A produção de biocombustíveis a nível mundial, e em particular por Portugal, está em franco crescimento. Sendo o sector dos transportes, nomeadamente na componente rodoviária, um dos principais responsáveis pelo aumento das emissões de CO2 (com impacte ao nível das alterações climáticas) e pela dependência energética dos países ao petróleo (cujos preços tendem a manter-se elevados), os biocombustíveis têm-se tornado cada vez mais atraentes. No entanto, a corrida a este tipo de substituto dos combustíveis fósseis a partir de culturas energéticas está a levar a graves impactes ambientais, sobretudo nos países mais pobres, e os seus propagandeados benefícios são no mínimo duvidosos.
Nos EUA, Bush aposta fortemente nos biocombustíveis para fazer face à dependência do petróleo e como mecanismo de combate às alterações climáticas. Na UE, foi lançada em 2003 uma Directiva (2003/30/CE, de 8 de Maio) para promover o uso de biocombustíveis nos transportes, propondo que cada estado membro substitua 5,75% do combustível convencional em 2010, 8% em 2015 e 20% em 2020 (o que representa um esforço significativo, tendo em conta a situação actual de cerca 1,5%). Foi também aprovada em 2003 uma outra Directiva (2003/96/CE, de 27 de Outubro) que permite a cada estado membro estabelecer isenções e reduções fiscais nos produtos energéticos, como sejam os biocombustíveis.
Embora existam diferentes tipos de biocombustíveis, os mais comuns são o biodiesel e o bioetanol. Os primeiros são produzidos a partir de oleaginosas (como o girassol, soja, colza, palma, ...), enquanto que os segundos são produzidos a partir de cereais (como o milho e o trigo), beterraba sacarina e biomassa florestal. Dependendo das opções, os impactes globais deste tipo de energia podem ser alarmantes: não só as emissões com origem na produção de energia e na agricultura podem aumentar, como a produção de culturas energéticas para biocombustíveis pode ter incidências na biodiversidade das terras agrícolas.
Por um lado, são necessárias grandes áreas de superfície agrícola útil para a produção deste tipo de culturas energéticas. Por exemplo, estudos indicam que as culturas energéticas teriam de ocupar entre 4% e 13% do total da superfície agrícola da UE a 25 para se atingir a meta de 5,75% em 2010 (ocupando incultos e substituindo produção alimentar). Este é um dos motivos pelo qual se assiste ao crescimento industrial do cultivo para biocombustíveis nos países mais pobres, onde é dito que existe muito solo livre, condições climáticas melhores e mão-de-obra mais barata, tornando este mercado mais rentável. A possibilidade de obtenção de créditos de carbono, transaccionáveis no comércio de emissões, é um factor adicional.
Um relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEE), de 2004, alerta que na UE «a eventual reconversão de terrenos de agricultura extensiva para culturas energéticas ou cultivo intensivo de alimentos para dar resposta ao aumento da procura de terras acarretará uma perda de biodiversidade». Isto é o que se vem assistindo nos países mais pobres, em que a pressão adicional sobre o solo por parte das culturas energéticas acarreta uma maior desflorestação, com uma maior aceleração do aquecimento global e da extinção de espécies, provocando simultaneamente aumentos nos preços dos alimentos em todo o mundo (o que coloca problemas ao nível da segurança alimentar, sobretudo dos países mais pobres). E é aqui que surge a indústria dos transgénicos, a apostar fortemente nas culturas energéticas (esperando menores regulamentações e maior aceitação pública, já que não servem para alimentos), agravando a exposição dos ecossistemas e culturas alimentares à contaminação e querendo controlar e dominar este mercado.
Por outro lado, as culturas energéticas só são rentáveis em sistemas intensivos, devido às economias de escala, consumindo elevadas quantidades de água, fertilizantes e fitofármacos e, também, de energia (o que levanta dúvidas sobre o seu contributo para o desenvolvimento rural). Além de contribuírem para a perda de fertilidade do solo, a sua contaminação e dos aquíferos, entre outros, estudos estimam que o balanço energético do ciclo de vida dos biocombustíveis é pequeno ou mesmo negativo. Ou seja, se todos os custos forem contabilizados (o que nem sempre acontece), conclui-se que a energia do biocombustível é menor do que o total da energia gasta em produzi-lo: isto põe por terra o discurso da neutralidade dos biocombustíveis quanto às emissões de carbono.
O mesmo relatório da AEE indica que a «conversão das culturas (biomassa) em biocombustíveis para os transportes gera menores economias e reduções de gases com efeito de estufa do que outras utilizações energéticas», desencorajando a reconversão de terras para este tipo de culturas, bem como que se «as terras de pousio de longa duração forem utilizadas para a produção de culturas energéticas ou a produção intensiva de alimentos para satisfazer a procura acrescida de terras, as grandes quantidades de CO2 que serão emitidas serão suficientes, possivelmente, para anular por muitos anos os benefícios em termos de redução das emissões de CO2 decorrentes da mudança para os biocombustíveis».
Outros estudos indicam ainda que «o biodiesel provoca mais problemas de saúde e ambientais porque cria uma poluição mais pulverizada, liberta mais poluentes que promovem a formação de ozono, geram mais desperdício e provocam maior eutroficação», bem como que a queima do bioetanol gera agentes mutagénicos e carcinogénicos e aumenta os níveis de ozono na atmosfera.
Ao nível da UE, os grandes produtores de biocombustíveis são a Espanha, França, Alemanha e Itália. Portugal já criou legislação de incentivo aos biocombustíveis (DL 66/2006, que estabelece a isenção fiscal para os biocombustíveis, e DL 62/2006, que transpõe a Directiva 2003/30/CE [1]), e prevê-se que três fábricas de produção de biocombustíveis deverão instalar-se em Sines nos próximos dois anos, bem como que uma empresa de produção de bioetanol (100 milhões de litros/ano, o que corresponde a 250 mil toneladas de milho numa área de 20 mil hectares) se instale em breve (classificado como PIN), ou no Eco Parque da Chamusca ou no Parque Industrial da SAPEC, em Setúbal, tendo sido aprovado recentemente um projecto de instalação de uma unidade industrial que vai produzir cem mil toneladas de biocombustíveis/ano em Vila Franca de Xira. Para a área de influência do Alqueva já estão previstas as primeiras culturas de milho de regadio para a produção de bioetanol, estimando-se a ocupação de 47 mil hectares com culturas energéticas (15 mil já em 2007).
Seria talvez mais interessante o investimento no circuito de recolha e processamento dos óleos alimentares usados para biodiesel (cerca de 50 mil toneladas/ano), por um lado porque permite a reutilização deste resíduo e está ainda pouco desenvolvido e, por outro, porque o consumo de gasóleo é muito superior ao de gasolina e tem maior crescimento. Também uma política séria de mobilidade, promovendo-se o transporte colectivo em vez do particular, poderia gerar mais efeitos positivos a prazo na redução das emissões de GEE e, sem dúvida, na qualidade de vida urbana e no ordenamento do território.
[1] http://anpromis.pt/index.php?option=com
Nos EUA, Bush aposta fortemente nos biocombustíveis para fazer face à dependência do petróleo e como mecanismo de combate às alterações climáticas. Na UE, foi lançada em 2003 uma Directiva (2003/30/CE, de 8 de Maio) para promover o uso de biocombustíveis nos transportes, propondo que cada estado membro substitua 5,75% do combustível convencional em 2010, 8% em 2015 e 20% em 2020 (o que representa um esforço significativo, tendo em conta a situação actual de cerca 1,5%). Foi também aprovada em 2003 uma outra Directiva (2003/96/CE, de 27 de Outubro) que permite a cada estado membro estabelecer isenções e reduções fiscais nos produtos energéticos, como sejam os biocombustíveis.
Embora existam diferentes tipos de biocombustíveis, os mais comuns são o biodiesel e o bioetanol. Os primeiros são produzidos a partir de oleaginosas (como o girassol, soja, colza, palma, ...), enquanto que os segundos são produzidos a partir de cereais (como o milho e o trigo), beterraba sacarina e biomassa florestal. Dependendo das opções, os impactes globais deste tipo de energia podem ser alarmantes: não só as emissões com origem na produção de energia e na agricultura podem aumentar, como a produção de culturas energéticas para biocombustíveis pode ter incidências na biodiversidade das terras agrícolas.
Por um lado, são necessárias grandes áreas de superfície agrícola útil para a produção deste tipo de culturas energéticas. Por exemplo, estudos indicam que as culturas energéticas teriam de ocupar entre 4% e 13% do total da superfície agrícola da UE a 25 para se atingir a meta de 5,75% em 2010 (ocupando incultos e substituindo produção alimentar). Este é um dos motivos pelo qual se assiste ao crescimento industrial do cultivo para biocombustíveis nos países mais pobres, onde é dito que existe muito solo livre, condições climáticas melhores e mão-de-obra mais barata, tornando este mercado mais rentável. A possibilidade de obtenção de créditos de carbono, transaccionáveis no comércio de emissões, é um factor adicional.
Um relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEE), de 2004, alerta que na UE «a eventual reconversão de terrenos de agricultura extensiva para culturas energéticas ou cultivo intensivo de alimentos para dar resposta ao aumento da procura de terras acarretará uma perda de biodiversidade». Isto é o que se vem assistindo nos países mais pobres, em que a pressão adicional sobre o solo por parte das culturas energéticas acarreta uma maior desflorestação, com uma maior aceleração do aquecimento global e da extinção de espécies, provocando simultaneamente aumentos nos preços dos alimentos em todo o mundo (o que coloca problemas ao nível da segurança alimentar, sobretudo dos países mais pobres). E é aqui que surge a indústria dos transgénicos, a apostar fortemente nas culturas energéticas (esperando menores regulamentações e maior aceitação pública, já que não servem para alimentos), agravando a exposição dos ecossistemas e culturas alimentares à contaminação e querendo controlar e dominar este mercado.
Por outro lado, as culturas energéticas só são rentáveis em sistemas intensivos, devido às economias de escala, consumindo elevadas quantidades de água, fertilizantes e fitofármacos e, também, de energia (o que levanta dúvidas sobre o seu contributo para o desenvolvimento rural). Além de contribuírem para a perda de fertilidade do solo, a sua contaminação e dos aquíferos, entre outros, estudos estimam que o balanço energético do ciclo de vida dos biocombustíveis é pequeno ou mesmo negativo. Ou seja, se todos os custos forem contabilizados (o que nem sempre acontece), conclui-se que a energia do biocombustível é menor do que o total da energia gasta em produzi-lo: isto põe por terra o discurso da neutralidade dos biocombustíveis quanto às emissões de carbono.
O mesmo relatório da AEE indica que a «conversão das culturas (biomassa) em biocombustíveis para os transportes gera menores economias e reduções de gases com efeito de estufa do que outras utilizações energéticas», desencorajando a reconversão de terras para este tipo de culturas, bem como que se «as terras de pousio de longa duração forem utilizadas para a produção de culturas energéticas ou a produção intensiva de alimentos para satisfazer a procura acrescida de terras, as grandes quantidades de CO2 que serão emitidas serão suficientes, possivelmente, para anular por muitos anos os benefícios em termos de redução das emissões de CO2 decorrentes da mudança para os biocombustíveis».
Outros estudos indicam ainda que «o biodiesel provoca mais problemas de saúde e ambientais porque cria uma poluição mais pulverizada, liberta mais poluentes que promovem a formação de ozono, geram mais desperdício e provocam maior eutroficação», bem como que a queima do bioetanol gera agentes mutagénicos e carcinogénicos e aumenta os níveis de ozono na atmosfera.
Ao nível da UE, os grandes produtores de biocombustíveis são a Espanha, França, Alemanha e Itália. Portugal já criou legislação de incentivo aos biocombustíveis (DL 66/2006, que estabelece a isenção fiscal para os biocombustíveis, e DL 62/2006, que transpõe a Directiva 2003/30/CE [1]), e prevê-se que três fábricas de produção de biocombustíveis deverão instalar-se em Sines nos próximos dois anos, bem como que uma empresa de produção de bioetanol (100 milhões de litros/ano, o que corresponde a 250 mil toneladas de milho numa área de 20 mil hectares) se instale em breve (classificado como PIN), ou no Eco Parque da Chamusca ou no Parque Industrial da SAPEC, em Setúbal, tendo sido aprovado recentemente um projecto de instalação de uma unidade industrial que vai produzir cem mil toneladas de biocombustíveis/ano em Vila Franca de Xira. Para a área de influência do Alqueva já estão previstas as primeiras culturas de milho de regadio para a produção de bioetanol, estimando-se a ocupação de 47 mil hectares com culturas energéticas (15 mil já em 2007).
Seria talvez mais interessante o investimento no circuito de recolha e processamento dos óleos alimentares usados para biodiesel (cerca de 50 mil toneladas/ano), por um lado porque permite a reutilização deste resíduo e está ainda pouco desenvolvido e, por outro, porque o consumo de gasóleo é muito superior ao de gasolina e tem maior crescimento. Também uma política séria de mobilidade, promovendo-se o transporte colectivo em vez do particular, poderia gerar mais efeitos positivos a prazo na redução das emissões de GEE e, sem dúvida, na qualidade de vida urbana e no ordenamento do território.
[1] http://anpromis.pt/index.php?option=com
content&task=view&id=159&Itemid=81.
Rita Calvário
Esquerda
http://www.infoalternativa.org/ecologia/ecologia044.htm
Rita Calvário
Esquerda
http://www.infoalternativa.org/ecologia/ecologia044.htm
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