quarta-feira, janeiro 03, 2007

A correlação entre salários e crescimento económico

Em artigo intitulado “Capitalistas vivem período excelente, mas há ameaças” de Philip Coggan para o “Financial Times” (Reproduzido na Folha de S. Paulo – 20 de julho de 2006 – “Dinheiro” - Pág. B 8), um pequeno resumo de abertura afirma o seguinte: “Ganhos em alta deveriam fazer subir salários, mas entrada de China, Índia e Rússia no capitalismo gerou sobreoferta de profissionais”. Essa seria a explicação para a queda na participação dos salários no PIP da maioria dos países desenvolvidos. Tudo não passaria da velha lei de oferta e procura , só que aplicadas ao mercado de trabalho global. Vamos analisar mais de perto essa questão. Primeiro o artigo faz uma constatação óbvia e que não deveria surpreender ninguém: “Estamos vivendo um período excelente para quem é capitalista. Em todo o mundo, os lucros vêm aumentando como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). De acordo com o Goldman Sachs, a fatia dos lucros no PIB dos Estados Unidos foi a mais alta de todos os tempos no primeiro trimestre de 2006. O HSBC diz que 2005 foi o melhor ano para os lucros britânicos desde que o banco começou a acompanhar esse histórico”. “E não se trata apenas de uma tendência que beneficia os países anglo-saxões. Segundo o banco UBS, a participação dos lucros no PIB japonês está próxima de sua marca mais elevada em 35 anos e no continente europeu ela também está se aproximando de um recorde”. Toda a preocupação então se resume no fato de que “A teoria sugeriria que deve acontecer uma reversão à tendência média. Se os lucros se mantiverem altos, as pessoas se sentirão tentadas a criar novas empresas e as empresas existentes se expandirão; a competição resultante tenderá a reduzir as margens de lucro”. Mas a economia mundial não dá sinais disso: ”Por enquanto, as empresas estão nadando em dinheiro; as que compõem o índice Standard & Poor's 500 podem registrar seu 12º trimestre consecutivo de crescimento de lucros na casa dos dois dígitos. Qualquer pessoa que tenha participado de assembléias políticas nos anos 1960 e 1970 se lembrará de que, em dado ponto da reunião, alguém sempre gritava: ’E quanto aos trabalhadores?’”. O artigo concorda que: “A mesma pergunta deve ser feita hoje. Se os lucros estão elevando sua participação no PIB, outro setor deve estar perdendo. O Goldman Sachs estima que o crescimento lento da remuneração paga aos trabalhadores tenha respondido por 40% da expansão das margens de lucro nos últimos cinco anos”. Essa é de fato uma questão muito embaraçosa. Não que a partir dos anos 1980 essas preocupações antiquadas com a concentração da renda nas mãos dos capitalistas ou a manutenção do padrão de vida dos trabalhadores seja importante para a “nova economia”. A questão é explicar o porque isso estaria ocorrendo. De acordo com todas as “teorias” correntes, o desenvolvimento econômico deve gerar maior oferta de empregos. Isso força os salários para cima. Portanto, existiria um “ponto de equilíbrio” em que os salários acabariam por se estabilizar num patamar mais alto. De fato é isso o que diz o artigo: “... a questão crucial é evidentemente a do salário. Tradicionalmente, à medida que a economia se expande, fica mais difícil localizar e contratar bons funcionários. Isso gera elevação nos salários, o que reduz margens e causa pressão inflacionária, a qual por sua vez leva bancos centrais a elevar juros. Os juros terminam por esfriar a demanda e a economia se desacelera”. Mas o que se observa não é nada disso. Os salários simplesmente não sobem. Na realidade, na maioria dos países, vem acumulando quedas com espantosa regularidade. Qual seria então a explicação? O artigo propõe o seguinte: “O que explica o desempenho frágil dos salários? O [Banco] UBS menciona um estudo acadêmico de Richard Freeman, segundo o qual a entrada de China, Índia e de países que faziam parte do bloco soviético no mercado mundial efetivamente dobrou a força de trabalho disponível. Como acontece no caso de qualquer outro insumo econômico, se a oferta cresce de maneira substancial, é provável que o preço seja pressionado”. Isso faz sentido. Se a oferta de trabalho aumentou tanto (“efetivamente dobrou”) é lógico que o “fator trabalho” deve ter se tornado mais barato. Além disso, essa explicação tem a enorme vantagem de eliminar a necessidade de se reformular a “teoria”, segundo a qual, o atual “ciclo” econômico já deveria apresentar tendência de aumento do emprego e, conseqüentemente, dos salários. Assim, o artigo reconhece certas “anomalias”, contudo, enfatiza : “Mas o ciclo não foi abolido, e sim simplesmente alongado pelo efeito China-Índia. A análise do Goldman Sachs sugere que a correlação básica entre salários e crescimento continua intacta”. E melhor ainda: “O UBS acredita que a capacidade excedente de mão-de-obra se reduziu e que os custos por unidade de mão-de-obra podem ter começado a subir. Em outras palavras, os trabalhadores talvez comecem a exigir sua fatia do bolo”. Se considerarmos a opinião dos analistas do Banco, a única garantia de que os salários irão voltar a recuperar sua “fatia do bolo” seria o esgotamento da capacidade “excedente” de mão-de-obra. Eles “acreditam”, mas não tem certeza é claro, que isso já está começando a acontecer. Mas existe uma contradição básica nesse raciocínio. Vamos pensar na seguinte hipótese: Uma empresa dos EUA faz um programa de “outsourcing” que lhe permite demitir 100 empregados em seu país e substituí-los por 100 chineses com a mesma qualificação, mas com um salário bem menor. Se o preço de venda de suas mercadorias ou serviços continuar o mesmo, o lucro bruto logo será incrementado no exato valor da diferença de salários entre os norte-americanos e os chineses. Se a diferença for “repassada ao consumidor”, não haveria incremento nenhum nos lucros! Se todas as empresas de todos os países desenvolvidos fizessem a mesma coisa, a conclusão seria a de que o total de riquezas produzido pela economia globalizada permaneceria constante. Haveria apenas a transferência de uma parcela maior de riquezas para os acionistas, em detrimento dos empregados, independentemente desses serem norte-americanos ou chineses. Os 100 empregados norte-americanos ficariam permanentemente desempregados, enquanto os 100 chineses teriam de ser mantidos com seus baixos salários para garantir os lucros. Em outras palavras, estaríamos provando que os “anti-globalização” estão perfeitamente certos em afirmar que o processo todo só consiste num aumento da exploração da classe trabalhadora. Mas existem muitas evidencias de que não é isso que está acontecendo. Todos os indicadores mostram um aumento da riqueza global. Com raríssimas exceções, mesmo as economias periféricas como as do Brasil, México ou Argentina vem crescendo. Por outro lado, a transferência para os consumidores das vantagens da redução de custos obtida com o “outsourcing” é uma das mais alardeadas bandeiras de empresas como o Wal-Mart por exemplo. Nesse caso de onde vem essa nova riqueza? A pergunta faz sentido porque se não existissem aumentos de produtividade, nossa hipotética empresa norte-americana, para crescer, teria de optar por uma de duas hipóteses: Ou recontratar empregados norte-americanos ou contratar mais chineses. Se além disso, a competição no mercado global a obriga a transferir a redução de custos com mão-de-obra para o consumidor, como se explicam os aumentos espetaculares em suas margens de lucro? Se pensarmos que o “outsourcing” na verdade é apenas uma das ferramentas de redução de custos, inserido nos processos de reengenharia, onde o centro da reestruturação produtiva são as novas tecnologias baseadas na microeletrônica e os novos métodos gerenciais, todo se explica. Os fabulosos lucros das empresas vêm se baseando no aumento de sua produtividade e não apenas na transferência de empregos para países mais pobres. Poderíamos concluir que as margens de lucro estão crescendo exatamente por conta do uso das novas tecnologias. Nesse caso, temos de admitir o óbvio: As novas tecnologias baseadas na microeletrônica têm a incomoda mania de reduzir drasticamente o número de empregados necessários para operar uma empresa, em qualquer ramo de atividade, seja industrial, comercial, agrícola ou de serviços. Sendo assim, onde os 100 empregados norte-americanos iriam conseguir empregos? E por que nossa empresa sofreria pressões para aumentar os salários de seus empregados chineses se seus lucros vem do aumento da produtividade e não da sua força de trabalho? Está claro que só existe uma conclusão coerente: A correlação básica entre salários e crescimento não continua intacta. O “efeito China-Índia” sozinho não é capaz de explicar o fato de as empresas estarem “nadando em dinheiro” enquanto se assiste ao “desempenho frágil dos salários”. Temos de concluir que o número total de empregos como um todo vem diminuindo. Isso porque só a redução global da oferta de empregos pode explicar a redução nos salários ao mesmo tempo em que os lucros sobem. Se não for assim temos de lidar com as seguintes contradições: 1) Os lucros são provenientes somente do “outsourcing”: Nesse caso não se explicam às reduções de preços para os consumidores nem o aumento da riqueza global. 2) Os lucros são provenientes também do aumento da produtividade mas o número de empregos oferecidos não diminui: Nesse caso os salários já deveriam ter aumentado e sua participação no PIP não deveria ter caído. 3) O “outsourcing” mantém os empregos mais bem remunerados nos países mais desenvolvidos: Nesse caso o número de empregos mais bem remunerados tem de ser menor, ou não haveria redução de sua participação no PIB. 4) O “outsourcing” não reduz o número de empregos mas apenas os salários: Nesse caso, fica invalidada a premissa de que enquanto os trabalhadores de países mais pobres realizam a produção menos especializada, os mais desenvolvidos se empregam em atividades que “agregam mais valor”, porque nesse caso, os salários também seriam mais altos. Poderíamos enumerar muitas outras contradições baseadas nas “anomalias” observadas sempre que nos mantemos na “teoria” vigente. O artigo chama a atenção para as conseqüências, em longo prazo, dessas “anomalias”: “Os lucros elevados e os extremos de riqueza que eles usualmente implicam são altamente impopulares”. Além disso: “É fácil presumir que os processos de liberalização dos últimos 20 anos são irreversíveis. Mas reformas como essas contam com pouco apoio de base e, em muitos países, foram impostas pelas elites econômicas. E a tarefa pode estar se tornando mais difícil. Até governos supostamente favoráveis à reforma, como o do então premiê italiano Silvio Berlusconi, não conseguem fazê-las”. O artigo também se encarrega de nos apresentar uma ótima, embora preocupante conclusão: “Assim, a economia globalizada que ajudou as empresas a ampliar seus lucros é uma estrutura frágil, que pode ser varrida com facilidade, como aconteceu com sua versão anterior, em 1914”.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br

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