Os “fundamentalistas de mercado” finalmente vão abandonando seus eufemismos e decretando: modernidade e globalização são inseparáveis da precarização do mercado de trabalho.
Uma das músicas famosas de meus tempos de adolescente, de autoria de Belchior, e tornada inesquecivel pela interpretação de Elis Regina, lamentava o fim do “sonho” e proclamava: “Minha dor é perceber, que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.
Pois a “pimentinha”, se ainda fosse viva, encontraria aliados importantes entre os “fundamentalistas de mercado” para combater essa pavorosa tendência da juventude “burguesa” em vários lugares, sobretudo na França dos dias de hoje.
É o que conclui uma reportagem da revista Veja, de 29 de março de 2006, (pág. 90) em reportagem intitulada “Os mimados de março” que tem como sumário a seguinte afirmação: “Estudantes franceses saem às ruas para exigir empregos estáveis e bem remunerados, como seus pais tiveram”.
Durante todo o período dos “distúrbios” nos subúrbios, motivados pelos impressionantes níveis de desemprego entre os jovens mais pobres e descendentes de imigrantes, a mídia sintonizada com o “fundamentalismo de mercado” se esforçou ao máximo para caracterizar as explosões como problema “racial”, “cultural”, derivado do “fundamentalismo islâmico” e da incapacidade de “assimilação” dos imigrantes aos “valores ocidentais”.
Defendemos de pronto a tese de que tudo não passava de “explosões niilistas” de jovens que viam seu acesso a vida “burguesa”, bloqueada pelo espetacular “sumiço” de empregos, promovido pelas novas tecnologias de informação e telecomunicações, associadas às novas técnicas gerenciais, tendentes ao “enxugamento” das empresas dos países desenvolvidos e a exportação de empregos para países de salários miseráveis.
Mesmo quando se iniciaram as novas ondas de protesto, desta vez promovidas por estudantes e trabalhadores nada identificáveis com “jihadistas” e muito menos classificáveis como “escória”, a mídia corporativa ainda tentou associas-los a simples “baderneiros”.
Logo no entanto, o caráter pacífico e essencialmente “burguês” do movimento contra o “Contrato do Primeiro Emprego” se impôs de tal forma que foi impossível manter essa linha de “desinformação”. Então o jeito foi assumir de vez o que pensam realmente os defensores intransigentes do “mercado”.
É assim que se pode entender a reportagem de Veja. De repente as massas de manifestantes franceses deixaram de ser “baderneiros” e imigrantes “inassimiláveis”, para se tornar estudantes “mimados” cujo pecado supremo é reivindicar “viver como nossos pais”.
Depois das inevitáveis comparações com o “maio de 68” a autora do texto, Ruth Costas, nota que as diferenças são bem maiores que as semelhanças. “O que inspira os arroubos desta primavera não é o desejo de mudanças. Ao contrário, os estudantes franceses desta vez lutam pelo direito de ter uma vida igual à de seus pais”.
Disso se conclui que esses “burguesinhos” são “Os reacionários de 2006”. Não faltou a citação de Karl Marx de que a história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa. Num quadro ao pé da página os dois momentos históricos são comparados e a conclusão é que o “maio de 68”, “Era um movimento libertário”, enquanto o “março de 2006”, “É um movimento conservador, Os estudantes querem preservar o modo de vida de seus pais”.
Pior ainda, conforme a economista e cientista política suíça Hedva Sarfati: “Os jovens com boa formação universitária temem que o CPE seja o primeiro passo de uma reforma mais ampla para flexibilizar a lei trabalhista francesa”. Não pode haver posição mais reacionária do que defender direitos trabalhistas, não é mesmo?
Sendo assim, a juventude francesa deve ser severamente censurada por toda à parte, devido a sua perda dos verdadeiros ideais “revolucionários” e “modernizantes”. Deveriam isso sim estar lutando para destruir a legislação trabalhista, “um calhamaço de 2500 páginas e 10 quilos” onde estão reunidas todas aquelas conquistas profundamente “caretas” de seus pais e avós, ao longo de décadas.
Como exemplo de modernidade, um outro quadro, (pág. 92) mostra o contraste com a modernidade na Holanda, por exemplo, onde “As empresas recebem incentivos para contratar estagiários e 40% dos holandeses trabalham em meio período, com benefícios menores”.
Outro exemplo é a Inglaterra, onde “Hoje há livre negociação e o trabalhador pode abrir mão de seus direitos, de comum acordo com o sindicato e a empresa”. Por todas essas maravilhas, esses países têm um índice de desemprego de “apenas 4,7%” enquanto a “atrasada” França amarga um índice de 9,5%.
Por tudo isso, segundo a nova religião da globalização, os jovens e os trabalhadores devem lembrar-se de seu papel revolucionário, deixar de ser “mimados”, e lutar pelas novas “conquistas” que de seus colegas já desfrutam em outros países, a saber: O fim do emprego estável, garantido pelas leis trabalhistas “esclerosadas” e a “liberdade” proporcionada pelos empregos temporários, “terceirizados”, e sem benefícios sociais “supérfluos”.
A reportagem chega ao fim com uma conclusão surpreendente: “Infelizmente, os europeus chegaram a uma situação em que, sem cortar direitos de alguns, não há como estender a todos os benefícios da prosperidade econômica”.
O que viria a ser exatamente “prosperidade” para uma classe trabalhadora em franca decadência, com cada vez menos empregos, salários reduzidos, e benefícios e garantias cada vez mais “flexibilizados”? E porque eles seriam apenas “alguns”? Quem seria “todos”, a quem se negaria à prosperidade econômica?
Creio que os estudantes e trabalhadores franceses desconfiam que não serão eles que se beneficiarão da “prosperidade econômica” que resultaria da destruição do Estado de bem-estar social...
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
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