O que se passa em Portugal (e na Educação e na Saúde em particular) é que o rolo compressor do neoliberalismo está a funcionar melhor do que nunca.
Já o disse e repito: os actuais gerentes da politica de direita que está a ser aplicada em Portugal são os seus intérpretes ideais: nominalmente socialistas, portanto de "esquerda", seriam insuspeitos para aplicarem politicas de direita. No entanto basta ver os apoios da direita de facto, dos senhores do capital, para ver o real sentido das politicas.
Esse apoio verifica-se principalmente através dos seus meios de comunicação social. E àqueles que se atiram aos jornalistas como os responsáveis pelas mentiras e ocultação das verdades eu direi: de facto, os jornalistas têm a sua parte de culpa, mas é preciso não esquecer que eles estão sujeitos, na sua imensa maioria, aos ditames editoriais dos grupos económicos que, cada vez mais concentradamente, mandam nos meios de comunicação social privados, ou, no caso dos média públicos, às influências do poder. Os jornalistas são um grupo profissional estritamente controlado e mantido na linha através da pressão do desemprego, dos despedimentos, de certas leis e das linhas editoriais e chefias redatoriais cujos critérios, muito mais do que competência técnica, envolve fidelidades de interesses. Ser jornalista sério em Portugal (e não só) é tarefa dificílima quase impossivel, digo eu, que conheço o jornalismo do lado de fora, embora sempre tenha lido bastante sobre as questões do jornalismo.
Para quem tenha uma visão cândida das formas como o capital e o poder usam os meios de comunicação social, transcrevo aqui uma parte dum texto tão "actual" que Einstein escreveu há cerca de 60 anos, intitulado "Porquê o socialismo?":
"O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos."
Resumindo: no caso de Portugal contemporâneo, a golpada neoliberal em curso está a ser feita a todo o vapor sob disfarce de políticos ditos de esquerda e com todo o apoio da direita de facto, usando o instrumento fundamental da comunicação social. A mentira, a ocultação, são usados diariamente em doses maciças, pelo governo e pelos seus acólitos. Com a comunicação social dominada não é de admirar a dificuldade que quem contesta esta política tenha imensa dificuldade em chegar à população portuguesa. A propaganda maciça utilizada explica em larga medida as sondagens positivas obtidas neste momento em Portugal pelo partido socialista, apesar das medidas nefastas para a maioria da população e de contestações sectoriais.
Duas mentiras de base (com algo de verdade como convém às mentiras funcionais) são largamente utilizadas e têm funcionado até ao momento:
-a 1.ª a de que existe uma grave crise económica cuja origem advém do défice (acima dos 3%) e de dívida pública excessiva- a chamada "obsessão pelo défice" como a designa a oposição à esquerda do PS;
-a 2.a a de que não há solução para a crise senão a preconizada pelo ideário neoliberal: redução das despesas públicas; privatizações; incentivo ao mercado; reformas da segurança social, saúde e educação no sentido de redução de direitos e de despesas; redução do número de funcionários públicos; desregulamentação das leis laborais e liberalização dos despedimentos.
Quanto à primeira mentira um desmentido histórico e uma visão diferente da interpretação neoliberal pode ser lida aqui, a qual demonstra que no nosso país, têm coincidido períodos de grande défice com crescimento económico. As politicas recessivas centradas na limitação das despesas públicas, designadamente com o investimento, a tal obsessão com o défice, não têm nitidamente dado os resultados que oficialmente são esperados. Mas não sejamos ingénuos. E se os resultados que efectivamente se queriam obter fossem outros? E se o que se pretendia era uma reconfiguração do estado, diminuindo drasticamente as despesas públicas, privatizando o que ainda é público e é aliciante para o mercado, passando o mais possivel para a esfera do privado os actuais serviços públicos actualmente existentes (Educação e Saúde em particular)? E se o objectivo dessas medidas fosse trucidar os actuais direitos à saúde e à educação dos cidadãos fazendo-os pagar "a la carte" como mercadorias de qualidade variável em função do poder de compra de cada individuo/família? Tal seria uma jogada de mestre, não? Conseguir um objectivo inconfessado e inconfessável, usando argumentos falsos, e fazendo os actores jogar um jogo com o resultado viciado...
É interessante fazer um paralelo. Nos países do terceiro mundo, a onda neoliberal usou o jugo da dívida, obrigando os governos a seguirem a receita única do FMI e do Banco Mundial: privatizazações; limitar drasticamente os gastos públicos; liberalizar mercados; desregulamentar direitos sociais; facilitar os despedimentos. (Dívida que, lembre-se, foi instigada pelos próprios bancos e países credores e que depois assumiu proporções gigantescas por efeito de bola de neve, pelo aumento dos juros (e juros dos juros)). Essa receita, dizia, foi aplicada em todos os países independentemente da sua história e tradições, da sua economia e cultura. Os técnicos do FMI levavam em "diskete" a receita para o país onde serviriam de consultores, por vezes, mesmo sem se atreverem a sair dos hoteis em que estavam instalados no período de consultadoria. Os resultados foram e são devastadores em África e na América Latina.
Nos países do primeiro mundo (Refiro-me principalmente à União Eiropeia), já que o problema da dívida não existe com a mesma dimensão, inventou-se uma justificação similar: o problema do défice. Em nome da sua redução (do dito défice) estão a aplicar-se na União Europeia, o mesmo género de receita que os países do 3.º mundo tiveram que aplicar nas últimas décadas com efeitos sociais devastadores do ponto de vista geral e com o aumento da desigualdade social. E se nos países do terceiro mundo os Estados são entidades actualmente despidas de recursos (embora alguns, como sabemos, donos de recursos naturais consideráveis e por isso subjugados por guerras imperiais) já nos países do centro os Estados são entidades com gorduras altamente apetecíveis para um emagrecimento que as transvase para as entidades privadas.
Relativamente à segunda mentira, a de que não há outra solução senão a neoliberal, vejamos. Aparte uma preocupação com uma redução de desperdícios ou gastos supérfluos, que qualquer pessoa de bom-senso considera adequada, outras poderiam e deveriam ser as medidas a adoptar se a preocupação com a justiça social e a igualdade fossem faróis fundamentais das políticas. Por exemplo, olhando do lado das receitas e sabendo que, segundo estimativas realistas, a nossa economia paralela ronda os 20% da economia real, medidas a médio prazo de luta contra esta realidade seria fonte de receitas bastante significativa. Se actualmente as dívidas ao fisco são imensas a fuga aos impostos é ainda muito maior. Medidas no sentido de as combater trariam proventos consideráveis. Ainda no campo fiscal sabemos que há sectores muito rentáveis em Portugal, banca e grandes empresas que pagam muito pouco ao fisco e têm benefícios fiscais que mais ninguém tem. Que moral tem os nossos governantes para exigirem austeridade aos vários segmentos de trabalhadores quando mantêm ou mesmo aumenta benefícios fiscais para quem já apresenta lucros descomunais, mesmo, ou sobretudo, em tempo dito de crise? Quanto à politica de privatizações é de perguntar porque se privatizam (e privatizaram) empresas altamente rentáveis que dão lucros de milhões ao erário público e só fica aquilo que não é rentável? É certo que muitas destas medidas são condicionadas, sabemo-lo, pela União Europeia. Esta união, em grande parte não é mais do que a federação de grandes interesses económicos. O neoliberalismo está no seu seio, nas medidas que obriga ou sugere aos estados componentes para aplicar. Grande parte do conteúdo da até agora fracassada constituição (projecto) está aí para o demonstrar.
Quanto ao rolo compressor na Educação em Portugal que estamos actualmente a viver fica para um próximo post que este já vai muito longo.
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