No dia 12 o Miguel Caetano criticou uma proposta para substituir todos os direitos de autor por uma única licença de transmissão digital (1). Concordo que não seria prático licenciar cada utilizador de redes de partilha, mas penso que há duas objecções mais fundamentais: a natureza do conteúdo digital, e o propósito dos direitos de autor.
Um quadro igual a outro é uma cópia. Mas «um rectângulo azul pantone 266, com 13,2 cm de altura por 28,6 cm de largura...» é uma descrição, e por muito detalhada que seja não é uma cópia do que descreve. No copyright digital temos que ignorar esta distinção. Digitalizar é calcular uma descrição numérica, não é copiar nem converter, e temos que estender a protecção às descrições das descrições, numa recursividade infinita. Enquanto o ficheiro mp3 descreve a música, o ficheiro zip do mp3 descreve o ficheiro mp3 e não a música. E isto é só parte do problema.
É fácil ver que «rectângulo azul...» descreve uma imagem e «blaofot8 90 jfakdjf...» não descreve nada. A forma natural de interpretar um texto permite determinar o seu significado. Com sequências de números nem isto temos. Uma sequência como «10010101101101...» significa o que quisermos e pode descrever qualquer coisa. Sendo impossível especificar que sequências se pode ou não transmitir, não faz sentido regular a transmissão de informação digital.
Por outro lado, o licenciamento não serve para fomentar a criatividade, mas para custear a distribuição. A investigação científica, a filosofia, a matemática, até a culinária, não têm qualquer forma de licenciamento. Até nas patentes, o que é não é a ideia, mas apenas a sua aplicação comercial. A ideia patenteada é do domínio público.
O licenciamento de obras artísticas no inicio do século passado foi uma forma de subsidiar a produção e distribuição de livros, gravuras, pautas, e eventualmente filmes e discos. Tal como antes do século XX, também agora isto é desnecessário, e não há razão para que os artistas tenham que ganhar a vida de forma diferente de um biólogo, matemático, professor, ou cozinheiro.
A sociedade deve incentivar a criatividade artística, e a melhor maneira é fazê-lo como o faz noutras áreas: financiado o ensino e a prática das artes sem conceder direitos exclusivos que acabam por prejudicar a divulgação, adaptação, e a própria criatividade.
1- Miguel Caetano, 12-2.07, Uma licença global para o “mercado” da música digital
Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/
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