segunda-feira, dezembro 04, 2006

Eleições: debate pendente

Quando faltam poucos dias para o encontro eleitoral de 3 de Dezembro, tudo faz pensar que, a não ser que se produza um milagre, o presidente Hugo Chávez será reeleito com ampla vantagem sobre o seu adversário Manuel Rosales, actual governador do estado petroleiro de Zulia. Seria a primeira vez que um presidente na Venezuela seria reeleito de modo imediato, com o que Chávez teria por diante outros 6 anos de governo que, somados aos 8 que tem no poder, lhe poderiam permitir consolidar “o projecto e o processo bolivariano”.

AS SONDAGENS QUE SE QUISERAM PÔR EM GUERRA

Ainda que parte da estratégia dos meios de informação tenha sido declarar uma guerra de sondagens, o facto é que tal guerra não existiu. Desde bem iniciada a campanha, a maioria das empresas de sondagens nacionais e internacionais deu como vencedor das eleições de Dezembro o Presidente Chávez, deixando clara constância da sua popularidade, da intenção de voto e das percepciones de triunfo do presidente-candidato.

Alguns sondagens dão até uma margem de 20 pontos de diferença, ao candidato à reeleição presidencial, em relação ao seu mais próximo competidor, Manuel Rosales, o candidato que tem aglutinado a maioria dos partidos e agrupamentos políticos da oposição.

Uma das mais recentes, da firma norte-americana Zogby outorga a Chávez 60% dos votos no próximo dia 3 de Dezembro, enquanto dá a Rosales 31%. A metodologia deste estudo, realizado para a Universidade de Miami, tem uma margem de +/–3,5% de erro com base em 800 prováveis eleitores. Esta firma tinha realizado um mês antes, em Outubro, um estudo sobre as preferências eleitorais, no qual obteve como resultado 58% a favor de Chávez e 24% a favor de Rosales.

Igualmente, a empresas de sondagens AP-Ipsos, que realizou o estudo para a agência norte­‑americana Associated Press (AP), dá Chávez como vencedor com 59%, enquanto Rosales obteria 27%. Estes resultados foram com base em 2 mil 500 entrevistas porta a porta com uma margem de +/–2% de erro dos eleitores registados e +/–3 %.

Um grupo de professores da Universidade Complutense de Madrid consideram que é pouco provável que se modifiquem os 20 pontos de vantagem que o candidato Chávez mantém sobre Rosales. Em conferência de imprensa, a investigadora da Universidade Complutense de Madrid Carolina Bescansa informou que, com base na sondagem realizada entre 10 e 16 de Novembro, estimam que 59,7% dos venezuelanos votará por Chávez, enquanto 39,6% fá-lo-á por Rosales.

Firmas de reconhecida trajectória a favor da oposição mostram nas suas sondagens Hugo Chávez como vencedor. Entre elas destacam­‑se Datanálisis (Chávez 52,5 % – Rosales 25,5 %) e Penn, Schoen e Berland (Chávez 48% – Rosales 42%).

No referendo revogatório de 2004 na Venezuela, a empresa de sondagens estadunidense Penn, Schoen e Berland anunciou resultados fraudulentos à boca das urnas (exit poll) e apoiou a oposição na alegação de manipulação do voto, apesar da certificação da eleição por parte de Jimmy Carter, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia.

Apenas duas empresas de sondagens pretendem dar um empate técnico, ainda que dêem Chávez como vencedor. É o caso de Alfredo Keller e Associados (AKSA) (Chávez 52% – Rosales 48%) e do Observatório Hannah Arendt (Chávez 51% – Rosales 49%).

A credibilidade destas duas empresas está claramente comprometida com a campanha de Manuel Rosales. AKSA tem entre os seus clientes a Radio Caracas Televisión, Veneconomía, Fundação Konrad Adenauer, entre outras que se mostraram contrárias à Revolução Bolivariana e participaram na sabotagem petroleira de 2002. Enquanto o directório do Observatório Hannah Arendt é composto por activistas opositores como Heinz Sonntag, Elías Pino Iturrieta e Manuel Caballero, entre outros.

A única empresa de sondagens que dá como ganhador Manuel Rosales com 41% é a firma Cifras Online/Encuestadora CECA, outorgando a Chávez 39 %. O director da empresa CECA, Víctor Manuel García, na manhã do 12 de Abril de 2002 revelou à audiência do canal de televisão Venevisión, em entrevista com Napoleón Bravo, que tinha participado na preparação do golpe de Estado que se tinha perpetrado no dia anterior na Venezuela.

Estes resultados são estudos realizados no mês de Novembro de 2006 e revelam uma clara tendência favorável ao candidato Hugo Chávez, a tão só poucas horas de vencer o prazo para a publicação de sondagens eleitorais, segundo o regulamento do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela.

Há uma evidente polarização nas eleições presidenciais, por isso as pessoas só reconhecem dois candidatos: o presidente Chávez e Manuel Rosales. Nenhum outro dos vinte e tantos candidatos presidenciais conta. Ao rever o boletim eleitoral, a maior parte dos 88 partidos inscritos têm as figuras destes dois candidatos.

Para Oscar Schémel, director de outra empresa de sondagens, os venezuelanos atravessam uma espécie de adolescência política, na qual começam a amadurecer. O especialista opina que Manuel Rosales e Hugo Chávez não poderão subir os seus níveis de preferências. No entanto, até ao momento o Presidente tem mais vantagem na tarefa de seduzir o adolescente inconformista do eleitorado venezuelano.

A CAMPANHA DO PRESIDENTE-CANDIDATO

Depois de muito tempo investido na política internacional no princípio da campanha, o presidente Chávez teve que assumir mais decididamente o trabalho eleitoral percorrendo várias vezes o país para entrar em contacto directo com os seus seguidores.

Nesse lapso, a constante na sua campanha foi identificar e personificar como seu adversário o presidente norte­‑americano Bush e a sua política imperialista, mal denominando os adversários nacionais como lacaios daquele. Na segunda parte da campanha, introduziu uma variante ao vestir-se de azul e impregnar de amor a sua mensagem. Isto, que foi duramente criticado pela oposição, tornou­‑se num bálsamo ante o discurso vermelho radical, que possivelmente o fez ganhar terreno em sectores da classe média. Ao mesmo tempo, o presidente candidato, consciente da sua vantagem, negou-se a debater com o «aspirante a meia­ leca [frijolito]», como denominou o adversário.

O Presidente Chávez soube administrar os benefícios das missões, que contribuíram de forma decisiva para que Chávez ganhasse o referendo. Segundo Schémel, «…algumas pessoas já começaram a reinterpretá­‑las. Consideram que são boas, mas não funcionam por causa da corrupção e da falta de eficiência. Aliviam a pobreza, mas não tiram as pessoas dela; preferem um bom trabalho».

No entanto, em termos sociais, é indubitável que jogam a favor do Presidente-candidato: a democratização da renda e o aumento do investimento social para a maioria do povo. Só que nos devemos interrogar sobre a sustentabilidade deste investimento que é a longo prazo e que não suportaria uma descida brusca nos preços do petróleo. É indubitável a penetração e os benefícios das missões sociais educativas, de saúde, trabalho, alimentação, etc.; também se pode comprovar, com as recentes inaugurações, o alto investimento em infra­‑estrutura, transporte, vias, habitação, etc. que procuram cobrir a imensa dívida social acumulada, mas ao mesmo tempo seria preciso questionar as novas formas de clientelismo que poderiam estar a gerar­‑se, já que se estão a gerar protestos em todo o país de pessoas ainda excluídas de programas, tais como de habitação. Milhões de cidadãos venezuelanos foram alfabetizados, atendidos ou beneficiados por programas de saúde, habitação, formação laboral, microcrédito, etc., mas a diminuição da pobreza ainda é tímida, porque se trata de um tema estrutural e não se está a mudar substancialmente o modelo capitalista que predomina na economia venezuelana e que na conjuntura recente está longe de gerar emprego produtivo. O salário mínimo e o poder aquisitivo dos sectores D e E da população aumentou de modo espectacular, produto de múltiplos subsídios, e ao mesmo tempo pode-se comprovar que isso mal chega para a subsistência e gastos supérfluos (como demonstram estudos de consumo de bens não essenciais).

Mesmo quando contou com a vantagem de uma obra de governo que se nota à vista desarmada em termos dos altos investimentos realizados e da ampla cobertura dos programas executados e em marcha, no encerramento da campanha recentemente em Caracas o Presidente-candidato fez um apelo a não cair no triunfalismo, pelo que declarou que «vamos ganhar mas ainda não ganhámos», convidando os presentes dos batalhões, esquadras e pelotões que conformam a organização eleitoral dos militantes a redobrar os seus esforços.

A CAMPANHA DA OPOSIÇÃO UNIFICADA

Depois de um processo de luta interessante entre grupos de pressão da “sociedade civil”, os três pré­‑candidatos: Teodoro Petkoff, Julio Borges e Manuel Rosales, tomaram as rédeas da oposição e mediante estudos realizados determinaram que o candidato ideal era Manuel Rosales, que logo que obteve o aval do Conselho Nacional Eleitoral para se separar do Governação do rico estado Zulia, e assegurar­‑se de não perder o cargo, dispôs­‑se a realizar uma árdua tarefa: unificar a oposição, bem como isolar e diminuir a força dos abstencionistas.

Para tal fim, a estratégia eleitoral foi bastante original. Promete conservar tudo o que há de bom do governo de Chávez e melhorá­‑lo. Mas a isto acrescenta uma proposta qualificada de demagógica que consiste em depositar directamente na conta de cada lar venezuelano pobre uma significativa soma de dinheiro fruto dos ingressos petrolíferos, mediante um cartão de débito denominado “Mi Negra”. Esta proposta segue os passos daqueles anos 90 onde os pobres poderiam dispor de vales em dinheiro efectivo para decidir pelas diferentes ofertas de serviços educativos, de saúde, etc.

No caminho, foram-se esquecendo as exigências de condições para a eleição e foram desaparecendo as expectativas de que ocorresse uma retirada tal como nas eleições parlamentares do ano passado. Em geral, diminuíram as posturas extremistas da oposição e até agrupamentos como o “Comando da Resistência” se juntaram à convocação eleitoral.

Desde cedo, o discurso do candidato opositor foi “Vamos ganhar e vamos cobrar…”, não deixando dúvidas dos objectivos finais que tem, mesmo quando fala de governar para os 26 milhões de venezuelanos, de unificar o país e de não passar facturas a nenhum sector.

A novidade do período foi a rápida recuperação da oposição, graças a uma estratégia inteligente de autoproclamar uma candidatura unitária que conseguiu recuperar a mobilização de rua daqueles que se têm oposto ao governo todos estes anos, e com isso recuperar quase totalmente o capital político que possuía em 2004 no momento do referendo revogatório presidencial que posteriormente foi dilapidado pela campanha abstencionista.

Isto é considerado um saldo muito positivo e de legitimidade para o processo, já que nas últimas semanas é incrível observar inusitados apelos a votar por parte da oposição. Já não se pensa na fraude, na vulnerabilidade do segredo do voto ou nas dúvidas sobre as máquinas de votação.

POUCO DEBATE OU O MARKETING ELEITORAL EM JOGO

O período da campanha esteve marcado por um debate de pouca profundidade. Começando por não se ter produzido um reconhecimento do adversário. Para Chávez, o inimigo a vencer é Bush e o Império, e o triunfalismo é um risco; Manuel Rosales é um dos vinte candidatos. O Presidente Chávez recorreu a mostrar­‑se no papel de Presidente com inaugurações por todo o lado e no papel de candidato promovendo as marés vermelhas, com uma evidente vantagem nos meios de comunicação do Estado. Rosales devolveu os golpes com certeza – 26 milhões, questionar o «presentear» de recursos a outros países, o cartão Mi Negra para outorgar a cada venezuelano entre 600 mil e um milhão de bolívares mensais – mas não se atreveu a questionar directamente Chávez.

O director de Hinterlaces, Oscar Schémel, assegura que grande parte da população recusa o cartão prometido por Manuel Rosales para distribuir a riqueza petrolífera. Os estudos qualitativos da empresa advertem que a maioria dos venezuelanos prefere empregos estáveis e uma economia moderna em vez de medidas assistencialistas. Neste sentido, sustenta que, com esta análise, o país dá os primeiros passos para uma maturidade política.

No entanto, não houve espaço para tornar visível e aproveitar tal maturidade política. Não houve debates em torno de modelos económicos, políticas sociais para além de missões e programas compensatórios. Revendo a oferta de Rosales, salvo a política económica e algumas pinceladas, o resto do programa de governo parece­‑se muito à gestão actual. De facto, Rosales manteve programas similares aos nacionais na governação do estado Zulia. Só em algumas ocasiões despontou a luta ideológica que situa a eleição de Dezembro entre Capitalismo e Socialismo. Mas ambas acabam presas e cativadas pelo refrão “Uh Ah Chávez no se va” e “Atrévete”, respectivamente. Por momentos, foi reeditada a campanha de 1998, quando a luta se colocava como contra o diabo (Chávez). Oito anos depois, as forças opositoras continuam a considerar o mesmo inimigo, só que agora é tão ou mais vermelho que antes. É previsível que a relação de forças possa voltar ao 60/40 do referendo. 60% será o patamar provável de Chávez. 40% pode ser o tecto de Rosales.

O DEBATE CONTINUA PENDENTE DEPOIS DAS ELEIÇÕES

Com novos elementos na frente internacional, como a vitória de Correa no Equador, o avanço das reformas na Bolívia, a incerteza em Cuba, a segura reeleição dos presidentes no MERCOSUL e novos cenário na América Central, o processo bolivariano parece contar com uma possibilidade de se consolidar internamente e continuar a contar com um apoio externo.

O maior repto pendente de avançar serão as definições e praxis do “Socialismo do Século XXI”. Questões tais como o partido único [1] ou a democratização das organizações políticas existentes (incluídas as opositoras); o modelo económico de desenvolvimento endógeno que de modo incipiente se começa a erguer e as insuficiências da economia social como parte desse modelo.

O aspecto económico é particularmente importante. A conjuntura pode apontar para um “filme já visto”. Os indicadores macro­‑económicos expressam um retorno à “bonança petrolífera” dos anos 70 e 80. O elevado crescimento económico (PIB), as elevadas reservas internacionais, o excesso de liquidez, a diminuição do desemprego, o aumento desmedido do consumo e das importações, etc., assinala-nos um quadro aparentemente positivo, mas que ao mesmo tempo tem a sua outra face da moeda: altos preços (inflação) e escassez (apesar do controle de câmbios e do controle de preços) todas figuras já conhecidas pela sociedade venezuelana, concomitantes com elevados níveis de endividamento interno. Como também é conhecida a fragilidade deste modelo mono-produtor que aprofunda a dependência de um recurso e seu contributo fiscal. O resto é pago pelos próprios cidadãos através dos impostos, que mantiveram o seu peso no orçamento nacional. Em todo o caso, estão a avançar projecções que nos recordam “A Grande Venezuela” com toda a sua carga de obras e sonhos que geraram atrás de si pobreza e corrupção.

Finalmente, para comentar sobre os movimentos sociais. Podemos observar o incremento da participação cidadã por todos os rincões do país, alentada pela mão do Estado/Governo que cada vez é mais longa e poderosa. Isto é, conquanto proliferam por toda a parte os comités de terra, as mesas técnicas de água, os comités de saúde, as mesas de energia, e agora os conselhos comunais, todas estas iniciativas estão de uma forma ou de outra subordinadas a entes governamentais/estatais ou respondem a um programa da administração pública. Isto faz­‑nos interrogar sobre a real capacidade de incidência política e sobre a autonomia destes “novos movimentos sociais” que, de facto, expressam uma institucionalização da participação e dos movimentos sociais, como já vinha a ocorrer com o movimento de mulheres, por exemplo, mas que já atinge sectores indígenas e juvenis, entre outros. Em sectores como o sindical, os problemas internos como divisões e personalismos impedem maiores controles. É muito pobre e muito reduzido o debate que se produz no interior destas organizações e o alinhamento directo com as políticas governamentais encobre o problema de fundo da sociedade venezuelana: desarticulação e pouco desenvolvimento do tecido social, incluídas organizações políticas que façam a intermediação entre o Estado e a Sociedade, tendo as organizações populares que substituir os partidos para se poder atingir os objectivos do governo.

Mas ao mesmo tempo, muitos dos debates a partir das organizações de base e nos movimentos sociais foram pospostos devido à ofensiva de sectores da direita opositora para derrocar o processo bolivariano, especialmente no que se refere à participação protagonista. Segundo Marta Harnecker, «Tudo indica que, à medida que a chamada revolução bolivariana se consolide, a contradição entre centralização e participação ir­‑se-á acentuando. A conjuntura pós­‑eleitoral parece favorável à ampliação desses debates que, quase inevitavelmente, chocarão com funcionários governamentais inclinados a tomar decisões a partir de cima».

[1] O autor refere­‑se aqui ao debate em curso sobre a formação de um partido reunindo as várias forças que apoiam Chávez (n. IA).
Julio Fermín
ALAI
http://www.infoalternativa.org/amlatina/venezuela055.htm

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