segunda-feira, janeiro 15, 2007

Fukuyama e a crise do Estado na Era da Informação

Em seu novo livro, Francis Fukuyama, o autor de “O fim da história”, demonstra que a obsessão neoliberal pelo Estado mínimo vem se transformando numa grave ameaça á segurança de todos os países do mundo, inclusive para os desenvolvidos.

Se existe um consenso sobre as conseqüências da globalização da economia e do novo paradigma tecnológico, este se refere ao enfraquecimento do Estado nacional. A abolição seletiva das fronteiras nacionais, com prioridade absoluta para o capital, tem conseqüências que ainda estão apenas se esboçando, mas já geram enorme preocupação.

Nas palavras de Manuel Castells: “A capacidade instrumental do Estado-Nação está comprometida de forma decisiva pela globalização das principais atividades econômicas, pela globalização da mídia e da comunicação eletrônica e pela globalização do crime”. (1)

Esse efeito na verdade está em perfeita sintonia e decorre do pensamento dominante, que vê o Estado como o responsável por praticamente todas as mazelas de qualquer nação, ao mesmo tempo em que preconiza seu desmonte de forma indiscriminada.

Mas o problema é que o enfraquecimento do Estado tem conseqüências sérias, principalmente se em seu lugar, resta apenas o domínio do interesse privado, local e global. Jeremy Rifkin, em tom sombrio, já se referia a isso em 1995:

“Em um número crescente de nações industrializadas e emergentes, o deslocamento tecnológico e o desemprego estão levando a um dramático aumento de criminalidade e de violência aleatória, dando um claro presságio dos tempos de instabilidade que estão por vir”.(2)

Já para Gilberto Dupas, o Estado modelado a partir das duras experiências das guerras mundiais, significava uma garantia de estabilidade que transcendia em muito os aspectos meramente econômicos. A partir da citação:

“Até o final dos anos 60, o keynesianismo foi à ideologia oficial do compromisso de classe, sob a qual diferentes grupos podiam entrar em conflito nos limites de um sistema capitalista e democrático (...) A crise do keynesianismo é uma crise do capitalismo democrático. (Przworski & Wallerstein, 1988)”. (3)

Dupas conclui que: “De fato, o keynesianismo manteve, desde o pós-guerra, a expectativa de que o Estado poderia harmonizar a propriedade privada dos meios de produção com a gestão democrática da economia (...) O Estado provedor de serviços sociais e regulador do mercado tornava-se mediador das relações – e dos conflitos – sociais”. (4)

Mas para todos esses autores, o problema da crise do Estado-Nação, ainda fica restrito ao próprio país, seu povo, sua economia e suas instituições. Francis Fukuyama no entanto, amplia de forma dramática essa visão crítica.

Já no prefacio de seu novo livro “Construção de Estados”, ele afirma que: “Estados fracos ou fracassados constituem a fonte de muitos dos problemas mais graves do mundo, da pobreza a AIDS, drogas e terrorismo”. (5)

E mais adiante, chega à verdadeira preocupação: “O colapso ou a debilidade do Estado já criou grandes desastres humanitários e de direitos humanos durante a década de 1990 na Somália, no Camboja, na Bósnia, em Kosovo, no Haiti, e no Timor Leste. Durante algum tempo, os Estados Unidos e outros países puderam fingir que esses problemas eram apenas locais, mas o dia 11 de setembro provou que a fraqueza do Estado também constituía um enorme desafio estratégico”. (6)

Embora restrinja o problema aos países pobres, reconhece que boa parte dessa situação se deve a aceitação universal do “consenso de Washington”, segundo ele, um “pacote” de medidas, “sugeridas” pelo FMI, Banco Mundial e Governo dos EUA, cuja ênfase é a drástica redução do grau de intervenção estatal nas atividades econômicas.

Segundo Fukuyama, esse “pacote” passou a ser conhecido como neoliberalismo pelos seus “detratores” na América Latina. A impressão que passa é de que o autor afirma que economistas sérios acreditaram que seria perfeitamente possível separar as questões econômicas de suas conseqüências políticas e sociais.

Sua premissa é de que “não havia nada de errado no consenso de Washington em si: os setores estatais dos países em desenvolvimento eram, em muitos casos, obstáculos ao crescimento e só poderiam ser corrigidos em longo prazo com a liberalização econômica. Na verdade, o problema era que, embora os Estados precisassem ser reduzidos em determinadas áreas, ao mesmo tempo precisavam ser fortalecidos em outras”.(7)

Em outras palavras, o Estado mínimo dos neoliberais só devia ser “fraco” onde pudesse atrapalhar o funcionamento infalível dos mercados. Mas devia ser “forte” o suficiente para garantir o “cumprimento das leis”. O que na prática significa: Manter a ordem e garantir a propriedade privada.

Fukuyama reforça essa impressão: ”Ele [Milton Friedman] observou que, uma década antes, teria três palavras para os países que faziam a transição do socialismo: ‘privatizar, privatizar e privatizar’. ‘Mas eu estava errado’. ‘Acontece que o domínio da lei é provavelmente mais fundamental que a privatização’ (Entrevista com Milton Friedman, Gwartney e Lawson em 2001)”.(8)

Como é duvidoso que Friedman esteja se referindo a leis trabalhistas ou de proteção social, é fácil imaginar o que ele de fato quer dizer. Com o fim da autoridade absoluta do Estado, enfraquece-se também a tão útil ação da polícia, dos serviços de vigilância interna, das prisões, etc. Sem os "muros" das fronteiras, surgem os problemáticos fluxos de imigrantes e refugiados...

Mais adiante, Fukuyama escreve: “A era pós-Guerra Fria começou sob o domínio intelectual dos economistas, que defenderam fortemente a liberalização e um Estado menor. Dez anos depois, muitos economistas concluíram que algumas das variáveis mais importantes que afetam o desenvolvimento não eram econômicas, mas estavam ligadas a instituições políticas”. (9)

Depois de apontar essa notável “descoberta”, o autor passa a discutir quais deveriam ser os meios de se classificar os Estados e principalmente, maneiras de construí-los de modo a se encaixarem no infalível consenso de Washington. É onde o autor entra em uma seara das mais perigosas.

Isso porque não fica nem um pouco claro, o que “deve acontecer” com os países que, depois de fracassarem miseravelmente sob os conselhos das instituições financeiras internacionais, não aceitarem as novas receitas, segundo as quais, deverão doravante “construir” seus Estados nacionais.

Fukuyama lembra que: “Algumas pessoas gostam de traçar uma distinção clara entre as intervenções em nome dos direitos humanos e aquelas para evitar ameaças à segurança de outros países e dizem que somente as primeiras constituem base legítima para violação da soberania”.

O problema seria que: “Esta distinção é questionável, porque pressupõe que a autodefesa seja, de alguma forma, menos legítima que a defesa de terceiros”. Mas esclarece, de forma um tanto quanto dúbia, que: “Esta questão não deve ser interpretada como um sumário da guerra do governo Bush contra o Iraque”. (10)

Na prática, a conclusão é óbvia: Em um mundo globalizado, é muito difícil que as crises geradas por “Estados fracos ou fracassados” não tenham conseqüências para vários outros países. Nesse caso a soberania das nações deve ser vista como um conceito “relativo”.

Caso um Estado não demonstre capacidade de controlar possíveis ameaças a “ordem global”, deve ser “reconstruído” conforme um novo conjunto de normas e diretrizes, a serem estabelecidas pelos sábios da economia de mercado. É um interessante ressurgimento da noção da “missão do homem branco”, tão cara aos sistemas coloniais do passado.

Mas o que parece embutido nas propostas de Fukuyama é um claro abandono dos ideais da própria globalização em termos de um projeto comum para toda a humanidade. Assim, a “aldeia global” é apenas para os ricos e bem sucedidos. Para os pobres, recria-se o bom e velho Estado, encarregado de fazer “cumprir as leis”.

Não parece ser outra a conclusão no último capítulo de seu livro, muito apropriadamente intitulado: “Menor porém mais forte”: “Para as sociedades individuais e para a comunidade global, o enfraquecimento do Estado não é um prelúdio para a utopia, mas sim para o desastre”.(11)

A solução: “Os países precisam ser capazes de construir instituições estatais não apenas dentro de suas próprias fronteiras, mas também em outros países mais desorganizados e perigosos. No passado, eles teriam feito isso simplesmente invadindo o país e anexando-o administrativamente ao seu império”.

Mas o problema é que: “Hoje, insistimos que estamos promovendo a democracia, o autogoverno e os direitos humanos e que qualquer esforço para governar outras pessoas é meramente transicional e não implica ambições imperiais”.

Portanto “... a arte de construção de Estados será um componente essencial de poder nacional, tão importante quanto à capacidade de utilizar as forças militares tradicionais para a manutenção da ordem mundial”. (12)

Em outras palavras, a comunidade global não passa de uma utopia, as fronteiras só devem desaparecer para as corporações globais e o capital financeiro. Para os povos em geral, a questão se limita a criar novos Estados que cumpram suas funções “primordiais”, ou seja, de manter os conflitos gerados pela própria globalização, sob estrito controle.

Notas:
(1) “O Poder da Identidade” – Manuel Castells – 2002 - Paz e Terra – Pág. 288.
(2) “O Fim dos Empregos” – Jeremy Rifkin - 1996 – Makron Books – Pág. 231
(3) “Economia Global e Exclusão Social” – Gilberto Dupas – 2001 – Paz e Terra – Pág. 110
(4) Idem.
(5) “Construção de Estados” – Francis Fukuyama - Editora Rocco – 2004 – Pág. 9
(6) Idem, Pág. 11 (7) Págs. 19 e 20 (8) Pág. 36 (9) Pág. 39 (10) Pág. 130 (11) Pág. 156 (12) Pág. 137
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

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