quinta-feira, fevereiro 22, 2007

A crença na ciência

O leitor Pensar Custa (1) criticou a minha descrição da ciência como sendo um método «de gerar e aperfeiçoar crenças que correspondam à realidade». Pensar Custa sugeriu:

«diria talvez que seja um método de aperfeiçoar a explicação e o domínio da realidade. [...]A ciência não tem nada a ver com acreditar, ela não precisa que acreditemos nela. Apenas tem que funcionar, de permitir gerar novo conhecimento.»

Reconheço que fui desleixado, e dou razão ao leitor. E agradeço a desculpa para abordar este tema que acho importante.

É verdade que a ciência não precisa de crenças. São até um empecilho, porque acreditar numa explicação dificulta a avaliação imparcial das alternativas (e temos sempre que considerar alternativas, senão não é ciência, é engano). Também é verdade que a ciência não se caracteriza por uma crença em particular. E, em rigor, a ciência não exige que acreditemos na melhor explicação.

Mas a ciência tem que «permitir gerar novo conhecimento», e aí entra a crença. Contradigo-me se digo que sei que o teatro está a arder mas que não acredito que o teatro esteja a arder. Se não acredito, então não sei. Desconfio, talvez, mas não tenho conhecimento se não o tiver como verdadeiro. Mais, se a ciência me indica uma explicação como superior às outras, é mau uso do método acreditar numa alternativa inferior. Perdi tempo inutilmente e fiquei sem poder gerar novo conhecimento por escolher um caminho que provavelmente está errado. Quando a melhor explicação diz que a Terra tem milhares de milhões de anos não faz sentido acreditar que foi criada por milagre na terça-feira passada. Finalmente, a ciência gera modelos úteis, que permitem prever e controlar a natureza. Estes modelos são demasiado complexos e sofisticados para que sejam úteis por mero acaso. A explicação mais razoável para a utilidade dos modelos científicos é que são, pelo menos em parte, verdadeiros. Se aceitamos que são verdadeiros então acreditamos neles.

Mas é preciso cuidado com o termo «crença», pela conotação com algo definitivo que não admite refutação. As crenças que a ciência nos dá são provisórias, e foi falha minha não distinguir estes dois sentidos. Mas com esta ressalva posso dizer que a ciência serve para gerar crenças. Crenças questionáveis, sujeitas a revisão, mas que o processo garante serem explicações úteis obtidas de forma adequada. Ou seja, crenças que são conhecimento.

Em contraste cada religião é uma crença que se pretende irrefutável. Para isso tem que se isolar da realidade e perder qualquer utilidade como explicação. Essa é a crença que é fé.

Deixo no ar a questão do que é explicação, mas vem mesmo a calhar. Estou a acabar mais um texto para a miscelânea criacionista, sobre isso. Não percam o próximo episódio.

1- Pensar Custa.
2- 17-2-07. Miscelânea Criacionista: A Ciência é uma Fé. (ver comentários).
Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/

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