inovador de estruturas económicas e relações sociais. Em finais do século XIX, a Companhia dos Caminhos‑de‑Ferro da Pensilvânia considerava-se “a referência do mundo”; em meados do século XX, a General Motors foi o símbolo duma gestão burocrática e aperfeiçoada, bem como duma produção em série que tirava proveito das novas tecnologias. Nestes últimos anos, a Microsoft parecia ser o modelo de uma economia do conhecimento pós-industrial. Mas, no início do século XXI, é a Wal-Mart que por seu turno parece representar o tipo de instituição económica que transforma o mundo, impondo um sistema transnacional e fortemente integrado de produção, distribuição e emprego». Todavia, sublinha Nelson Lichtenstein, «e isto é uma novidade, o centro, o poder é o revendedor global, tendo o fabricante passado à condição de servo, de vassalo».
Contra duas formas de contestação – internacional e local [5] –, a Wal-Mart lançou em 2005 uma grande operação de comunicação, destinada, segundo o seu director-geral, Lee Scott Jr., a responder a «uma das campanhas mais organizadas, sofisticadas e dispendiosas nunca antes empreendida contra uma só empresa». No tocante à questão das empresas subcontratadas, a operação consiste em relativizar os factos e fazer alarde de uma consciência social. Deste modo, a Wal-Mart garante estar regularmente em contacto com várias organizações não governamentais que lutam em prol do encerramento das sweat shops e maquiladoras [6] - das quais, no entanto, esta firma continua a importar 50 por cento das suas mercadorias estrangeiras.
Os spin doctors contratados pela firma terão provavelmente inspirado a contra-ofensiva visível nas sábias declarações da revista norte-americana Fortune: «A Wal-Mart emprega directamente 1,4 milhões de pessoas, ou seja, 56 vezes mais que uma empresa americana média. Disso decorre, em absoluto, que uma ocorrência funesta tem 5500 por cento mais possibilidades de surgir na Wal-mart do que nos seus concorrentes» [7].
Nesse mesmo registo fatalista, Lee Scott, que em 2004 ganhava 16.000 vezes mais que um operário da Suazilândia, acrescentou o seguinte: «Enquanto houver cupidez, há-de haver quem infrinja a lei». Mas como este género de filosofia não basta, a Wal-Mart informou ter procedido em 2004 a mais de 12.000 inspecções em 7600 fábricas e ter posto fim às suas relações comerciais com 1500 fábricas, 108 das quais definitivamente, sobretudo devido a violações da lei relativas ao trabalho infantil.
Membro do colectivo sul-africano Civil Society Research and Support Collective (CSRSC), Aisha Bahadur levou a cabo várias investigações sobre as condições de trabalho nas empresas têxteis da África Austral e Oriental. Convém aliás referir que a África é um dos territórios menos mediatizados da walmartização do mundo operário, apesar de constituir uma das zonas do planeta onde são aplicadas de forma brutal as imposições da firma, que «afectam por esse mundo fora os salários, as condições de trabalho, as práticas manufactureiras e até o preço da jarda de ganga» [8].
A multinacional norte-americana soube tirar partido dos acordos de comércio livre estabelecidos por Washington com alguns Estados africanos. Em Janeiro de 2003, o Sindicato dos Operários Têxteis do Lesoto (Lesotho Clothing and Allied Workers Union, LECAWU) e a Federação Africana dos Trabalhadores do Têxtil e do Cabedal (membro da ITGLWF, International Textile, Garment and Leather Workers Federation) denunciaram as condições de trabalho de 21 empresas subcontratadas pela Wal-Mart na periferia de Maseru, capital do Lesoto. O caso, em que se encontram implicadas empresas subcontratadas que operam para as marcas Gap e Hudson Bay, veio lembrar que apesar de não haver em África supermercados Wal-Mart, em contrapartida a África do têxtil está muito presente nos contentores que se destinam aos hipermercados.
A sub-região austral é “privilegiada” pelos três acordos de comércio livre (African Growth and Opportunity Act, AGOA) que desde 2000 foram concluídos entre os Estados Unidos e alguns Estados do continente negro. Ora, para beneficiarem da supressão de barreiras alfandegárias para os Estados Unidos, empresas têxteis de Taiwan deslocalizaram-se em massa para África. Até Dezembro de 2004, as suas máquinas de costura trabalharam em pleno para a Wal-Mart, que Aisha Bahadur identifica como «um dos maiores beneficiários da AGOA e do acordo multifibras que privilegia a importação de têxteis a baixo preço provenientes de África», tendo então afluído às novas zonas industriais das capitais regionais uma mão-de-obra rural que as empresas subcontratadas se apressaram a superexplorar. Os escândalos obrigaram algumas dessas empresas a fechar, mas outras substituíram-nas logo.
Essa situação durou até Janeiro de 2005. Porque a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) e o fim do Acordo Multifibras foram o toque de finados desse período de pleno emprego. As empresas deslocalizadas para África voltaram a partir para o Sudeste Asiático, e tão facilmente, notou Aisha Bahadur, quanto é possível «instalar em contentares o material duma empresa têxtil, tendo sido despedidos, entre Outubro de 2004 e Maio de 2005, cerca de 60.000 trabalhadores». Os operários africanos das empresas têxteis que lá continuaram, acrescentou, «estão mais do que nunca ameaçados pelas políticas decididas pela Wal‑Mart».
Com sede em Kampala, capital do Uganda, a fábrica de confecções Apparel Tri-Star Ltd. pertence a uma das empresas cingalesas beneficiarias da AGOA que a Wal-Mart continua a subcontratar apesar das queixas dos empregados, embora estas queixas tenham sido apresentadas à Organização Internacional do Trabalho (OIT). Como informa a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL), a Tristar é «uma espantosa máquina de violar direitos dos assalariados (em grandíssima maioria mulheres)» [9]. Com efeito, os testemunhos de algumas das 2000 operárias põem em questão o comportamento duma empresa que é apresentada pelas autoridades do país como um exemplo a seguir para o desenvolvimento do Uganda.
«Quando precisamos de ir aos lavabos», informa uma operária, «temos previamente de obter uma autorização do supervisor. Se ele estiver de acordo, dá-nos uma espécie de “senha de saída”; mas como só há duas senhas por cada secção de 70 trabalhadores, temos de esperar. Depois, quando chega a nossa vez, somos obrigados a correr porque é proibido ausentarmo-nos mais de cinco minutos e a distância que vai da oficina aos lavabos pode levar esse tempo». Mais: cada ausência é controlada por uma guarda da segurança e inscrita num registo com o nome do trabalhador, o número do seu cartão, a hora e minutos em que se ausenta e em que regressa. Qualquer ausência considerada excessiva é sancionada com uma advertência, que pode acabar no despedimento. Porque em África e noutras paragens, «os preços diariamente mais baixos» não são baratos para toda a gente.
[1] Ver o sítio www.laborrights.org.
[2] Charles Fishman, The Wal-Mart you don’t know, Fast Company, Dezembro de 2003.
[3] BBC World Service, “Wal-Mart hit by ‘sweatshop’ claim”, 13 de Setembro de 2005.
[4] Ler o relatório de Março de 2005 da Union Network International (UNI), The wal-martization of the world: UNI’s global response.
[5] Olivier Esteves, Resistências populares, Le Monde diplomatique, Janeiro de 2006.
[6] Fábricas que operam em regime de subcontratação situadas na América Latina e nos países das Caraíbas.
[7] Jerry Useem, “Should we admire Wal-Mart?”, Fortune, 8 de Março de 2004.
[8] Ver o sítio Internet do CSRSC.
[9] Ler Le Monde Syndical, Ouganda, un gouvernement au service des employeurs, Agosto de 2005.
Jean-Christophe Servant
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/usa/usa129.htm
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