terça-feira, janeiro 16, 2007

Investigação sobre a natureza e as causas da pobreza dos trabalhadores

A economia cresce, a produção industrial se acelera, as vendas batem recordes, a riqueza geral aumenta. Por outro lado os trabalhadores são cada vez mais pobres. Os que não estão desempregados, estão exercendo atividades muito abaixo de suas reais capacidades.

“Os tempos estão difíceis. Há 800 milhões de desempregados e subempregados no mundo todo. Proporcionalmente, é a maior quantidade de desempregados desde a Grande Depressão de 1930” (1)

Essa afirmação deveria ser manchete em todos os jornais do mundo, mas é somente uma pequena observação num quadro explicativo, parte de um artigo sobre o ingresso de jovens universitários no mercado de trabalho.

Por que parece tão natural e pouco digno de nota que o desemprego e o subemprego sejam comparáveis aos de um período histórico que terminou na mais sangrenta e devastadora guerra mundial? A resposta é simples. Ao contrário da Grande Depressão, onde todos estavam ficando pobres, agora apenas os trabalhadores sofrem com a progressiva perda de seu poder aquisitivo.

Em outro artigo podemos ler que “Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), (...) catorze dos dezenove países pesquisados registraram aumento na taxa de desemprego no último ano. E isso não significa que tais países estejam atravessando um período recessivo.” (2)

Mais adiante, vem um resumo claro da situação: “O desemprego parece ter estabelecido uma relação de convivência amigável com o desenvolvimento”.(3) Para os que ainda acreditam que esse é um processo inerente ao desenvolvimento tecnológico e as “revoluções industriais”, e portanto passageiro, o mesmo artigo é taxativo:

“Esse sistema pelo qual as vagas extintas são repostas com vantagens parece dar sinais de cansaço. Pela primeira vez, há indicações de que a economia mundial começa a destruir empregos num ritmo mais intenso do que é capaz de criar”.(4)

Qual seria a explicação para essa destruição de empregos? O artigo nos esclarece que “As novas tecnologias permitem ganhos expressivos de produtividade. Uma forma de medir esses ganhos é comparar a quantidade de produtos feitos com o mesmo número de empregados antes e hoje”. (5) A seguir, é exibido um quadro:

Com a mesma mão-de-obra é possível:

Indústria Eletroeletrônica - Fabricar sete vezes mais televisores
Indústria Automobilística - Fabricar seis vezes mais automóveis
Indústria Têxtil – Produzir quatro vezes mais tecidos
Construção Civil – Construir três vezes mais metros quadrados
Empresas Aéreas – Transportar duas vezes mais passageiros
Siderurgia – Fazer duas vezes mais aço

Note que em nenhum momento são mencionados novos empregos criados por essas novas tecnologias, argumento central dos adeptos da “terceira revolução industrial”. Também não são mencionados os novos setores de atividade criados para substituir esses empregos, como previsto pelos defensores das teorias conservadoras, pela elementar razão de que eles não existem ou são irrelevantes.

Todos sabem que as tecnologias substitutivas de mão-de-obra, os robôs e os computadores conectados em redes por sistemas de telecomunicações sofisticados, exigem apenas um número muito reduzido de profissionais altamente capacitados para seu projeto, desenvolvimento, produção, comercialização e manutenção.

Embora os autores dos artigos não pareçam ser capazes de chegar a essa brilhante conclusão, isso significa que o trabalhador, no mundo inteiro, está ficando cada vez mais pobre. Esses aumentos de produtividade reduzem drasticamente o poder de barganha dos sindicatos com a conseqüente redução progressiva de salários e benefícios.

O desemprego por sua vez, coloca um número cada vez maior de pessoas na situação de buscar qualquer forma de subsistência. Os trabalhadores qualificados acabam por entrar em competição, com os que têm menor preparo. Assim, acabam por aceitar cargos hierarquicamente inferiores e de menor remuneração.

Isso “inflaciona” as exigências para cargos subalternos. Por que não contratar uma secretária bilíngüe para o cargo de recepcionista? E por que não manobristas com curso superior e seguranças com sólida formação em informática? A conseqüência é a expulsão dos menos preparados, sob a alegação de que tem “baixa escolaridade”.

Mas o que estaria acontecendo no comércio e no setor de serviços? E talvez esses números só se refiram a países desenvolvidos com altos salários e benefícios. Não seria o caso do Brasil. Ou será que o problema já existe aqui também?

De um estudo intitulado “Reestruturação Tecnológica No Comércio De Santa Catarina”, retiramos a seguinte observação:

“A combinação de estratégias e processos tecnológicos informáticos e teleinformáticos, cada vez mais sofisticados e de abrangência global, com formas tradicionais de relações capital-trabalho conduz, por um lado, ao aumento das vendas e à elevação da produtividade, de outro lado, à intensificação do trabalho, à destruição de postos de trabalho e ao enxugamento do quadro de pessoal, numa dinâmica particular mas ao mesmo tempo muito próxima ao processo de reestruturação produtiva, observado em outros setores da economia”.(6)

Em outro estudo, voltado para o setor bancário, podemos ter uma idéia do que se passa em pleno interior do Brasil:

“Em Uberlândia (...) verificamos que, em 1980, havia 20 bancos num total de 26 agências; em 1990: 33 bancos e 61 agências e no ano 2000 a cidade já contava com 36 bancos, num total de 92 agências bancárias. O número de bancos na década de 80 a 90 aumentou cerca de 60%, apresentando uma queda significativa de 1990 a 2000. que aumentou somente 8%. Mas, em contrapartida, o número de agências bancárias aumentou 135% e 50,81% , respectivamente. O mesmo não acontece com o número de funcionários empregados no setor; pelo contrário, houve uma queda significativa. Em 1980 a rede bancária contava com aproximadamente 4500 funcionários, já em 1990 esse número baixou para 3200 e no ano de 2000 caiu para 2000 funcionários, diminuindo o quadro em cerca de 56%”.(7)

Com esses dados, a conclusão é de que o problema não se limita de maneira alguma ao setor industrial e de modo algum se restringe aos países mais desenvolvidos. Mesmo em países com salário muito baixo como o Brasil, o desemprego tecnológico já é uma dura realidade.

Mas é claro que ainda temos os executivos, os “vencedores”, para esses que são realmente competentes, a vida deve ter melhorado, não é? De fato não. Em artigo com o sugestivo título “Ufa! Fui demitido”, podemos ler que “Cada vez mais profissionais se dizem aliviados após serem demitidos. Esse é o resultado da pesquisa conduzida pela consultoria Lens & Minarelli com 400 altos executivos, em 2002 e 2003”.(8) A razão seria que em “momentos de retração”, “as empresas promovem cortes, os executivos trabalham mais e se sentem mais pressionados”. Como não estamos vivendo em período de retração...

Em outro artigo com o título ainda mais interessante de “Efeito Colateral”, lemos que “Segundo Luiz Ricardo Botelho, presidente da agência de medicina Corplus, de São Paulo, 1% da população corporativa consome algum tipo de droga. No entanto, no último ano a situação piorou. Hoje, há empresas em que 5% dos funcionários são dependentes”. (9)

Adam Smith, em seu estudo que resultou no clássico “Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações”, estabelece que a fonte da riqueza é o trabalho, e que o aumento da riqueza é derivado da divisão especializada do trabalho. Karl Marx define o lucro como “mais valia”, ou seja, uma quantidade a mais de trabalho recebida indevidamente pelo dono do capital. Os liberais argumentam que o capital é “trabalho acumulado”, e portanto tem de ser remunerado.

Para todos portanto a riqueza é função da capacidade de um grupo de homens de empregar seu esforço e seu tempo para produzir bens e serviços. Mas e se bens e serviços puderem ser produzidos sem trabalho humano ou apenas com um reduzido grupo de pessoas, vivendo sob constante pressão e ameaça? Para essa questão as teorias clássicas simplesmente não encontram uma resposta.


Notas:

(1) “O Segundo Vestibular” - Revista VEJA, 17/12/2003, Pág. 174
(2) “Onde Estão os Empregos” – Revista VEJA, 17/12/2004, Pág. 178
(3) Idem, Pág. 179
(4) Idem, Pág. 178
(5) Idem, Pág. 180
(6) “Reestruturação Tecnológica No Comércio De Santa Catarina” - Boletim DIEESE nº 211 - Janeiro e Fevereiro de 1999
(7) “Inovações Tecnológicas, Exclusão Social, Desemprego?” - Harley de Araújo
(8) “Ufa! Fui Demitido” – Revista Você S/A – agosto/2004, Pág. 15
(9) “Efeito Colateral” – Revista Você S/A – agosto/2004, Pág. 72
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

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