Nas suas declarações recentes ao Jornal de Letras, o secretário de Estado Valter Lemos invoca, questão sim, questão sim, as determinações da Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 (Lei 46/86 de 14 de Outubro), como se tudo o que o ME tem feito recentemente fosse de acordo com a LBSE e fosse como que um retorno à pureza de tal legislação fundadora e putativa mãe de um sistema educativo excelente, não tivesse sido desvirtuada por uma posterior prática maléfica.
Ora, para não nos surpreender e começar a argumentar de forma rigorosa, o secretário de Estado parece ignorar que a lei foi alterada em 1997 (Lei 115/97 de 19 de Setembro) ou então pura e simplesmente não conhece ou não apreendeu verdadeiramente o significado de boa parte do seu articulado. Exemplifiquemos com apenas duas situações:
1. Em favor de uma espécie de monodocência no 2º CEB - a tal treta do professor generalista - invoca a LBSE, mas parece desconhecer que o que lá está escrito (artigo 8º, nº 1) é que «no 2º ciclo, o ensino organiza-se por áreas interdisciplinares de formação básica e desenvolve-se predominantemente em regime de professor por área». De onde VLemos retirou desta passagens as ilações de que aqui se propõe (ou sequer se concebe) a existência um professor único ou que o 2º CEB é uma mera extensão do 1º CEB, não sei, pois no nº 2 do mesmo artigo se explicita com clareza que «a articulação entre os ciclos obedece a uma sequencialidade progressiva, conferindo a cada ciclo a função de completar, aprofundar e alargar o ciclo anterior». Como é fácil perceber, e isso ainda é mais óbvio se lermos a caracterização do 2º CEB, a definição de um perfil de professor único para os primeiros seis anos de escolaridade como se eles fossem um único ciclo é uma perfeita e completa contradição com os termos da LBSE a este respeito.
2. Quanto à formação de professores, VLemos volta a invocar a pureza da LBSE e arrisca-se a afirmar que «com a criação das Escolas Superiores de Educação, no pós 25 de Abril, foi desenhado um perfil de docentes comum ao 1º e 2º ciclo». Nesta matéria o secretário de Estado tem toda a obrigação de saber que está a declarar uma coisa que contradiz o que afirma mais adiante (é ele próprio que admite que não podem ser as instituições de ensino que formam professores a pressionar o ME para alterar os currículos do Ensino Básico ou o perfil de habilitações para a docência, pelo que a criação das ESE’s não poderia ter, per se, o efeito que ele afirma), para além de que é perfeitamente contrária à tão evocada LBSE, em especial ao seu artigo 31º. Aliás é claramente afirmado no nº 6 do artigo citado que «a qualificação profissional dos professores de disciplinas de natureza profissional, vocacional ou artística dos ensinos básico ou secundário, pode adquirir-se através de cursos de licenciatura que assegurem a formação na área da disciplina respectiva, complementados por formação pedagógica adequada.» Como é mais do que claro e transparente, o Decreto 43/2007 ignora por completo isto e desrespeita o espírito e a letra da LBSE, ao inverter completamente a sua lógica. Aparentemente, poucos - quase nenhuns? - são os que não se apercebem destas contradições que, nas mãos de juristas medianamente competentes, tornariam o dito Decreto um saco de pancada no sistema judicial, como tem vindo a a contecer em relação à repetição de exames e ao (não) pagamento das aulas de substituição.
Aliás se uma certeza podemos ter da legislação originalmente emanada de determinado sector do actual ME é que a sua formulação jurídica e/ou o seu enquadramento no quadro legislativo em que vivemos são certamente deficientes e incompatíveis com princípios básicos de um Estado de Direito - seja no plano da sobreposição de diplomas com valores jurídicos desiguais, seja pela retroactividade das determinações, seja meramente pelo atentado a garantias constitucionais.
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