segunda-feira, novembro 06, 2006

A união federal faz a força

A federalização do Estado belga começou em 1970. Nessa altura, o objectivo consistia em dotar o país de estruturas que tivessem em conta as diferentes especificidades regionais. A partir desta data, a Constituição reconhece a existência de três comunidades culturais e de três regiões. Estas estruturas registam um novo impulso dez anos mais tarde com uma nova revisão constitucional que atribui competências ligadas ao espaço (economia, emprego, política de água, ordenação do território, urbanismo, etc.) às regiões e competências “personalizáveis” (política de saúde, ajuda às pessoas, etc.) às comunidades. No Norte do país, as instituições da região e da comunidade flamenga fundem-se, ao mesmo tempo que a comunidade francesa e a região da Valónia permanecem como organismos distintos.

A reforma constitucional de 1989 atribui ainda mais competências às comunidades e regiões, enquanto a região bilingue Bruxelas-Capital passa a ser dotada de um Parlamento (denominado Conselho) e de um governo. Quatro anos mais tarde, a Bélgica torna-se juridicamente um Estado federal. Por fim, em 2001 as competências das regiões estendem-se em matéria de agricultura, poderes locais e comércio externo.

Feitas as contas, a regionalização terá indiscutivelmente permitido que cada comunidade gerisse adequadamente os problemas com que se deparava no terreno, evitando à Bélgica – explica Guido Fonteyn – «talvez não uma guerra civil, mas grandes dificuldades. Num certo sentido, as reformas constitucionais salvaram o país». A justiça, a segurança social, a dívida pública, os negócios estrangeiros, as finanças ou ainda a defesa continuam a ser competências federais, enquanto a agricultura, o turismo, o ordenamento do território, a educação, a formação para o emprego ou ainda a cultura passaram a ser competências comunitárias ou regionais [1]. Tais divisões são, no entanto, ricas em especificidades complexas e estão repletas de excepções...

Face a esta força centrífuga, a ausência de partidos nacionais [2] com cobertura em todo o país enfraqueceu inevitavelmente o Estado central.

Actualmente, o processo de regionalização parece responder mais a uma gestão imediata de crises políticas epidérmicas do que a perspectivas de longo prazo. Veja-se um exemplo recente: a diplomacia belga é nacional, mas o comércio das armas e munições tornou-se regional, em virtude de uma lei especial de 12 de Agosto de 2003. Apenas alguns meses mais tarde, enquanto a Bélgica investia diplomaticamente na África dos Grandes Lagos para encontrar uma saída pacífica para o conflito, a região da Valónia planeava conceder uma licença de exportações de armas para a Tanzânia, armas essas que teriam inevitavelmente alimentado o conflito do Congo!

A multiplicação dos centros de decisão cria fricções que, por via de um perverso jogo político, assumem feição comunitária. Reduzidos a uma gestão do ingerível, os responsáveis políticos defendem então a “harmonia das práticas” ou “acordos de cooperação”. O cidadão belga sente-se perdido nos mistérios comunitários e a palavra “refederalização” pousa discretamente nos lábios políticos. Não é verdade que a união faz a força?
[1] Para uma exposição exaustiva da divisão das competências entre o Estado belga e as suas componentes federais, ver http://www.crisp.be/Wallonie/fr/mode_emploi_fr.html e o portal federal www.belgium.be.
[2] Entre 1968 e 1978, as três formações políticas belgas clássicas (liberal, socialista e cristã) dividem-se para criar partidos comunitários.
Olivier Bailly, Michaël Sephiha
Le Monde diplomatique
http://infoalternativa.org/europa/e052.htm

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