Tanto as subidas como as descidas do dólar parecem trazer sempre consequências negativas para as outras economias. Tal situação prende-se com a posição única, pelo menos por agora assumida, de moeda de pagamento internacional e moeda de reserva, um «privilégio exorbitante», que desde o fim da Segunda Guerra Mundial praticamente nunca foi posto em causa.
JULHO DE 1944. Tudo é urdido entre 22 de Julho de 1944, durante a primeira Conferência Financeira Internacional das Nações Unidas, reunida em Bretton Woods, uma pequena cidade de New Hampshire (Estados Unidos). São criadas duas instituições: o Fundo Monetário Internacional (FMI) [1] e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que virá a ser o Banco Mundial. Segundo o novo sistema monetário, cada Estado devia assegurar a convertibilidade da sua moeda e uma paridade fixa em ouro ou em dólares americanos, com uma margem de flutuarão de 1 por cento. De facto, o sistema consagra o poderio dos Estados Unidos e do dólar, tanto mais que a União Soviética, o segundo grande vencedor da guerra, se contentou em enviar um observador – económica e financeiramente, o país não está em condições de funcionar como contrapeso e decide não participar no sistema.
O espaço do dólar alarga-se com as ajudas financeiras à reconstrução na Europa – o chamado Plano Marshall. Os Estados Unidos multiplicam os investimentos no estrangeiro (menos de 10 mil milhões em 1946, 19 mil milhões em 1950, e 40 mil milhões em 1959) e colmatam o défice da balança dos pagamentos emitindo moeda. Contudo, na década de 1960, a situação é alterada com as necessidades de financiamento ligadas à Guerra do Vietname e o aumento do poderio industrial da Alemanha e do Japão. Desde 1961, é organizado um pool do ouro com os principais bancos centrais, que nessa altura mantêm a cotação do dólar em 35 dólares a onça, comprando em caso de baixa e vendendo em caso de subida. São os países terceiros que se encarregam da paridade fixa da nota verde. A França retira-se do pool em 1967 e, um ano mais tarde, é criado um duplo mercado: flutuante para os particulares e fixo (em 35 dólares por onça de ouro) para os bancos centrais.
15 DE AGOSTO DE 1971. O presidente americano Richard Nixon anuncia a supressão total da convertibilidade do dólar em ouro. Este golpe de força monetária ocorre depois do fracasso de uma série de decisões que procuravam fazer face ao enfraquecimento do dólar. Passam a existir mais notas verdes para as reservas do que ouro no Banco Central americano. A não convertibilidade do dólar leva imediatamente a uma reavaliação do marco (e do iene). O que desequilibra a serpente monetária europeia, criada em 1972 para manter estreitas margens de flutuação entre as moedas. Em 1973, a flutuação das moedas generaliza-se.
JANEIRO DE 1976. Os Acordos da Jamaica assinalam o fim do sistema de paridade fixa e do padrão‑ouro. O dólar, que valia 5,5 francos em 1971, já só vale cerca de 4. Esta derrapagem, que num primeiro tempo permitira aos americanos exportar mais mercadorias e conquistar partes de mercado, deixa de cumprir esse papel. Os défices americanos acumulam-se, não se registando a esperada recuperação.
13 DE MARÇO DE 1979. Criação do sistema monetário europeu (SME) para reduzir as margens de flutuação das moedas europeias entre si. Ao mesmo tempo – e sem qualquer ligação directa com a criação do SME –, a Reserva Federal implanta uma política monetarista de “dólar forte”, entre outros aspectos caracterizada por uma forte subida da taxa de juro (mais de 20 por cento em 1980), o que permite atrair capitais e relançar os investimentos internos. O dólar, que em 1979 valia um pouco mais de 4 francos, aproxima-se dos 10 francos no primeiro trimestre de 1985.
SETEMBRO DE 1985. Depois das primeiras crises ligadas à dívida externa (na América Latina) e das sucessivas falências das caixas de poupança americanas, os Acordos do Plaza (do nome do hotel em Nova Iorque onde se reuniram os grandes financeiros dos cinco países mais ricos) procuram fazer baixar o dólar de maneira concertada, através da diminuição das taxas de juro americanas e da venda de dólares pelos bancos centrais – que como o compraram a alto preço pagam a factura... O dólar torna a baixar.
No entanto, a desregulamentação financeira acelera-se (liberalização dos movimentos de capitais...) e as crises multiplicam-se: crash dos junk bonds nos Estados Unidos (1989), crise monetária na Europa, desvalorização do franco e da lira, saída da libra esterlina do SME (1992-1993), crises mexicana, argentina (1994)..., e crises asiáticas (1997). O Japão propõe então a criação de uma zona monetária asiática, mas é obrigado a renunciar: a China é demasiado frágil e os Estados Unidos, através do FMI, vetam a ideia.
1 DE JANEIRO DE 1999. Lançamento do euro, que substitui as moedas nacionais dos países da União Europeia a 1 de Janeiro de 2002. Segundo a lógica do Tratado de Maastricht (1992), o objectivo é criar um “euro forte”, à imagem do dólar forte da década de 1980. A queda do dólar faz com que o euro registe uma enorme subida e enfraquece um crescimento europeu já reduzido devido à anemia salarial e à desregulamentação social.
Depois de a China e a Argentina terem reduzido as suas reservas cambiais em dólares em benefício do euro, a Coreia do Sul anunciou, a 21 de Fevereiro de 2005, através do seu Banco Central, a intenção de «diversificar a carteira de divisas». Isso originou uma queda imediata da nota verde, levando os dirigentes coreanos a matizar a proposta feita. A Coreia do Sul é o quarto país – atrás do Japão, da China e de Taiwan – em termos de reservas em dólares.
[1] Em 2004, os Estados Unidos detinham no FMI 17 por cento dos direitos de voto; os países da União Europeia dispunham de 30 por cento dos votos, o que representa mais do que a minoria de bloqueio, se a quiserem utilizar.
Martine Bulard
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo206.htm
JULHO DE 1944. Tudo é urdido entre 22 de Julho de 1944, durante a primeira Conferência Financeira Internacional das Nações Unidas, reunida em Bretton Woods, uma pequena cidade de New Hampshire (Estados Unidos). São criadas duas instituições: o Fundo Monetário Internacional (FMI) [1] e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que virá a ser o Banco Mundial. Segundo o novo sistema monetário, cada Estado devia assegurar a convertibilidade da sua moeda e uma paridade fixa em ouro ou em dólares americanos, com uma margem de flutuarão de 1 por cento. De facto, o sistema consagra o poderio dos Estados Unidos e do dólar, tanto mais que a União Soviética, o segundo grande vencedor da guerra, se contentou em enviar um observador – económica e financeiramente, o país não está em condições de funcionar como contrapeso e decide não participar no sistema.
O espaço do dólar alarga-se com as ajudas financeiras à reconstrução na Europa – o chamado Plano Marshall. Os Estados Unidos multiplicam os investimentos no estrangeiro (menos de 10 mil milhões em 1946, 19 mil milhões em 1950, e 40 mil milhões em 1959) e colmatam o défice da balança dos pagamentos emitindo moeda. Contudo, na década de 1960, a situação é alterada com as necessidades de financiamento ligadas à Guerra do Vietname e o aumento do poderio industrial da Alemanha e do Japão. Desde 1961, é organizado um pool do ouro com os principais bancos centrais, que nessa altura mantêm a cotação do dólar em 35 dólares a onça, comprando em caso de baixa e vendendo em caso de subida. São os países terceiros que se encarregam da paridade fixa da nota verde. A França retira-se do pool em 1967 e, um ano mais tarde, é criado um duplo mercado: flutuante para os particulares e fixo (em 35 dólares por onça de ouro) para os bancos centrais.
15 DE AGOSTO DE 1971. O presidente americano Richard Nixon anuncia a supressão total da convertibilidade do dólar em ouro. Este golpe de força monetária ocorre depois do fracasso de uma série de decisões que procuravam fazer face ao enfraquecimento do dólar. Passam a existir mais notas verdes para as reservas do que ouro no Banco Central americano. A não convertibilidade do dólar leva imediatamente a uma reavaliação do marco (e do iene). O que desequilibra a serpente monetária europeia, criada em 1972 para manter estreitas margens de flutuação entre as moedas. Em 1973, a flutuação das moedas generaliza-se.
JANEIRO DE 1976. Os Acordos da Jamaica assinalam o fim do sistema de paridade fixa e do padrão‑ouro. O dólar, que valia 5,5 francos em 1971, já só vale cerca de 4. Esta derrapagem, que num primeiro tempo permitira aos americanos exportar mais mercadorias e conquistar partes de mercado, deixa de cumprir esse papel. Os défices americanos acumulam-se, não se registando a esperada recuperação.
13 DE MARÇO DE 1979. Criação do sistema monetário europeu (SME) para reduzir as margens de flutuação das moedas europeias entre si. Ao mesmo tempo – e sem qualquer ligação directa com a criação do SME –, a Reserva Federal implanta uma política monetarista de “dólar forte”, entre outros aspectos caracterizada por uma forte subida da taxa de juro (mais de 20 por cento em 1980), o que permite atrair capitais e relançar os investimentos internos. O dólar, que em 1979 valia um pouco mais de 4 francos, aproxima-se dos 10 francos no primeiro trimestre de 1985.
SETEMBRO DE 1985. Depois das primeiras crises ligadas à dívida externa (na América Latina) e das sucessivas falências das caixas de poupança americanas, os Acordos do Plaza (do nome do hotel em Nova Iorque onde se reuniram os grandes financeiros dos cinco países mais ricos) procuram fazer baixar o dólar de maneira concertada, através da diminuição das taxas de juro americanas e da venda de dólares pelos bancos centrais – que como o compraram a alto preço pagam a factura... O dólar torna a baixar.
No entanto, a desregulamentação financeira acelera-se (liberalização dos movimentos de capitais...) e as crises multiplicam-se: crash dos junk bonds nos Estados Unidos (1989), crise monetária na Europa, desvalorização do franco e da lira, saída da libra esterlina do SME (1992-1993), crises mexicana, argentina (1994)..., e crises asiáticas (1997). O Japão propõe então a criação de uma zona monetária asiática, mas é obrigado a renunciar: a China é demasiado frágil e os Estados Unidos, através do FMI, vetam a ideia.
1 DE JANEIRO DE 1999. Lançamento do euro, que substitui as moedas nacionais dos países da União Europeia a 1 de Janeiro de 2002. Segundo a lógica do Tratado de Maastricht (1992), o objectivo é criar um “euro forte”, à imagem do dólar forte da década de 1980. A queda do dólar faz com que o euro registe uma enorme subida e enfraquece um crescimento europeu já reduzido devido à anemia salarial e à desregulamentação social.
Depois de a China e a Argentina terem reduzido as suas reservas cambiais em dólares em benefício do euro, a Coreia do Sul anunciou, a 21 de Fevereiro de 2005, através do seu Banco Central, a intenção de «diversificar a carteira de divisas». Isso originou uma queda imediata da nota verde, levando os dirigentes coreanos a matizar a proposta feita. A Coreia do Sul é o quarto país – atrás do Japão, da China e de Taiwan – em termos de reservas em dólares.
[1] Em 2004, os Estados Unidos detinham no FMI 17 por cento dos direitos de voto; os países da União Europeia dispunham de 30 por cento dos votos, o que representa mais do que a minoria de bloqueio, se a quiserem utilizar.
Martine Bulard
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo206.htm
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