Quando se passa os olhos um pouco mais do que superficialmente pelas obras que abordam o estatuto sócio-profissional dos professores no século XX (António Nóvoa, Áurea Adão, João Barroso, etc), verifica-se uma quase completa unanimidade quanto à caracterização da estratégia desenvolvida pelo Estado Novo desde os anos 30 em relação à docência, e em particular à primária.
Essa estratégia passou pelo esvaziamento académico de grande parte da sua formação inicial (chegaram a estar fechadas 6 anos as Escolas Normais, depois chamadas do Magistério Primário, até serem reformulados os seus planos de estudos), pelo controle ideológico do exercício da função e pela proletarização da classe em termos de remuneração. A contrapartida era um investimento simbólico da retórica salazarista na figura do(a) professor(a), mas a verdade é que os docentes, com excepção dos “titulares” (lá encontramos esse termo malandro) de cadeiras do Ensino Liceal, viram fortemente condicionada a sua remuneração material, sempre em nome da ditadura orçamental e do interesse da Nação.
Por estranho que isso pareça, setenta anos depois, verificamos um movimento do poder político em relação à classe docente, agora como um todo para o ensino não-superior, que tem traços estranhamente (atendendo à diversidade de regimes políticos) semelhantes aos dos primórdios do salazarismo.
Muitas das propostas recentes do Ministério da Educação, apesar de recobertas com o manto do discurso meritocrático e alguns laivos de liberalismo, mais não passam do que formas bastante firmes de controle do acesso à profissão (a ideia das “Provas Públicas” tem uma origem histórica no mesmo período), de limitação da autonomia do seu exercício (há medidas draconianas em termos de redução de direitos onde os paralelismos ultrapassam as coincidências), de um exacerbado centralismo ministerial (a estratégia de contacto directo com os CE’s, sem mediações, é o contrário de uma descentralização) e, por fim mas não por último, de uma investida contra as condições salariais da docência.
Se o corte abrupto do acesso às duas categorias melhor remuneradas da carreira não bastasse, a tentativa de criar a sensação de um excesso de professores que é necessária requalificar e alocar a outras funções também envereda pelo mesmo caminho. Mas o que parece mais chocante é que num cenário que se afirma de excesso de docentes integrados na carreira, se considere necessário abrir a porta para a entrada na função, que não na carreira, de novos docentes para suprimento de carências de diversos tipos com base em vínculos laborais dos mais precários e daqueles que o Estado levou anos a dizer que queria erradicar da Função Pública.
Pois é, os famosos “recibos verdes” parecem estar de volta, com a chancela do ME, para serem aplicados a um lumpenproletariat docente, que assim se vê perfeitamente vulnerabilizado e proletarizado, caso queira ter um lugar de substituição de uma docente grávida, de um docente com uma doença prolongada ou que se ache útil para um qualquer projecto escolar considerado prioritário pelos órgãos de gestão das escolas.
Não deixa de ser curioso que num momento em que se arvora o mérito como argumento, se admita a possibilidade do recrutamento ad hoc, sem qualquer critério objectivo, e que quando se afirma que a estabilidade do corpo docente é um factor essencial para o sucesso dos projectos educativos das escolas se admita que parte do pessoal seja contratado entre aqueles que estão fora da carreira e assim ficarão, enquanto meros “prestadores de serviços”.
Eu percebo os argumentos da chamada “agilização” dos procedimentos para conseguir rapidamente um professor substituto para uma situação de carência ou alguém que possa assegurar um lugar para o qual não existem quadros nas escolas. Não é isso que está em causa.
O que está em causa é que os procedimentos previstos, pela sua precariedade, só serão atractivos mesmo para quem não tenha mesmo mais nenhuma alternativa profissional. Para além de ser mais do que óbvio que se pretende obter mão-de-obra barata e sem perspectivas de qualquer progressão.
E esta é uma estratégia de proletarização do trabalho docente como não se via por estas bandas lusas deste o tempo do outro senhor que também gostava muito de equilibrar orçamentos e falar no interesse de Portugal acima dos interesses individuais, como se o interesse nacional fosse uma abstracção, ou algo monopolizado apenas pelas elites no poder, e não o conjunto coerente de todos os interesses individuais dos cidadãos.
A tutela clama contra o clima de desconfiança com que são recebidas actualmente todas as propostas que apresenta. Mas, vamos lá ser sérios e olhar para o passado recente, que capital de confiança dispõe actualmente o Ministério perante a generalidade dos docentes e dos seus representantes?
http://educar.wordpress.com/
Essa estratégia passou pelo esvaziamento académico de grande parte da sua formação inicial (chegaram a estar fechadas 6 anos as Escolas Normais, depois chamadas do Magistério Primário, até serem reformulados os seus planos de estudos), pelo controle ideológico do exercício da função e pela proletarização da classe em termos de remuneração. A contrapartida era um investimento simbólico da retórica salazarista na figura do(a) professor(a), mas a verdade é que os docentes, com excepção dos “titulares” (lá encontramos esse termo malandro) de cadeiras do Ensino Liceal, viram fortemente condicionada a sua remuneração material, sempre em nome da ditadura orçamental e do interesse da Nação.
Por estranho que isso pareça, setenta anos depois, verificamos um movimento do poder político em relação à classe docente, agora como um todo para o ensino não-superior, que tem traços estranhamente (atendendo à diversidade de regimes políticos) semelhantes aos dos primórdios do salazarismo.
Muitas das propostas recentes do Ministério da Educação, apesar de recobertas com o manto do discurso meritocrático e alguns laivos de liberalismo, mais não passam do que formas bastante firmes de controle do acesso à profissão (a ideia das “Provas Públicas” tem uma origem histórica no mesmo período), de limitação da autonomia do seu exercício (há medidas draconianas em termos de redução de direitos onde os paralelismos ultrapassam as coincidências), de um exacerbado centralismo ministerial (a estratégia de contacto directo com os CE’s, sem mediações, é o contrário de uma descentralização) e, por fim mas não por último, de uma investida contra as condições salariais da docência.
Se o corte abrupto do acesso às duas categorias melhor remuneradas da carreira não bastasse, a tentativa de criar a sensação de um excesso de professores que é necessária requalificar e alocar a outras funções também envereda pelo mesmo caminho. Mas o que parece mais chocante é que num cenário que se afirma de excesso de docentes integrados na carreira, se considere necessário abrir a porta para a entrada na função, que não na carreira, de novos docentes para suprimento de carências de diversos tipos com base em vínculos laborais dos mais precários e daqueles que o Estado levou anos a dizer que queria erradicar da Função Pública.
Pois é, os famosos “recibos verdes” parecem estar de volta, com a chancela do ME, para serem aplicados a um lumpenproletariat docente, que assim se vê perfeitamente vulnerabilizado e proletarizado, caso queira ter um lugar de substituição de uma docente grávida, de um docente com uma doença prolongada ou que se ache útil para um qualquer projecto escolar considerado prioritário pelos órgãos de gestão das escolas.
Não deixa de ser curioso que num momento em que se arvora o mérito como argumento, se admita a possibilidade do recrutamento ad hoc, sem qualquer critério objectivo, e que quando se afirma que a estabilidade do corpo docente é um factor essencial para o sucesso dos projectos educativos das escolas se admita que parte do pessoal seja contratado entre aqueles que estão fora da carreira e assim ficarão, enquanto meros “prestadores de serviços”.
Eu percebo os argumentos da chamada “agilização” dos procedimentos para conseguir rapidamente um professor substituto para uma situação de carência ou alguém que possa assegurar um lugar para o qual não existem quadros nas escolas. Não é isso que está em causa.
O que está em causa é que os procedimentos previstos, pela sua precariedade, só serão atractivos mesmo para quem não tenha mesmo mais nenhuma alternativa profissional. Para além de ser mais do que óbvio que se pretende obter mão-de-obra barata e sem perspectivas de qualquer progressão.
E esta é uma estratégia de proletarização do trabalho docente como não se via por estas bandas lusas deste o tempo do outro senhor que também gostava muito de equilibrar orçamentos e falar no interesse de Portugal acima dos interesses individuais, como se o interesse nacional fosse uma abstracção, ou algo monopolizado apenas pelas elites no poder, e não o conjunto coerente de todos os interesses individuais dos cidadãos.
A tutela clama contra o clima de desconfiança com que são recebidas actualmente todas as propostas que apresenta. Mas, vamos lá ser sérios e olhar para o passado recente, que capital de confiança dispõe actualmente o Ministério perante a generalidade dos docentes e dos seus representantes?
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