Gravidez & Aborto
Histórias da Santa Madre
O país já alguma coisa saberá como irá o processo de euro-integração. E como iremos de euro-interrupção? Por exclusão de partes, neste ponto reflexivo, não nos centraremos em razões médico-psíquicas, riscos de saúde e vida da mulher, malformação do feto, violação e outros crimes sexuais. A nossa legislação já aceita alguns destes motivos, impondo uma barreira entre as doze e as vinte e quatro semanas. Embora mantenha demarcações temporais médias dentro dos meridianos europeus, também aqui subsiste um imperativo de poder: o consentimento dos pais para menores, mesmo em caso de risco da saúde e vida para a mulher, risco de saúde e de vida que também só pode ser legalmente prevenido na gravidez até doze semanas. Um arbítrio, por certo, eliminável numa próxima humanização legislativa. Uma democracia não deve consentir uma tirania paternal, que encubra o risco de aplicação da pena de morte. Faltará mesmo suscitar a inconstitucionalidade desta norma, cuja persistência nos remete para períodos bárbaros. Será outro combate das forças da tolerância.
Foquemos, pois, o panorama da euro-interrupção. Ei-lo, como amostragem: a pedido da mulher, até doze semanas, a interrupção é livre na Alemanha, na Bélgica, na Dinamarca, na Espanha, na Grécia, no Luxemburgo. Por razões económicas e sociais, até doze e vinte e quatro semanas, respectivamente, a interrupção é livre na Itália e na Grã-Bretanha. Por situação intolerável para a mulher, até vinte e quatro semanas, a interrupção é livre na Holanda, onde, já em 1971, foi aprovada uma lei do teor da que, no dia 11, será referendada entre nós. O membro mais irredutivelmente viril da Europa dos Quinze que, até agora, não tem legalmente permitido qualquer tipo de IVG, esteja em causa a vida ou a morte do feto ou da geradora, é a Irlanda, onde uma cerveja ou um uísque valem mais do que o direito a uma infância feliz e uma maternidade responsável. Com os alargamentos da Europa dos Vinte e Cinco, o clube dos fanáticos soma mais dois países-párias: Polónia (onde, não obstante, se permite ao IVG por razões de saúde ) e Malta, ilha-base de cruzadas contra o Islão e os árabes do Médio-Oriente, sob as esporas e os estandartes dos cavaleiros de S. João de Jerusalém/Ordem dos Hospitalários.
Numa vista mais lata pelo mapa europeu (44 países), o Bando dos Quatro emerge como o mais obstinado ou renitente nas coisas da concepção ou da sua interrupção.
Portugal jaz entre ao mais recuados na matéria. Tratemos, pois, em 11 de Fevereiro, também por imperativos de convergência cultural, de nos aproximar da Europa das Mulheres, a quem, durante séculos e séculos, a Igreja negou o direito de ter alma (só se resignou a admiti-lo, sob o ponto de vista das proclamações formais, no séc. XIX), e a quem, ainda agora, nega o direito à consciência quando confrontada com os seus limites. Para os banqueiros, chegará a moeda como projecto de civilização; para o comum dos cidadãos, há outros valores a equacionar, a defender e a reivindicar.
Pelos elementos em presença, Portugal acha-se, pois, na só na periferia geográfica da Europa, integrando-se no Bando dos Quatro, em matéria de consideração pelos valores da família, da criança e da mulher. Pretende-se, pois, no próximo dia 11, introduzir um grau superior de compreensão da condição humana, grau que a generalidade das nações evoluídas já consagrou. Na prática, também os portugueses há muitos anos se pronunciaram pelo Sim à despenalização. Houve um referendo silencioso. Ninguém condena ninguém. Há que rematar o labor do juízo Social com a despenalização teórica, indispensável para fechar o círculo da maldição.
Mas é inadiável encerrar este capítulo negro da nossa democracia. E não é difícil: basta que não abdiquemos de ser racionais, justos e solidários. Em quadra de salve-se quem puder, a pedagogia é árdua mas recompensadora: não devemos desistir de ser humanos.
César Príncipe
http://resistir.info/
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