Paradoxalmente, a comemoração, no passado dia 27 de Janeiro, do 60º aniversário da libertação pelo Exército Vermelho dos últimos prisioneiros de Auschwitz, mobilizou mais os governantes e os media do que a comemoração do 50º aniversário. Terá isso acontecido por haver hoje a consciência de que após o desaparecimento das derradeiras testemunhas da Shoah, e por isso da memória viva do horror, não existirá mais ninguém para certificar de viva voz coisas como estas: «Vi as câmaras de gás exterminar os judeus aos milhares, todos os dias, e os crematórios chegarem ao rubro por reduzirem tantos corpos a cinzas»? Ou ter-se‑á manifestado nisso a vontade de dar uma resposta firme e maciça ao aumento das violências anti-semitas, em França e em vários outros países europeus?
Desgraçadamente, de boas intenções está o inferno cheio. A cobertura mediática das cerimónias e a multiplicação – mais ainda do que nos aniversários do desembarque aliado na Normandia e da libertação de Paris – de programas especiais de rádio e televisão acabaram por provocar sentimentos contraditórios. Por um lado, uma irresistível empatia para com os derradeiros sobreviventes dos massacres nazis, frágeis silhuetas de octogenários embrulhados em mantas para resistir ao frio intenso de Birkenau; por outro lado, o amargor perante aquele “demasiado cheio e demasiado vazio” duma encenação hollywoodiana, cujos símbolos passaram por cima da mensagem... Como escreveu Jean Baudrillard, «a comemoração opõe-se à memória: faz-se em tempo real e, desse modo, o acontecimento torna-se cada vez menos real e histórico, cada vez mais irreal e mítico...» [1]
Nem os alunos do secundário escaparam a esse fenómeno. A historiadora Annette Wieviorka [2] explicou perfeitamente o «sentimento de saturação» então ocorrido: «Passam a vida a pregar lições de moral, e isso entedia os alunos. Se Auschwitz, em vez disso, for encarado como algo que continua a interrogar-nos, uma tal exasperação desaparece. É preciso deixar de substituir a reflexão pelo moralismo». Acrescentando: «Ficamos de consciência tranquila, quando deveríamos inquietar‑nos com o mundo que fizemos, um mundo onde muitos jovens vivem em condições deploráveis. Que significado têm as nossas lições sobre a República, a integração ou o anti‑racismo, quando eles se vêem obrigados a suportar a exclusão e as discriminações associadas às suas origens?» [3].
Reflectir, é esta de facto a grande questão. Ora, numa tal emulação dos canais televisivos, hertzianos e por cabo, onde o melhor andou de permeio com o pior, a emoção, globalmente, preponderou sobre a razão [4]. Que canais convidaram os historiadores a debater o assunto, atribuindo-lhes o tempo necessário? Quais foram os que situaram o genocídio na estratégia do Reich nazi? Quais os que evocaram as outras vítimas desse regime? Quais foram os que se interessaram pela resistência ao nazismo, até nos próprios campos da morte? Quais foram os que situaram o genocídio dos judeus na longa cadeia de genocídios que a história assinala, particularmente no século XX – antes e depois da Shoah, do Camboja ao Ruanda?
Presos aos seus hábitos, alguns comentadores, ao falarem do nazismo, reciclaram com abundância os adjectivos que bem revelam a sua recusa de compreender, referindo-o como “louco”, “incompreensível”, “ininteligível”... Claro que ninguém nega a vertigem que de nós se apodera ao pensarmos nos milhões de homens, mulheres e crianças aniquilados por terem nascido judeus. Mesmo quando o III Reich já fraquejava, sob os ataques do Exército Vermelho e dos anglo-americanos, os esbirros de Adolf Eichmann ainda continuavam a fazer rusgas, detendo, numa ilha grega ou num hospital psiquiátrico do gueto de Veneza, judeus destinados à deportação, sem falar dos húngaros mortos pelo gás no Verão de 1944, quando Paris já começava a respirar o ar da liberdade reconquistada.
Mas deverá essa vertigem impedir-nos de reflectir? Os homens podem compreender aquilo que os homens fizeram. Vítimas dum genocídio sem precedentes – porque, como escreve o historiador alemão Eberhard Jäckel, «nunca antes um Estado decidira e anunciara, sob a autoridade do seu responsável supremo, que um determinado grupo humano devia ser exterminado, se possível na sua totalidade (...), decisão essa que o referido Estado aplicou depois com todos os meios à sua disposição» [5] –, os judeus não foram os únicos alvos do genocídio nazi.
Com efeito, o III Reich, ao tornar-se dono e senhor de uma Alemanha esquecida aquando da “distribuição” das colónias, lançou-se, após a sua vitória fulminante a Oeste, numa cruzada contra o “bolchevismo judaico” destinada a conquistar o seu Lebensraum (espaço vital) na Europa Central e Oriental. O seu objectivo consistia, simultaneamente, em povoar essas terras com “alemães de origem” até então dispersos e em eliminar nesses territórios – por motivos demográficos e raciais – dezenas de milhões de Untermenschen, os sub‑homens judeus, ciganos, doentes mentais e deficientes, sem esquecer as elites eslavas da Polónia e da União Soviética... O caos assim provocado, em plena fuga para a frente na guerra, contribuiu amplamente para radicalizar o genocídio desde há muito desejado por Hitler. Estas são algumas das pistas, entre muitas outras, com base nas quais os historiadores – tanto israelitas como franceses ou alemães [6] –, apoiados em novos arquivos, continuam a procurar a verdade...
Principais vítimas do extermínio nazi, os judeus, naturalmente, cultivaram a sua própria memória, cuja legitimidade é evidente. Não só têm o direito de gravar para sempre o medonho apogeu das perseguições que ao longo dos séculos marcaram a sua existência na Europa, como isso é também o seu dever. No entanto, supondo que a memória judaica da Shoah possa afastar os perigos que a ameaçam, da instrumentalização à sacralização, a verdade é que por si só ela não poderá proteger-se do esquecimento, o qual representaria uma dupla tragédia: para as vítimas, que seriam assassinadas uma segunda vez; e para toda a humanidade, que esse martírio adverte contra aquilo de que os humanos são capazes. A lembrança do holocausto nazi só se inscreverá a longo prazo na memória colectiva quando a maioria das pessoas se apropriar dos seus ensinamentos. Longe das tiradas líricas ou dos discursos dogmáticos, é urgente associar unicidade e universalidade, ensinamentos judeus e universais.
«Se quisermos extrair uma “lição” do Holocausto», escreve o historiador britânico Ian Kershaw, autor de uma gigantesca biografia de Adolf Hitler [7], «creio ser indispensável admitirmos – embora reconhecendo o seu carácter único na História, no sentido em que não tem precedentes – que o nosso mundo não se encontra definitivamente ao abrigo de atrocidades semelhantes (...). Já não se trata de pretender “explicar” o Holocausto apenas pela história judaica ou pelas relações entre judeus e alemães, trata-se de tentar compreender a patologia dos Estados modernos, de nos interrogarmos a respeito da “civilização”, dessa ligeira camada de verniz que reveste as sociedades industriais avançadas» [8].
Se a rádio e a televisão tivessem falado dessas grandes questões aos alunos do ensino secundário, é bem provável que alguns não se tivessem comportado tão mal como dizem os professores, proferindo palavras escandalosas e manifestando comportamentos indecentes... Mas para isso teria sido necessário confrontá‑los, não apenas com os horrores do passado, mas também com as graves questões que o genocídio levanta no presente e para o futuro. O conflito de gerações não explica tudo, tal como o “elogio da juventude” não vale mais do que o “elogio da velhice”. Porém, como não nos espantarmos com a surpresa dos docentes perante o comportamento de alguns alunos levados a Auschwitz? Que reacções se poderiam esperar de jovens de 15 anos colocados, por vezes sem a menor preparação, face a face com a barbárie? A pedagogia, tal como a comemoração, alimenta‑se e renova-se com a história viva.
Segundo um excelente historiador, que infelizmente durante algum tempo de transformou num panfletário sob pseudónimo [9], uma espécie de acne anti-semita torna quase impossível o ensino do genocídio nazi. Mas esta visão simplista não resiste a uma investigação séria [10]. Em todo o caso, o lugar legítimo da Shoah nos programas escolares e nos media contrasta com a pouca importância atribuída aos sofrimentos dos povos colonizados, chegando isso por vezes a suscitar reacções inaceitáveis. Em vez de lhes replicarem com exclusões, porque não tentam os responsáveis fazer-se compreender pelos adolescentes, árabes e não árabes? Aquilo que a França fez na Argélia, de 1830 a 1962, não pode ser classificado como genocídio e não poderá ser comparado com a Shoah. Mas será ilícito sublinhar que tanto num caso como no outro o que acima de tudo está em causa é a ignóbil concepção da superioridade de uma raça relativamente às outras? Será escandaloso afirmar que o genocídio nazi diz respeito aos jovens árabes, tal como a Guerra da Argélia diz respeito aos jovens judeus? Obviamente, não; depressa o poderá verificar quem quer que se desloque regularmente aos bairros onde estes jovens vivem e dialogue com eles.
Perante os isolamentos comunitaristas, as manobras de divisão e as manipulações políticas, há apenas um caminho, escarpado mas seguro, por se alicerçar em valores universais: sair da tribo, subir ao cimo das escarpas e lutar ali em conjunto, contra o esquecimento, contra as violências anti-semitas e racistas. Haverá melhor maneira de comemorar a libertação de Auschwitz? Como se, dizia Jacques Derrida, «o “isso” de “isso nunca mais”» estivesse «não só perto de nós, mas à nossa frente»...
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[1] Libération, 17 de Fevereiro de 2005.
[2] Autora do excelente Auschwitz, soixante ans après, Robert Laffont, Paris, 2005.
[3] Le Monde, 26 de Janeiro de 2005.
[4] Sem esquecer a obscenidade, como, no dia 25 de Janeiro, este grande título do Le Figaro: “PPDA pousse les portes d’Auschwitz”... [“PPDA abre as portas de Auschwitz”; Patrick Poivre-d’Arvor é apresentador‑vedeta de um telejornal]
[5] Die Zeit, Hamburgo, 3 de Outubro de 1986.
[6] Ler Les historiens allemands relisent la Shoah, Complexe, Bruxelas, 2002.
[7] Cf. Dominique Vidal, Hitler et le nazisme, Le Monde diplomatique, Dezembro de 2000.
[8] Qu’est-ce que le nazisme? Problèmes et perspectives d’interprétation, Gallimard, col. Folio, Paris, 1997.
[9] Emmanuel Brenner, Les Territoires perdus de la République, Mille et une nuits, Paris, 2002.
[10] Cf. Benoît Falaise, Peut-on encore enseigner la Shoah? [ed. brasileira: Como ensinar o Holocausto hoje na França?],
Dominique Vidal
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/memoria/memoria006.htm
Desgraçadamente, de boas intenções está o inferno cheio. A cobertura mediática das cerimónias e a multiplicação – mais ainda do que nos aniversários do desembarque aliado na Normandia e da libertação de Paris – de programas especiais de rádio e televisão acabaram por provocar sentimentos contraditórios. Por um lado, uma irresistível empatia para com os derradeiros sobreviventes dos massacres nazis, frágeis silhuetas de octogenários embrulhados em mantas para resistir ao frio intenso de Birkenau; por outro lado, o amargor perante aquele “demasiado cheio e demasiado vazio” duma encenação hollywoodiana, cujos símbolos passaram por cima da mensagem... Como escreveu Jean Baudrillard, «a comemoração opõe-se à memória: faz-se em tempo real e, desse modo, o acontecimento torna-se cada vez menos real e histórico, cada vez mais irreal e mítico...» [1]
Nem os alunos do secundário escaparam a esse fenómeno. A historiadora Annette Wieviorka [2] explicou perfeitamente o «sentimento de saturação» então ocorrido: «Passam a vida a pregar lições de moral, e isso entedia os alunos. Se Auschwitz, em vez disso, for encarado como algo que continua a interrogar-nos, uma tal exasperação desaparece. É preciso deixar de substituir a reflexão pelo moralismo». Acrescentando: «Ficamos de consciência tranquila, quando deveríamos inquietar‑nos com o mundo que fizemos, um mundo onde muitos jovens vivem em condições deploráveis. Que significado têm as nossas lições sobre a República, a integração ou o anti‑racismo, quando eles se vêem obrigados a suportar a exclusão e as discriminações associadas às suas origens?» [3].
Reflectir, é esta de facto a grande questão. Ora, numa tal emulação dos canais televisivos, hertzianos e por cabo, onde o melhor andou de permeio com o pior, a emoção, globalmente, preponderou sobre a razão [4]. Que canais convidaram os historiadores a debater o assunto, atribuindo-lhes o tempo necessário? Quais foram os que situaram o genocídio na estratégia do Reich nazi? Quais os que evocaram as outras vítimas desse regime? Quais foram os que se interessaram pela resistência ao nazismo, até nos próprios campos da morte? Quais foram os que situaram o genocídio dos judeus na longa cadeia de genocídios que a história assinala, particularmente no século XX – antes e depois da Shoah, do Camboja ao Ruanda?
Presos aos seus hábitos, alguns comentadores, ao falarem do nazismo, reciclaram com abundância os adjectivos que bem revelam a sua recusa de compreender, referindo-o como “louco”, “incompreensível”, “ininteligível”... Claro que ninguém nega a vertigem que de nós se apodera ao pensarmos nos milhões de homens, mulheres e crianças aniquilados por terem nascido judeus. Mesmo quando o III Reich já fraquejava, sob os ataques do Exército Vermelho e dos anglo-americanos, os esbirros de Adolf Eichmann ainda continuavam a fazer rusgas, detendo, numa ilha grega ou num hospital psiquiátrico do gueto de Veneza, judeus destinados à deportação, sem falar dos húngaros mortos pelo gás no Verão de 1944, quando Paris já começava a respirar o ar da liberdade reconquistada.
Mas deverá essa vertigem impedir-nos de reflectir? Os homens podem compreender aquilo que os homens fizeram. Vítimas dum genocídio sem precedentes – porque, como escreve o historiador alemão Eberhard Jäckel, «nunca antes um Estado decidira e anunciara, sob a autoridade do seu responsável supremo, que um determinado grupo humano devia ser exterminado, se possível na sua totalidade (...), decisão essa que o referido Estado aplicou depois com todos os meios à sua disposição» [5] –, os judeus não foram os únicos alvos do genocídio nazi.
Com efeito, o III Reich, ao tornar-se dono e senhor de uma Alemanha esquecida aquando da “distribuição” das colónias, lançou-se, após a sua vitória fulminante a Oeste, numa cruzada contra o “bolchevismo judaico” destinada a conquistar o seu Lebensraum (espaço vital) na Europa Central e Oriental. O seu objectivo consistia, simultaneamente, em povoar essas terras com “alemães de origem” até então dispersos e em eliminar nesses territórios – por motivos demográficos e raciais – dezenas de milhões de Untermenschen, os sub‑homens judeus, ciganos, doentes mentais e deficientes, sem esquecer as elites eslavas da Polónia e da União Soviética... O caos assim provocado, em plena fuga para a frente na guerra, contribuiu amplamente para radicalizar o genocídio desde há muito desejado por Hitler. Estas são algumas das pistas, entre muitas outras, com base nas quais os historiadores – tanto israelitas como franceses ou alemães [6] –, apoiados em novos arquivos, continuam a procurar a verdade...
Principais vítimas do extermínio nazi, os judeus, naturalmente, cultivaram a sua própria memória, cuja legitimidade é evidente. Não só têm o direito de gravar para sempre o medonho apogeu das perseguições que ao longo dos séculos marcaram a sua existência na Europa, como isso é também o seu dever. No entanto, supondo que a memória judaica da Shoah possa afastar os perigos que a ameaçam, da instrumentalização à sacralização, a verdade é que por si só ela não poderá proteger-se do esquecimento, o qual representaria uma dupla tragédia: para as vítimas, que seriam assassinadas uma segunda vez; e para toda a humanidade, que esse martírio adverte contra aquilo de que os humanos são capazes. A lembrança do holocausto nazi só se inscreverá a longo prazo na memória colectiva quando a maioria das pessoas se apropriar dos seus ensinamentos. Longe das tiradas líricas ou dos discursos dogmáticos, é urgente associar unicidade e universalidade, ensinamentos judeus e universais.
«Se quisermos extrair uma “lição” do Holocausto», escreve o historiador britânico Ian Kershaw, autor de uma gigantesca biografia de Adolf Hitler [7], «creio ser indispensável admitirmos – embora reconhecendo o seu carácter único na História, no sentido em que não tem precedentes – que o nosso mundo não se encontra definitivamente ao abrigo de atrocidades semelhantes (...). Já não se trata de pretender “explicar” o Holocausto apenas pela história judaica ou pelas relações entre judeus e alemães, trata-se de tentar compreender a patologia dos Estados modernos, de nos interrogarmos a respeito da “civilização”, dessa ligeira camada de verniz que reveste as sociedades industriais avançadas» [8].
Se a rádio e a televisão tivessem falado dessas grandes questões aos alunos do ensino secundário, é bem provável que alguns não se tivessem comportado tão mal como dizem os professores, proferindo palavras escandalosas e manifestando comportamentos indecentes... Mas para isso teria sido necessário confrontá‑los, não apenas com os horrores do passado, mas também com as graves questões que o genocídio levanta no presente e para o futuro. O conflito de gerações não explica tudo, tal como o “elogio da juventude” não vale mais do que o “elogio da velhice”. Porém, como não nos espantarmos com a surpresa dos docentes perante o comportamento de alguns alunos levados a Auschwitz? Que reacções se poderiam esperar de jovens de 15 anos colocados, por vezes sem a menor preparação, face a face com a barbárie? A pedagogia, tal como a comemoração, alimenta‑se e renova-se com a história viva.
Segundo um excelente historiador, que infelizmente durante algum tempo de transformou num panfletário sob pseudónimo [9], uma espécie de acne anti-semita torna quase impossível o ensino do genocídio nazi. Mas esta visão simplista não resiste a uma investigação séria [10]. Em todo o caso, o lugar legítimo da Shoah nos programas escolares e nos media contrasta com a pouca importância atribuída aos sofrimentos dos povos colonizados, chegando isso por vezes a suscitar reacções inaceitáveis. Em vez de lhes replicarem com exclusões, porque não tentam os responsáveis fazer-se compreender pelos adolescentes, árabes e não árabes? Aquilo que a França fez na Argélia, de 1830 a 1962, não pode ser classificado como genocídio e não poderá ser comparado com a Shoah. Mas será ilícito sublinhar que tanto num caso como no outro o que acima de tudo está em causa é a ignóbil concepção da superioridade de uma raça relativamente às outras? Será escandaloso afirmar que o genocídio nazi diz respeito aos jovens árabes, tal como a Guerra da Argélia diz respeito aos jovens judeus? Obviamente, não; depressa o poderá verificar quem quer que se desloque regularmente aos bairros onde estes jovens vivem e dialogue com eles.
Perante os isolamentos comunitaristas, as manobras de divisão e as manipulações políticas, há apenas um caminho, escarpado mas seguro, por se alicerçar em valores universais: sair da tribo, subir ao cimo das escarpas e lutar ali em conjunto, contra o esquecimento, contra as violências anti-semitas e racistas. Haverá melhor maneira de comemorar a libertação de Auschwitz? Como se, dizia Jacques Derrida, «o “isso” de “isso nunca mais”» estivesse «não só perto de nós, mas à nossa frente»...
______
[1] Libération, 17 de Fevereiro de 2005.
[2] Autora do excelente Auschwitz, soixante ans après, Robert Laffont, Paris, 2005.
[3] Le Monde, 26 de Janeiro de 2005.
[4] Sem esquecer a obscenidade, como, no dia 25 de Janeiro, este grande título do Le Figaro: “PPDA pousse les portes d’Auschwitz”... [“PPDA abre as portas de Auschwitz”; Patrick Poivre-d’Arvor é apresentador‑vedeta de um telejornal]
[5] Die Zeit, Hamburgo, 3 de Outubro de 1986.
[6] Ler Les historiens allemands relisent la Shoah, Complexe, Bruxelas, 2002.
[7] Cf. Dominique Vidal, Hitler et le nazisme, Le Monde diplomatique, Dezembro de 2000.
[8] Qu’est-ce que le nazisme? Problèmes et perspectives d’interprétation, Gallimard, col. Folio, Paris, 1997.
[9] Emmanuel Brenner, Les Territoires perdus de la République, Mille et une nuits, Paris, 2002.
[10] Cf. Benoît Falaise, Peut-on encore enseigner la Shoah? [ed. brasileira: Como ensinar o Holocausto hoje na França?],
Dominique Vidal
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/memoria/memoria006.htm
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