quarta-feira, janeiro 03, 2007

O lado escuro da medicina nanotecnológica

"Sem dúvida, o maior problema sanitário que padecemos é o capitalismo e o afã do lucro que implica, com a sua extensa síndrome de pobreza e injustiça, o qual condena qualquer nova tecnologia a ser uma medicina elitista destinada àqueles que possam pagá-la".
A convergência de novas tecnologias como a genómica e a nanotecnologia promete avanços que revolucionariam o sistema de diagnóstico e tratamento de muitas doenças que hoje, para a medicina convencional, são difíceis ou impossíveis de curar. Mas para além de avanços pontuais para aqueles que os possam pagá-los, o que está fora de dúvidas é que estes enfoques cada vez mais refinados e fragmentários estão a revolucionar a forma de fazer lucros no sector farmacêutico. Por exemplo: como ferramentas para prolongar a patente de medicamentos e portanto seu monopólio por parte das empresas. Por outro lado, a nanotecnologia parece estar a criar novos problemas de saúde e, paradoxalmente, desvia fundos que deveriam ser dedicados a problemas básicos de salubridade, prevenção e atenção primária da saúde, aspectos sobre os quais sabe-se com certeza que têm um impacto positivo amplo na saúde da maioria das populações. Conforme documenta o recente relatório do Grupo ETC, Medicina nanológica: aplicaciones médicas de la nanotecnología ( www.etcgroup.org ), em meados de 2006 estavam na etapa de provas clínicas ou em distribuição comercial mais de 130 fármacos e sistemas de administração de medicamentos com base nanotecnológica, além de 125 dispositivos e reagentes de diagnóstico. Enquanto em 2005 o mercado da medicina nanotecnologicamente habilitada (incluindo fármacos, terapias e diagnósticos) foi de mil milhões de dólares estadunidenses, em 2010 atingiria os 10 mil milhões. A Fundação Nacional da Ciência dos EUA prevê que a metade do mercado de produtos farmacêuticos utilizará nanotecnologia em 2015. Vejamos um exemplo: em Janeiro de 2005 a Food and Drug Administration (FDA) aprovou a utilização do medicamento Abraxene, formulado nanotecnologicamente para o tratamento do câncer. Meios especializados consideraram-no “um salto gigantesco para a nanotecnologia”. No dia seguinte, as acções da companhia que o desenvolveu, American Pharmaceutical Partners (agora chamada Abraxis Bio Science), subiram mais de 50 por cento e o seu presidente converteu-se nesse ano em multimilionário. Em 1 de Outubro de 2006, Alex Berenson revelou no New York Times outros aspectos desta história. O Abraxene é uma formulação nanotecnológica do taxol (uma substância activa da árvore do disco, e certamente um caso de biopirataria), que já se usava contra o cancro da mama sob a patente monopólica da Bristol-Myers Squibb. A patente expirou em 2000 e começou-se a comercializar a versão genérica do taxol, chamada Paclitaxel, a 150 dólares por dose. O Abraxene é exactamente a mesma substância, mas ao ser administrada em nanopartículas cobertas de albumina provoca muito menos reacções alérgicas nos pacientes, o que sem dúvida é desejável. Entretanto, não tem nenhum efeito no prolongamento da vida do paciente nem outras vantagens terapêuticas. Quem realmente extrai o maior benefício é a empresa, que cobra 4200 dólares por cada dose de Abraxene (28 vezes mais que o genérico) e conseguiu estabelecer um novo monopólio de patente. Se este é o caso emblemático da medicina nanotecnológica, fica claro para onde esta se dirige. Outras aplicações que estão em comercialização ou em desenvolvimento são, por exemplo, nano-sensores que circulam no corpo para detectar níveis de glucose, colesterol ou hormonas, nano-projécteis que alvejam células cancerosas, nanopartículas que vão a um sítio específico do organismo para administrar com precisão um medicamento, nano-partículas de prata com alto poder microbicida, armações nanométricas onde se estimula o crescimento de tecido ósseo e órgãos humanos. Apesar de que estas aplicações poderiam ser úteis, todas elas vão acompanhadas não só da luta pelo monopólio e pelo afã de lucro daqueles que as põem no mercado como também pelas incertezas que a introdução de nanopartículas apresenta no organismo. Para onde vão as nanopartículas depois de cumprirem sua função? A mesma razão porque são úteis por não serem recusadas pelo facto de o sistema imunológico não as detectar constitui um problema em si mesmo, uma vez que não está claro o que acontece finalmente com estas pequeníssimas partículas nos organismos vivos e há cada vez mais evidências de toxicidade. Um dado significativo é o anúncio da Environmental Protection Agency (EPA) dos Estados Unidos, em Novembro de 2006, de que a utilização de nanopartículas de prata deve ser regulamentada, porque podem implicar danos ambientais. Actualmente estas são comercializadas como desinfectantes anti-bacteriais, em lava-roupas, equipamentos de ar condicionado, purificadores de ar, refrigeradores, contentores de alimentos, eliminação de cheiro em calçados, entre outros. A EPA considera que durante a produção, utilização e/ou disposição final as nanopartículas chegam ao ambiente, cursos de água, etc e podem matar organismos benéficos, bem como entrar nas cadeias alimentares com efeitos imprevisíveis. Isto afecta também os que apresentam este tipo de soluções para a purificação de água e naturalmente o campo médico. Sem dúvida, o maior problema sanitário que padecemos é o capitalismo e o afã do lucro que implica, com a sua extensa síndrome de pobreza e injustiça, o qual condena qualquer nova tecnologia a ser uma medicina elitista destinada àqueles que possam pagá-la. Nenhuma nova tecnologia poderá solucionar esta enfermidade social, mas tão pouco significa que por si mesma esteja livre de problemas. O que garante o capitalismo é que entrem no mercado sem discussão social e como se fossem êxitos, ainda que até criem novos problemas.
Silvia Ribeiro
http://resistir.info/

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