Enquanto milhões de pessoas em África são todos os dias vitimadas pela fome, miséria, crise ecológica e demais atentados à vida humana, centenas de competidores do "mundo desenvolvido" reúnem-se todos os anos com o objectivo de passear a altas velocidades pelas exóticas terras dos mais pobres. À semelhança do que se verificou no ano anterior, aquela que é por muitos apelidada da mais estúpida corrida do mundo, começa em Portugal, país sobejamente adepto quanto mais labrega e parola for a mediatização espectacular. Porém, é de salientar que a eleição de Lisboa deriva essencialmente da rejeição da antiga capital anfitriã. Com efeito, em Janeiro de 2006 o Conselho Municipal da cidade de Paris (uma espécie de Assembleia Municipal da autarquia local) votou e aprovou um voto de condenação pela realização do rali, apelando aos órgãos executivos da autarquia a não mais se associarem com os responsáveis pela sua organização. Nessa mesma declaração invocavam-se as palavras de Albert Jacquard para quem este evento era sobretudo "uma abominável e escandalosa corrida, símbolo da maior estupidez, e um claro desprezo pelos africanos como também pelo próprio deserto que deveria ser visto como uma verdadeira catedral". Em Portugal, os concorrentes do rali Lisboa-Dakar vão ter a oportunidade de atravessar as dunas alentejanas, uma espécie de aperitivo para a aventura no deserto, apesar de tal trajecto fazer parte da Rede Natura 2000, uma rede ecológica da união europeia que tem como objectivo assegurar a conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora. Mais a sul, no Algarve, os carros, motas e camiões também vão atravessar outras duas áreas classificadas. No entanto, será mesmo no continente africano que os verdadeiros estragos serão realizados, a julgar pelos acontecimentos verificados nas últimas duas edições ( 1 2 ) em que foram ceifadas as vidas de quatro habitantes locais, três dos quais crianças. Num momento em que é mais do que visível a repressão da movimentação de pessoas de África para a Europa, não deixa de ser irónico que aos participantes seja permitido que cruzem livremente as terras que desejarem, mesmo que tal implique um enorme perigo para as pessoas que aí habitam.
http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=113170&cidade=1
http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=113170&cidade=1
Sem comentários:
Enviar um comentário