O novo paradigma tecnológico de produção, baseado nos computadores e robôs, e nas técnicas gerenciais desenvolvidas pela Toyota, escapa às possibilidades de analise pela teoria marxista.
Já em várias ocasiões procuramos mostrar que o novo paradigma tecnológico de produção capitalista da “era da informação” causa uma irreversível decadência da classe trabalhadora. Em muitos casos isso não parece ser entendido nem por neoliberais e nem por neomarxistas.
É fácil compreender que os neoliberais procurem se esquivar de explicar um sério problema para o qual o mercado não parece oferecer soluções. Mas é no mínimo estranho que os neomarxistas também não vejam as coisas dessa maneira. Por que ambos os lados parecem concordar em que a tecnologia não pode criar desemprego crônico em longo prazo?
O problema todo está na própria evolução do sistema capitalista de produção. No período em que as teorias clássicas da economia como as de Adam Smith e David Ricardo, por exemplo, foram elaboradas, incluindo-se a crítica de Karl Marx, e até meados do século 20, a produção capitalista se caracterizava por incrementos constantes de produção e crescimento quase que ilimitado dos mercados.
Os períodos de crise não eram vistos como situação normal e era muito rara a sua persistência por longos anos. A crise de 1929, devido a sua envergadura e prolongamento, desencadeou a segunda guerra mundial o que, ironicamente, foi o motivo de sua superação.
Mas nos anos de 1970, a crise gerada pelos sucessivos aumentos dos preços do petróleo, gerou uma longa estagnação na economia mundial. Nesse caso, toda uma nova maneira de operação e gerenciamento da economia capitalista passou a ser desenvolvida com vistas à adaptação ao novo cenário.
Superada a crise do petróleo, a globalização da economia criou novos desafios para as grandes corporações. A relativa saturação dos mercados levou a corrosão da viga mestra das estratégias convencionais: A produção em escalas cada vez maiores como meta única a ser atingida.
O cenário agora é de um crescimento muito mais lento da atividade econômica. Menores restrições para a ampliação dos mercados são compensadas pelo surgimento de uma feroz competição a nível global o que reduz em muito as margens de lucro. Além disso, o mercado financeiro, sem as antigas restrições e controles, torna menos atrativo o investimento produtivo.
A quebra desse paradigma tem conseqüências fatais para a validade das interpretações tradicionais da economia política. Significa que a eficiência de uma empresa não é mais associada diretamente a sua capacidade de produzir bens na maior quantidade possível. O objetivo passa a ser produzir apenas o necessário no momento certo.
Ao primeiro objetivo, podemos associar todo um modo de pensamento que se materializou com Henry Ford e sua linha de montagem. Ao segundo, a fabrica da Toyota, mais precisamente ao engenheiro Taiichi Ohno e seu sistema, que se baseia na “autonomação” e no “just-in-time”.
Em outras palavras, temos de diferenciar o “Fordismo” do “Toyotismo” porque tanto as teses neoliberais como as neomarxistas, somente são capazes de interpretar corretamente o primeiro “sistema”.
A razão dessa limitação é simples: O fordismo é orientado para a máxima produção, enquanto o toyotismo tem seu foco numa produção flexível. No fordismo o lucro é determinado levando-se em conta o maior número possível de unidades vendidas enquanto no toyotismo, o lucro vem da redução obsessiva dos custos.
Nesse caso, a principal questão é reavaliar os efeitos da automação sobre a relação entre capital e trabalho. Sabemos que os economistas clássicos, com exceção de David Ricardo, afirmavam que toda a maquinaria que desloca trabalhadores sempre libera, simultânea e necessariamente, capital adequado para empregar esses mesmos trabalhadores.
Essa seria a “Teoria da Compensação” que foi veementemente criticada por Ricardo e depois por Karl Marx. Ricardo chega a afirmar que: “A opinião mantida pela classe trabalhadora, de que o emprego da maquinaria é freqüentemente prejudicial aos seus interesses, não é fundada em preconceito ou em erro, mas conforme os princípios corretos da economia política”. (1)
Mas em seguida, Ricardo tem o cuidado de ressalvar que: “As afirmações que fiz não levarão, espero, à conclusão de que o uso da maquinaria não deve ser encorajado. Para elucidar esse princípio, eu supus que a maquinaria aperfeiçoada é repentinamente descoberta e usada extensivamente”.(2)
Marx por outro lado, afirma que “Embora a maquinaria necessariamente desloque trabalhadores nos ramos de atividade em que é introduzida, pode, no entanto, suscitar aumento da ocupação em outros ramos. Esse efeito nada tem a ver, no entanto, com a assim chamada Teoria da Compensação”.(3)
Isso significa que ambos aceitam que a mecanização em si não poderá jamais “excluir” o operário do processo de produção. Ricardo porque considera a impossibilidade de aperfeiçoamentos serem “repentinamente” descobertos e usados “extensivamente” e Marx porque considera, como os neoliberais contemporâneos, que os empregos logo aparecerão em outros setores da economia.
De fato, Marx vê enormes possibilidades de geração de empregos não só porque a produção mecanizada em maior escala “aumenta a procura de trabalho nos ramos ainda artesanais ou manufatureiros em que entra o produto da máquina”.(4) Mas porque, alem disso, ele acreditava que muitos empregos iriam surgir “em ramos totalmente novos” como as usinas de gás, telegrafia, fotografia, navegação a vapor, sistema ferroviário, etc.
O fato desses “ramos totalmente novos” virem a serem completamente automatizados, não poderia ocorrer a alguém do século 19. Também era muito difícil imaginar o total desaparecimento de “ramos artesanais” em qualquer ponto das cadeias produtivas.
Marx afirma mesmo que “a divisão do trabalho é entendida por escritores do período manufatureiro preponderantemente como meio virtual de se substituir trabalhadores, mas não de deslocar de fato trabalhadores”.(5)
Em outras palavras, o aumento da produtividade se dá muito mais sobre um número “virtual” de trabalhadores que não são necessários do que sobre a eliminação de trabalhadores reais. Por exemplo: Se uma máquina pode fazer o trabalho de 100 tecelões, não significa necessariamente que o empregador irá demitir 100 tecelões. Significa apenas que a máquina substitui 100 tecelões “virtuais”. Marx observa que se a quantidade de algodão produzida em sua época, fosse fabricada de modo artesanal, o número de operários necessário seria muito maior do que o da população da Inglaterra!
Nesse ponto, Marx estava perfeitamente de acordo com os futuros “fordistas”. O crescimento da produção com a automação e a racionalização das linhas de montagem, não geram nenhum desemprego. Apenas os mesmos operários passam a produzir muito mais. O número de trabalhadores permanece o mesmo, e em longo prazo, com o aumento da riqueza geral e das necessidades de mais produção, novos operários serão necessários.
Tudo isso ocorre porque a produção sempre cresce. Tudo o que se produz é vendido imediatamente. Os lucros são obtidos sobre escalas cada vez maiores de vendas. Ou dito de outra forma, o objetivo da máquina é unicamente o de aumentar o número de unidades fabricadas. Seu custo será diluído em tantas unidades que se tornará irrelevante.
Mas, e se a produção não deve crescer? E se o mercado fica saturado de bens de consumo e o consumidor passa a exigir produtos diversificados e personalizados? E se nem tudo o que se produz se vende? Ai toda essa lógica se desintegra.
É onde entra em cena o toyotismo. A idéia agora e produzir em pequenas quantidades ao menor custo possível. Nesse novo modo de encarar a produção, o lucro não vem de enormes volumes de vendas, mas da redução obsessiva de “desperdícios” na produção.
A máquina agora não irá mais substituir operários “virtuais”, já que seu objetivo não é multiplicar a força ou a velocidade do operário para produzir em grande escala. Agora ela terá de substituir o próprio operário que é de longe, a maior fonte de custos.
Vejamos o que diz Taiichi Ohno, o próprio criador do “toyotismo”: “...o Japão viu as médias de renda nacional subirem acentuadamente e viu diminuir a vantagem anterior de custos de produção baseados em baixos salários. Por essas razões, os empresários apressaram-se para automatizar”.(6)
Mas é claro que não foram bem sucedidos no inicio, porque não tinham entendido a nova realidade e confundiam “poupar mão-de-obra” com “poupar operários”. No primeiro caso, as máquinas apenas facilitam as tarefas dos operários – o que só tem sentido como forma de aumentar a produção – no segundo elas os eliminam e, é esse o real objetivo.
“Na verdade, sempre digo que a produção pode ser feita com metade dos operários” – Essa é uma das divisas de Ohno. A outra é que matérias primas e peças só devem ser compradas, fabricadas, transportadas e postas a disposição de um processo “no momento e apenas no momento” em que são necessárias. Trata-se do “just-in-time”.
É por isso que Ohno diferencia “automação” de “autonomação”. Para ele, a primeira expressão é restrita ao fordismo porque uma máquina “automática” não elimina a necessidade de um operador. Já “Autonomação significa a transferência de inteligência humana para uma máquina”.(7)
Em outras palavras, automação sem eliminação de postos de trabalho é inútil. “Se a automação está funcionando bem, ótimo. Mas se ela é utilizada simplesmente para permitir que alguém fique a vontade, então ela é muito cara”.(8)
Resumindo, os robôs e computadores, não devem ser usados para que operários “fiquem a vontade” e sim para eliminar o maior número possível deles. Se uma máquina, por mais sofisticada que seja, precisa de um operador, então ela não é “autônoma” e por isso não satisfaz a condição de “autonomação”.
Por outro lado, a produção deve ser apenas o suficiente para gerar lucros. Embora seja “desejável”, pouco importa se a riqueza total da sociedade aumenta. Na verdade mesmo que diminua, a contínua eliminação de desperdícios (incluindo-se, é claro, os empregados), garantirá a rentabilidade da empresa.
Estendendo-se esses conceitos à economia global, percebemos que estamos lidando com um paradigma totalmente diferente daquele conhecido por Smith, Ricardo ou Marx. É preciso, portanto, uma profunda reavaliação mesmo sobre a mínima validade ou utilidade de suas teorias – e das que são diretamente baseadas nelas – perante a realidade contemporânea.
(1) “Princípios de economia política e tributação” – David Ricardo - “Os Pensadores” - Abril Cultural – Vol. XXVIII – pág. 342.
(2) Idem, pág. 344.
(3) “O Capital” – Karl Marx – Abril Cultural - Vol I – Tomo 2 – pág. 57.
(4) Idem, pág. 58.
(5) Idem, pág. 47.
(6) “O Sistema Toyota de Produção – Além da Produção em Larga Escala” – Taiichi Ohno – Bookman – pág. 122
(7) Idem, pág. 129.
(8) Idem, pág. 82.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
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