Quando uma guerra corre muito mal e se torna evidente que as suas justificações são mentiras, insistir que um Iraque “democrático” é visível no horizonte e que “devemos manter o rumo” torna-se uma total fantasia. Que fazer?
Nos EUA, um grupo de anciãos de Foggy Bottom [1] foi chamado para preparar um relatório. Neste, admitiram o que todo o mundo (excepto Downing Street [2]) já sabia: a ocupação é um desastre e a situação é cada dia mais infernal. Depois de os cidadãos estadunidenses voarem em consonância nas eleições intercalares, a Casa Branca sacrificou o senhor da guerra do Pentágono, Donald Rumsfeld.
O senhor da guerra de Downing Street, porém, ainda anda a monte, como um zombie nas suas recusas de que algo de sério esteja mal em Bagdade ou Cabul. Para ele, tudo pode ainda ser remediado com uma dose de xarope humanitário (uma poção tão poderosa e audaz que nenhuma resistência é possível). As suas tentativas desesperadas de passar por homem de Estado tornaram-no objecto de troça nas capitais árabes aliadas e na Zona Verde de Bagdade. O Iraque é o cordão umbilical que o une ao seu destino.
Entretanto, os veteranos em Washington reconhecem a dimensão do desastre. As suas descrições são fortes, as suas prescrições fracas e patéticas: «Concordamos com o objectivo da política estadunidense no Iraque, tal como enunciado pelo presidente: um Iraque que se possa governar a si próprio, sustentar a si próprio e defender a si próprio». Noutro ponto, recomendam um acordo com Teerão e Damasco para preservar a estabilidade após a retirada, implicando que Bagdade não poderá voltar a ser independente. Ficou para um militar realista, o tenente‑general William Odom, pedir uma retirada completa nos próximos poucos meses, perspectiva apoiada pelos iraquianos (xiitas e sunitas) em sucessivas sondagens. A ocupação, informa-nos Kofi Annan, criou uma situação muito pior que a vivida sob Saddam.
Quão diferente era nos dias temerários que se seguiram à captura de Bagdade. Duas linhas de argumento emergiram no campo vitorioso. O Pentágono queria um acordo rápido com os generais de Saddam para estabelecer um novo regime, de modo que as tropas estadunidenses e subsidiárias pudessem retirar‑se para bases no norte do Iraque e no Koweit para policiar o resultado. O Departamento de estado e o seu auxiliar de Downing Street queriam a aplicação implacável de “poder duro” e uma longa ocupação para estabelecer um novo Iraque como um modelo do “poder brando” dos Estados Unidos em toda a região.
Esta nunca foi uma opção séria. É o apoio incondicional dos Estados Unidos a Israel que impede qualquer possibilidade de poder brando, no Iraque ou onde quer que seja. Usar a Fatah para promover o conflito civil na Palestina não parece que possa melhorar as coisas. Mesmo os regimes árabes mais pró-estadunidenses na região – Arábia Saudita, Egipto, Jordânia e os Estados do Golfo, que cumprem a agenda de Washington – permitem virulentas denúncias das políticas ocidentais nos média, como válvula de contenção dos seus cidadãos.
Nenhum dos cenários esboçados em Washington, inclusive pelos democratas, perspectivam um retirada estadunidense total. Isso é uma derrota demasiado insuportável para ser contemplada, mas a guerra já foi perdida, juntamente com meio milhão de vidas iraquianas. Tentar retardar a derrota (como no Vietname), enviando um reforço de tropas, é improvável que resulte.
O parlamento britânico, ainda mais supino que o seu equivalente estadunidense, votou contra qualquer inquérito oficial (nem sequer um Hutton [3]) sobre o envolvimento britânico na guerra, quando sabiam que uma maioria no país se opunha à continuação deste conflito. O fanatismo ideológico de Blair ajudou a destruir o Iraque, a fazer renascer os taliban no Afeganistão, a aumentar a ameaça do terror na Grã-Bretanha e a introduzir leis repressivas que nem sequer durante a Segunda Guerra mundial foram impostas. O seu desgraçado partido e a oposição anuíram com estas medidas repelentes. É tempo para uma mudança de regime por cá.
[1] Foggy Bottom é o bairro de Washington DC onde se situa o Departamento de Estado, por isso frequentemente utilizado para se lhe referir (n. IA).
[2] A residência oficial do primeiro‑ministro britânico (n. IA).
[3] O inquérito Hutton (por Lord Hutton, o juiz) foi o encarregado de esclarecer a morte de David C. Kelly em Julho de 2003, um especialista em guerra biológica e um dos inspectores de armas no Iraque. A sua estranha morte colocou sob suspeita o governo de Blair. Kelly era acusado de ser a fonte informativa da BBC, onde se denunciaram as “provas” sobre armas de destruição em massa que serviram de justificação para invadir o Iraque. As armas de destruição em massa que nunca apareceram. (n. IA)
Tariq Ali
The Guardian
http://www.infoalternativa.org/iraque/iraque075.htm
Nos EUA, um grupo de anciãos de Foggy Bottom [1] foi chamado para preparar um relatório. Neste, admitiram o que todo o mundo (excepto Downing Street [2]) já sabia: a ocupação é um desastre e a situação é cada dia mais infernal. Depois de os cidadãos estadunidenses voarem em consonância nas eleições intercalares, a Casa Branca sacrificou o senhor da guerra do Pentágono, Donald Rumsfeld.
O senhor da guerra de Downing Street, porém, ainda anda a monte, como um zombie nas suas recusas de que algo de sério esteja mal em Bagdade ou Cabul. Para ele, tudo pode ainda ser remediado com uma dose de xarope humanitário (uma poção tão poderosa e audaz que nenhuma resistência é possível). As suas tentativas desesperadas de passar por homem de Estado tornaram-no objecto de troça nas capitais árabes aliadas e na Zona Verde de Bagdade. O Iraque é o cordão umbilical que o une ao seu destino.
Entretanto, os veteranos em Washington reconhecem a dimensão do desastre. As suas descrições são fortes, as suas prescrições fracas e patéticas: «Concordamos com o objectivo da política estadunidense no Iraque, tal como enunciado pelo presidente: um Iraque que se possa governar a si próprio, sustentar a si próprio e defender a si próprio». Noutro ponto, recomendam um acordo com Teerão e Damasco para preservar a estabilidade após a retirada, implicando que Bagdade não poderá voltar a ser independente. Ficou para um militar realista, o tenente‑general William Odom, pedir uma retirada completa nos próximos poucos meses, perspectiva apoiada pelos iraquianos (xiitas e sunitas) em sucessivas sondagens. A ocupação, informa-nos Kofi Annan, criou uma situação muito pior que a vivida sob Saddam.
Quão diferente era nos dias temerários que se seguiram à captura de Bagdade. Duas linhas de argumento emergiram no campo vitorioso. O Pentágono queria um acordo rápido com os generais de Saddam para estabelecer um novo regime, de modo que as tropas estadunidenses e subsidiárias pudessem retirar‑se para bases no norte do Iraque e no Koweit para policiar o resultado. O Departamento de estado e o seu auxiliar de Downing Street queriam a aplicação implacável de “poder duro” e uma longa ocupação para estabelecer um novo Iraque como um modelo do “poder brando” dos Estados Unidos em toda a região.
Esta nunca foi uma opção séria. É o apoio incondicional dos Estados Unidos a Israel que impede qualquer possibilidade de poder brando, no Iraque ou onde quer que seja. Usar a Fatah para promover o conflito civil na Palestina não parece que possa melhorar as coisas. Mesmo os regimes árabes mais pró-estadunidenses na região – Arábia Saudita, Egipto, Jordânia e os Estados do Golfo, que cumprem a agenda de Washington – permitem virulentas denúncias das políticas ocidentais nos média, como válvula de contenção dos seus cidadãos.
Nenhum dos cenários esboçados em Washington, inclusive pelos democratas, perspectivam um retirada estadunidense total. Isso é uma derrota demasiado insuportável para ser contemplada, mas a guerra já foi perdida, juntamente com meio milhão de vidas iraquianas. Tentar retardar a derrota (como no Vietname), enviando um reforço de tropas, é improvável que resulte.
O parlamento britânico, ainda mais supino que o seu equivalente estadunidense, votou contra qualquer inquérito oficial (nem sequer um Hutton [3]) sobre o envolvimento britânico na guerra, quando sabiam que uma maioria no país se opunha à continuação deste conflito. O fanatismo ideológico de Blair ajudou a destruir o Iraque, a fazer renascer os taliban no Afeganistão, a aumentar a ameaça do terror na Grã-Bretanha e a introduzir leis repressivas que nem sequer durante a Segunda Guerra mundial foram impostas. O seu desgraçado partido e a oposição anuíram com estas medidas repelentes. É tempo para uma mudança de regime por cá.
[1] Foggy Bottom é o bairro de Washington DC onde se situa o Departamento de Estado, por isso frequentemente utilizado para se lhe referir (n. IA).
[2] A residência oficial do primeiro‑ministro britânico (n. IA).
[3] O inquérito Hutton (por Lord Hutton, o juiz) foi o encarregado de esclarecer a morte de David C. Kelly em Julho de 2003, um especialista em guerra biológica e um dos inspectores de armas no Iraque. A sua estranha morte colocou sob suspeita o governo de Blair. Kelly era acusado de ser a fonte informativa da BBC, onde se denunciaram as “provas” sobre armas de destruição em massa que serviram de justificação para invadir o Iraque. As armas de destruição em massa que nunca apareceram. (n. IA)
Tariq Ali
The Guardian
http://www.infoalternativa.org/iraque/iraque075.htm
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