terça-feira, janeiro 30, 2007

A tecnologia como causa direta do trabalho precário

Muito se tem falado sobre a “precarização” do mercado de trabalho. As causas apontadas são muitas. Mas a única que parece estar sempre presente é a utilização das novas tecnologias de informação e comunicações.

“Uma revolução tecnológica, a revolução informacional, está na base das transformações ocorridas principalmente no último quartel do século XX. [André] Gorz chama a atenção para a diferença dessas tecnologias em relação àquelas que proporcionaram o surgimento da revolução industrial. A revolução informacional é ao mesmo tempo poupadora de trabalho, de tempo de produção e maximizadora da produtividade. E isso faz toda a diferença, quando são apropriadas unilateralmente pelo capital. A sociedade do pleno emprego acabou e não voltará mais”. (1)O trabalho “precário” se apresenta de muitas formas e tem crescido em uma proporção mais ou menos direta com a redução das formas de trabalho consideradas “estáveis”. O trabalho formal, em tempo integral, e por prazo indeterminado, tem cedido espaço ao trabalho “informal”, em tempo parcial ou por prazos determinados.Em todos esses casos, existe uma substancial redução no nível de renda e nos benefícios sociais obtidos pelos trabalhadores. O que estaria pro detrás dessa tendência aparentemente irreversível?A primeira consideração que devemos fazer é a diferença entre “emprego” e “trabalho”. O primeiro corresponde a uma relação social entre seres humanos livres. Quem é “empregado” é empregado de “alguém” e em princípio, por sua livre vontade. Já “trabalho” é um conceito que pode ser aplicado a escravos, animais e máquinas. Um escravo trabalha mas não é empregado, isso porque não tem escolha. Sua relação com o seu senhor não é livre, e isso tem implicações fundamentais em relação ao número de horas que ele não trabalha, como veremos a seguir.Um animal ou uma máquina não são seres dotados de vontade própria e portanto, a decisão de executar ou não uma tarefa, jamais lhes pertence. Isso também é muito importante. O que definimos como “trabalho estável” na verdade sempre se confundiu com o conceito de “emprego”. Dentro desse paradigma, podemos estender a idéia de que “emprego” é uma relação em que o empregado fica “a disposição” do empregador. Nesse caso, ele não vende necessariamente sua “força de trabalho”, mas sim o seu “tempo”.Se estivermos tratando de tarefas simples, da agricultura não mecanizada ou dos primórdios da era industrial por exemplo, não existe diferença visível entre uma coisa e outra. A menos que surgisse uma situação fora de seu controle (quebra da máquina, falta de matéria prima, etc), o empregado sempre estaria transformando seu “tempo” em “trabalho”. Mas isso começa a deixar de ser verdade à medida que as tarefas e as funções tornam-se cada vez mais complexas e especializadas. Ocorre que a relação social que chamamos de “emprego”, era então a forma eminentemente predominante para se negociar “trabalho” (fora apenas às atividades claramente artesanais). Agora o empregador devia “empregar” um técnico, um especialista ou um burocrata de forma a poder obter dele o trabalho de que necessitava. Em outras palavras, ele tem de comprar todo o “tempo” que o profissional tem disponível. Isso não significa que todo o tempo assim “comprado” pelo empregador seja efetivamente utilizado. Mais importante ainda, não significa que a “qualidade” do trabalho produzido durante o “tempo” adquirido pelo empregador seja uniforme.Por exemplo: Se alguém contrata um engenheiro em tempo integral, isso não significa que ele irá “trabalhar” o tempo todo que durar o seu “expediente” remunerado, e nem que ele executará trabalho de engenheiro o tempo todo.A contratação do engenheiro significa apenas que um profissional, com essas qualificações, esta agora “disponível” por um certo número de horas semanais. Nada impede que essa pessoa passe várias horas do dia sem fazer nada de “produtivo”, ou que boa parte do seu tempo seja dedicado a um trabalho que não exige as qualificações pela qual ele está sendo pago.Isso se devia especialmente as limitações tecnológicas. O empregado especializado devia se mudar pelo menos para a mesma cidade onde trabalharia. Além disso, devia se encarregar da parte “rotineira” de seu trabalho, pois não havia quem a fizesse por ele.Nesse caso, o trabalho “especializado” passou a envolver duas componentes de “tempo”. Uma representando o trabalho criativo e dependente das reais qualificações do profissional e outra representada pelo trabalho “rotineiro” somado aos “tempos de espera” onde o profissional simplesmente não pode atuar.O trabalho “rotineiro” é aquele em que o profissional executa tarefas úteis mas que exigiriam qualificações muito abaixo das suas (analistas de sistemas instalando programas, médicos preenchendo fichas, engenheiros desenhando peças, sociólogos preenchendo planilhas, economistas montando estatísticas, etc). Os “tempos de espera” são aqueles em que a função do profissional tem de ser “inserida” apenas dentro de uma seqüência pré-determinada (comandantes de aeronaves que aguardam instruções da torre de controle, cirurgiões que aguardam os procedimentos do anestesista, etc). Na verdade, podemos ter uma combinação dos dois “tempos” mesmo em funções bem menos sofisticadas (vendedores que são obrigados a preencher formulários de pedidos e aguardar a confirmação da disponibilidade dos itens, operadores de empilhadeiras que aguardam a manobra de caminhões e no final do dia devem preencher papeletas de controle, etc).Em todos esses casos, alem do trabalho realmente especializado, existem as parcelas de “tempo de espera” e a de “trabalhos de rotina” que tem um custo muito elevado, já que são pagos pelo “valor de mercado” do profissional. Um operador de um “super guindaste” não aceitaria ser pago com o valor de um “auxílio desemprego” enquanto aguarda a preparação da peça que deverá mover, sob a alegação de que afinal ele “não está fazendo nada”. Um projetista de aviões não aceitaria ser pago como desenhista, nas horas em que está preparando sua apresentação de um novo modelo. (Trabalho que ele mesmo tinha de fazer, já que os desenhistas profissionais não teriam no que se basear).Assim, não é de estranhar que as novas tecnologias procurem eliminar esses “tempos mortos” ou no mínimo “caros demais”. Essa é a chave para se entender as bases da “reestruturação produtiva” da economia contemporânea.As novas tecnologias de informação e telecomunicações, juntaram-se, colaboraram e foram beneficiadas pelas continuas reduções de custos nos transportes terrestres, marítimos e aéreos, bem como na difusão generalizada de conhecimentos e na padronização e integração de vários sistemas de produção de bens e serviços. Todos esses fatores reunidos, tornaram viáveis propostas que em si não tem nada de novo, apenas eram inviáveis do ponto de vista econômico e tecnológico. Por exemplo, é só imaginar transferir todo o setor de confecção de uma empresa britânica para a China na época do telégrafo e dos navios a vapor. Ou enviar todas as tomografias computadorizadas de um grande hospital norte-americano para serem examinadas e receberem parecer de médicos hindus através do sistema de “radiofotos” dos anos 50. Tudo isso seria ou muito caro ou simplesmente impraticável.Mas nos dias atuais, uma grande empresa aérea dos EUA, transferiu todo o seu sistema de reservas de passagens para donas de casa, que executam essas tarefas enquanto cozinham e cuidam de bebês.Uma equipe de mergulhadores, especializados em reparações em plataformas de petróleo pode executar seu trabalho no golfo do México hoje, e estar pronta para executar o mesmo trabalho no litoral do Rio de Janeiro alguns dias depois.Um grupo de consultores financeiros pode analisar e sanar falhas nas finanças de empresas que jamais verão, e dar conselhos sobre investimentos para empresários que jamais conhecerão pessoalmente.Essas e outras “proezas” são fruto da tecnologia e não de políticas governamentais, do “triunfo do mercado” (como quer a “direita”) e nem um novo e terrível paradigma de “super exploração” do proletariado (como quer a “esquerda”).Tudo isso tem um objetivo só: Eliminar tanto quanto possível, a parcela de “tempo” em que profissionais, especializados ou não, permanecem inativos ou executando tarefas abaixo de suas qualificações (e respectiva remuneração).Por exemplo: Maquinas com controle numérico computadorizado em indústrias metalúrgicas eliminam a necessidade de haver um operador por máquina, permitindo que até 5 máquinas sejam “supervisionadas” ao mesmo tempo por um único operador. Os bancos de dados de computadores eliminam a necessidade de profissionais de “colarinho-branco” coletarem e organizarem informações.As comunicações “on-line” permitem que gerentes de bancos, promotores de vendas, ou corretores de seguros, atendam um número muito maior dec clientes. Isso porque em todos esses casos, elimina-se o “tempo de espera” ao mesmo tempo em que desaparece a necessidade de profissionais qualificados executem trabalho de rotina.Na prática, numa economia moderna, existem poucas atividades onde o “tempo de espera” e o “tempo caro demais” não possam ser muito reduzidos. Isso se aplica até a atividades onde os salários são baixos. Modernos sistemas integrados de alarmes e câmeras podem reduzir em muito a necessidade de guardas de segurança. O uso de “logística” informatizada na contratação e distribuição de pessoal, no esquema “just-in-time” (as pessoas certas na hora certa), triplica o “rendimento” de faxineiras a empregados em manutenção.Mas toda essa eficiência tem um preço. Ocorre que as pessoas não podem viver de forma decente apenas com o que recebem com o seu “trabalho” realmente especializado, pago apenas no momento em que são necessários.De inicio, pensava-se que a expansão da capacidade produtiva corresponderia a uma expansão correspondente da demanda, o que levaria apenas a uma melhora na “qualidade” dos empregos. Mais não foi isso o que aconteceu.Na prática, o que se viu foi uma brutal redução no “emprego” sem redução do “trabalho”. Isso se deve ao fato de agora, com as novas tecnologias, as empresas só precisam pagar o “tempo realmente qualificado” e apenas nos períodos quando ele é necessário. O resultado é o trabalhador precário.Vem daí o que Huw Beynon chama de “Hyphenated workers” (trabalhadores hifenizados) para se referir aos “par-time-workers”, ”temporary-workers”, ”casual-workers”, ”self-employed-workers”, etc.(2)Todas essas relações precárias derivam essencialmente da capacidade tecnológica das empresas de eliminar cada vez mais “empregos” -que estabelecem vínculos “sociais” independentes da real produtividade- e reduzir a atividade contratada apenas ao “trabalho” realmente necessário.As conseqüências políticas e sociais, em longo prazo, são absolutamente imprevisíveis. Notas: (1) “Pelo êxodo da sociedade salarial. A evolução do conceito de trabalho em André Gorz” - Autor: André Langer - 27 de agosto, 2004.Disponível em: http://www.vinculando.org/brasil/conceito_trabalho/index.htmlAceso em 30/11/2006(2) “Os sentidos do Trabalho” – Ricardo Antunes – São Paulo, 1999, Boitempo, Pág. 72.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

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