Quantos dias fiquei de luto? Estão vivas na memória as coroas de flores lançadas no Porto de Sydney, e de homens com chapéus amarfanhados e mulheres com batinas no litoral em que os seus ancestrais viram os primeiros navios a transportarem homens brancos. Em 14 de Fevereiro houve um dia de luto por T. J. Hickey, um rapaz aborígene que três anos atrás foi perseguido pela polícia e terminou os seus dias empalado numa cerca de estacas de ferro em The Block, um gueto que está ao alcance da vista dos bancos e das torres corporativas de Sydney. Foram mantidos silêncios recordatórios por "TJ" e sua morte violenta foi comparada às muitas mortes de aborígenes da Austrália em custódia, tal como aquela de Mulrunji Doomadgee, em Palm Island.
Palm Island é uma das mais belas na Grande Barreira de Recifes, ainda que poucas pessoas de fora tenham apanhado o curto voo de Townsville. Estabelecido em 1918 como um campo de detenção para homens, mulheres e crianças aborígenes condenadas pelos crimes de não terem casa, rebeldia e bebedeira, ela mudou sobretudo na superfície. Quando estive ali da primeira vez em 1980, uma epidemia de gastroenterite era considerada uma ameaça vital. Dois anos depois, investigadores descobriram nos registos do Departamento de Saúde de Queensland que as mortes de doenças infecciosas comuns eram superiores em mais de 300 vezes àquelas da média dos brancos, e as mais elevadas do mundo. No cemitério, junto a ondas rompendo-se suavemente sobre o recife de coral, muitas das pedras tumulares ostentam os nomes de crianças.
Em 26 de Janeiro último, uma data conhecida pelos brancos como Dia da Austrália por celebrar a sua "colonização" (os aborígenes chamam a isto Dia da Invasão), aconteceu algo muito pouco habitual. Foi anunciado que um sargento de polícia, Chris Hurley, seria acusado pelo homicídio de Mulrunji Doomadgee. Em 2004, Hurley prendeu Mulrunji insultos e bebedeira. Uma vez na custódia da polícia, Mulrunji teve o seu fígado rasgado em dois.
"Estas acções do sargento Hurley", disse o vice-coroner, "provocaram as injúrias fatais". Contudo, o director da Acusação Pública de Queensland decidiu não proceder a acusações. Isto é a prática padrão. Em 1989, uma comissão real investigou mais de 100 mortes em custódia, muitas delas comprovavelmente por assassínio ou homicídio casual. "Eu não tinha ideia", escreveu o responsável chefe, Elliott Johnston, "do grau de … abuso de poder pessoal, paternalismo absoluto, desprezo descarado e indiferenças total com que tantas pessoas aborígenes eram visitada numa base diária".
Assim falou a voz do liberalismo e justiça autraliana. Das 339 recomendações feitas pela comissão real, nem uma delas apelava a acusações criminais. O processo do sargento Hurley é o primeiro desta espécie, e aconteceu só porque o governo de Queensland foi virtualmente forçado a procurar o opinião independente de um director de justiça aposentado de New South Wales.
De todos os grandes passatempos australianos, o silêncio é actualmente o mais popular. Isto em grande parte deve-se ao temor de falar, descrito num livro raro, Silencing Dissent, de Clive Hamilton e Sarah Maddison. Os colegas académicos e escritores australianos destes autores dizem pouco, se é que alguma coisa, que possa inquietar os bushitas do governo de John Howard que tudo controlam, e a sua inspectoria dos media. Julgamentos pelos media de vítimas internas da Austrália, sejam eles aborígenes ou muçulmanos, é prática padrão. Platitudes oficialmente aprovadas passam como notícia e comentário, juntamente com entediantes estereótipos de grande parte da humanidade, desde heróicos jogadores australianos de críquete à ridicularização de pessoas críticas e a mullahs loucos. Os verdadeiros heróis australianos não são reconhecidos, tais como Arthur Murray, um antigo organizador sindical aborígene que combateu persistentemente durante 25 anos pela justiça para com o seu filho Eddie, morto na custódia da polícia, e por todo o seu povo. Poucos australianos brancos terão ouvido falar de Arthur, cuja dignidade e coragem evoca uma história secreta, descrita pelo historiador Henry Reynolds como o "constrangimento dos braços de rio sangrentos".
Os "valores" australianos e o orgulho nacional são as distracções políticas do momento num país estupidamente em guerra no Iraque e no Afeganistão — um país com mais de 43 por cento de jovens desempregados internamente e, em alguns casos, com a maioria dos seus jovens negros em custódia.
"O patriotismo australiano", afirma o historiador cultural Tony Moore, "deveria ser em primeiro lugar e acima de tudo despejar a urina, do riso, não apenas sobre si próprio mas sobre os poderosos …" Ele chama a isto "detecção das asneiras" ("bullshit detection"). Tremenda ideia, Tony, mas sugiro-lhe que a cumpra primeiro por Arthur Murray e as pessoas de The Block e de Palm Island, pois até que nós brancos devolvamos aos australianos negros a sua identidade nacional nunca poderemos reclamar a nossa.
John Pilger
http://resistir.info/
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