Uma das “marcas” que este governo tem procurado vender é a do rigor. E, para provar isso, não se cansa de repetir que não utiliza, a nível do Orçamento do Estado, nem desorçamentações, nem medidas extraordinárias para reduzir o défice, como sucedeu com os governos do PSD/PP. E, na mesma linha, o Expresso de 13.1.2007, em artigo da redacção económica, escrevia que «a redução do défice em 2007 é integralmente explicada pela economia». E para que não existissem dúvidas sobre a mensagem que pretendia fazer passar, acrescentava: «o governo vai consolidar as contas públicas à boleia do crescimento económico»; portanto, seria o crescimento económico que resolveria o problema da redução do défice em 2007.
Uma análise rigorosa do Orçamento de 2007, e nomeadamente do Relatório que o acompanhou, mostra que a redução do défice em 2007 será conseguida fundamentalmente através de desorçamentações de facto, embora possam não ser consideradas sob o ponto de vista formal como tal, e também pelo recurso a medidas que, por não poderem ser repetidas, são verdadeiras medidas extraordinárias, e não com base no crescimento económico, como temos sempre defendido.
Se compararmos o PIDDAC, que é o plano de investimentos da Administração Central do Estado, de 2006 com o de 2007, concluímos que há uma alteração importante no seu financiamento. Em 2007, a parcela do PIDDAC financiada pelo Orçamento do Estado diminuiu em 253,8 milhões de euros relativamente a 2006, ou seja, sofreu uma redução de 12,8%, enquanto a parcela que terá de ser financiada pelas empresas públicas cresceu em 653,6 milhões de euros, ou seja, aumentou em 84%. É evidente que o governo, utilizando o poder que tem sobre estas empresas, transferiu uma parte do défice orçamental para elas. E isto porque uma parcela significativa do investimento em infra-estruturas, que devia ser financiada pelo Orçamento do Estado, passou a ser financiado por essas empresas. E como essas empresas, que são nomeadamente as do sector de transportes, não possuem os meios financeiros para poderem realizar esses investimentos, são obrigadas a recorrer ao endividamento, como está já a suceder com o Metro, a REFER, a CP, as Estradas de Portugal, etc., o que irá agravar a sua situação económica e financeira, que já era muito difícil, justificando futuramente ou a sua privatização ou o aumento significativo dos preços de transportes pagos pela população. Uma situação muito semelhante está-se a verificar no sector da saúde, onde os chamados Hospitais SA/EPE já acumularam, num curto espaço de três anos (2004/2006), mais de 207 milhões de euros de prejuízos que também não entraram no cálculo do défice orçamental. Tudo isto são verdadeiras desorçamentações de facto embora, sob o ponto de vista formal, possam não ser consideradas como tal.
Para além disto, o governo, utilizando o poder que tem, também impôs novamente em 2007 medidas extraordinárias, como são o congelamento das promoções e dos abonos pagos aos trabalhadores da Administração Pública e uma actualização dos seus vencimentos que é inferior a metade da taxa de inflação prevista. De acordo com a 3ª versão do Programa de Estabilidade e Crescimento 2006-2010 que o governo enviou à Comissão da U.E., estas medidas extraordinárias determinarão, só em 2007, uma redução das despesas com pessoal na Administração Pública de cerca de 950 milhões de euros.
Somando a redução verificada no financiamento do PIDDAC pelo Orçamento do Estado em 2007 – 653,6 milhões de euros – à redução das despesas com pessoal da Administração Pública em 2007 – 950 milhões de euros – obtém-se 1.603,2 milhões de euros, que é um valor superior à redução nominal verificada no défice orçamental entre 2006 e 2007, que será apenas de 1.117 milhões de euros. Fica assim claro que este governo pretende reduzir o défice orçamental através de desorçamentações de facto e de medidas extraordinárias, e não por meio do crescimento económico, como devia acontecer, o que terá graves consequências para as empresas públicas e para a maioria da população.
Uma das “marcas” que este governo tem procurado vender é a do rigor. E, para provar isso, repete continuamente que nos Orçamentos de Estado que apresenta não existem nem desorçamentações, nem medidas extraordinárias para reduzir o défice orçamental, como sucedeu com os governos do PSD/PP, que tanto criticou. Mas uma análise atenta do Orçamento de Estado para 2007 (OE2007) e, nomeadamente, do Relatório governamental que o acompanhou, mostra que este governo não está a dizer a verdade, já que tomou, utilizando o poder que tem, um conjunto de medidas para reduzir o défice que, sob o ponto de vista formal, podem não ser consideradas como desorçamentações, mas que de facto são verdadeiras desorçamentações, com consequências graves para as empresas públicas e para a população que utiliza os seus serviços. Para além disso, utilizando o mesmo poder, impôs também medidas extraordinárias com consequências graves para cerca de 570.000 trabalhadores da Administração Pública. Umas e outras vamos procurar tornar visíveis neste estudo utilizando os próprios dados oficiais.
A UTILIZAÇÃO DAS EMPRESAS PÚBLICAS PARA REDUZIR O DÉFICE
O Expresso de 13.1.2007, num significativo artigo de redacção económica com o título “Crescimento paga consolidação” escrevia em grande subtítulo o seguinte: «a redução do défice em 2007 é integralmente explicada pela economia», leia-se pelo “crescimento económico”. Apesar do Banco de Portugal ter desmentido logo na semana seguinte aquela “caixa” deste semanário, esse desmentido do Banco Central não teve o mesmo destaque da notícia anterior, acabando ela, objectivamente (não se está a avaliar a intenção subjectiva do seu autor), por alimentar a campanha de propaganda do governo e por branquear as consequências graves para a economia e para a maioria da população causadas pela política centrada na obsessão do défice.
A análise atenta do Relatório do Orçamento do Estado para 2007 (OE2007) e da nova versão do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2006-2010 enviada pelo governo à Comissão da U.E. em Dezembro de 2006 mostra que a redução do défice não resulta do crescimento económico, como efectivamente devia acontecer, mas sim de desorçamentações de facto e de medidas extraordinárias.
O quadro que se apresenta seguidamente, foi construído com dados constantes dos Relatórios do OE2006 e do OE2007, e mostra a alteração importante verificada a nível do financiamento do PIDDAC (Programa de Investimentos da Administração Central), que é o programa de investimentos públicos mais importante financiado pelo Orçamento do Estado, entre 2006 e 2007.
Entre 2006 e 2007, o valor do PIDDAC total passou de 4.853,5 milhões de euros para 4.978,1 milhões de euros, ou seja, teve um aumento de 2,6%, embora a nível do Continente tenha registado uma redução de 6%, pois diminuiu de 4.432 milhões de euros para 4.168 milhões de euros.
Mas é a nível do seu financiamento que se verificou uma alteração importante em 2007. Assim, entre 2006 e 2007, o financiamento pelo Orçamento do Estado (Capítulo 50) diminui em –12,9% (–253,8 milhões de euros), assim como se reduziu também o financiamento comunitário em –13,1% (–275,2 milhões de euros) mas, em contrapartida, aumentou em 84,1%, ou seja, em 653,6 milhões de euros, o chamado financiamento por “Outras Fontes”, portanto fora do Orçamento do Estado. E estas “Outras fontes” são fundamentalmente o aumento do endividamento das empresas públicas, muitas delas já numa situação económica e financeira muito difícil (no fim de 2005, as dívidas das empresas públicas atingiam já 15.000 milhões de euros).
Assim, o governo, utilizando o poder que tem sobre elas, impôs aquela transferência do financiamento do PIDDAC para as empresas públicas, porque tanto os prejuízos/défices delas como o seu endividamento não entram para o cálculo nem do défice orçamental nem da dívida pública. Está-se assim perante a transferência de facto de uma parcela importante do défice orçamental e do endividamento público para essas empresas, já que muitos dos investimentos transferidos referem-se a infra-estruturas básicas que deviam ser financiadas pelo Orçamento do Estado.
Alguns exemplos que confirmam o que se acabou de dizer. A REFER é um caso paradigmático. Em 2007, num investimento de 563,7 milhões de euros, apenas 5 milhões de euros, ou seja, menos de 1% serão financiados pelo Orçamento do Estado, sendo 400,3 milhões de euros financiados através do endividamento de uma empresa que já está quase tecnicamente falida (já foi lançado um empréstimo obrigacionista). E este investimento destina-se à construção de infra-estruturas ferroviárias (Linha de Sintra, Linha de Cascais, Linha de Oeste, Linha do Norte, etc., etc.).
Mas não se pense que é um caso único. O mesmo sucederá em 2007 com a CP, em que num investimento previsto de 30,6 milhões de euros, 16,2 milhões têm de ser financiados com fundos a obter pela própria empresa, ou seja, pelo endividamento; com o Metro de Lisboa onde, de 136,6 milhões de euros, 66,9 milhões de euros terão de ser financiados com fundos obtidos pela própria empresa, ou seja, pelo endividamento (esta empresa já lançou também um empréstimo obrigacionista); com a EDIA (barragem do Alqueva), onde apenas 8 milhões de euros provêm do Orçamento do Estado, tendo a empresa de endividar-se, em 2007, em mais de 55 milhões de euros.
A empresa “Estradas de Portugal – E.P.”, responsável pela construção das infra-estruturas rodoviárias, é um outro caso que, pela dimensão do investimento previsto, assim como pelas suas características e por aquilo que se está a preparar, interessa também referir aqui. Em 2007, prevê-se que a empresa realize investimentos no valor de 1.470,9 milhões de euros, tendo apenas 477,9 milhões de euros (32,4%) como origem o OE2007, e 226,7 milhões de euros fundos comunitários. O restante valor, ou seja, 726,3 milhões de euros, que correspondem a 51,5% do investimento total, terá de ser com fundos obtidos pela própria empresa, nomeadamente empréstimos.
Os prejuízos (défice) da Estradas de Portugal, pelo facto das receitas próprias serem inferiores a 50% das suas receitas totais, entram para o cálculo do défice orçamental e o seu endividamento para o da dívida pública. No entanto, o governo nomeou uma comissão, em que surpreendentemente o próprio Banco de Portugal, cujo presidente tanto se opôs no passado à desorçamentação, está representado, que tem como objectivo estudar uma solução, que seja aceite pelo Eurostat, de forma que o défice e a dívida desta empresa deixem de ser consideradas para o cálculo do défice orçamental e da dívida pública.
É evidente que esta política do governo de transferência do défice orçamental e da dívida pública para as empresas públicas, por um lado, agrava ainda mais a sua situação económica financeira, o que facilitará a campanha em curso visando a sua privatização e, por outro lado, vai ser naturalmente utilizada no futuro para justificar aumentos significativos nos preços de serviços públicos essenciais como são, por ex., os transportes. A confirmar isto estão já as declarações recentes do presidente do Metro que, em entrevista dada ao Diário Económico em 18.1.2007, veio já a afirmar o seguinte: «O preço de bilhetes teria de triplicar para compensar gastos».
A DESORÇAMENTAÇÃO DE FACTO NA SAÚDE ESTÁ A AUMENTAR
O próprio Serviço Nacional de Saúde (SNS), um serviço essencial para a população, também está a ser atingido por esta desorçamentação de facto. Para isso, o governo está a utilizar os chamados Hospitais EPE, hospitais empresas, cujos défices e endividamento não entram para o cálculo nem do défice orçamental nem da dívida pública. Se estivessem ainda integrados na Administração do Estado, como sucede ainda com os restantes hospitais, os seus défices e dívidas já entrariam.
Entre 2004 e 2006, os Hospitais Públicos que foram transformados em empresas – Hospitais SA, agora chamados Hospitais EPE – acumularam 207,768 milhões de euros de prejuízos. Como não pertencem ao chamado Sector Público Administrativo, os seus défices não entram no cálculo do défice do Estado; se estivessem no SPA já contariam para o défice orçamental. É com “habilidades” desta natureza, que são verdadeiras desorçamentações de facto, que este governo está a reduzir o défice orçamental. Mas estas “habilidade de engenharia financeira” estão a abrir “buracos” nos hospitais EPE, que são hospitais públicos, que depois serão certamente utilizados ou para dizer que, devido aos prejuízos, têm de ser privatizados ou então para aumentar as taxas pagas pelos doentes.
O CONGELAMENTO DAS PROMOÇÕES E AUMENTOS DE VENCIMENTOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INFERIORES À INFLAÇÃO SÃO MEDIDAS EXTRAORDINÁRIAS
Duas outras medidas – congelamento das promoções e dos abonos dos trabalhadores da Administração Pública e actualização dos seus vencimentos menos de metade da taxa de inflação que se verificará – utilizadas novamente por este governo para reduzir o défice são verdadeiras medidas extraordinárias, pois não podem ser repetidas muitas vezes mais. A prova disso é o comportamento do governo na negociação dos vínculos e carreiras, em que nas reuniões tem utilizado essa situação criada por ele próprio como chantagem para obrigar os sindicatos a abdicarem da defesa dos direitos dos trabalhadores e para aceitarem as propostas governamentais de desregulamentação total na Administração Pública e de abandono de direitos fundamentais adquiridos.
Em 2007, o aumento líquido dos vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública foi apenas 1% (a subida nominal de 1,5% foi reduzida em 0,5% devido ao aumento do desconto para a ADSE), portanto um aumento inferior a menos de metade da taxa de inflação que certamente se verificará este ano.
De acordo com os dados do quadro que consta da pág. 34 da 3ª versão do Programa de Estabilidade e Crescimento 2006-2010, apresentado pelo governo em Dezembro de 2006 na Assembleia da República, e depois enviado à Comissão da U.E., estas medidas, que certamente provocarão uma redução importante no já baixo nível de vida da população, vão contribuir para a redução do défice orçamental, em 2007, em 950 milhões de euros.
A REDUÇÃO DO DÉFICE DEVE-SE A DESORÇAMENTAÇÕES DE FACTO E A MEDIDAS EXTRAORDINÁRIAS
Se somarmos a “poupança” determinada pelo congelamento das promoções e abonos dos trabalhadores da Administração Pública – 950 milhões de euros – com a “poupança” de 653,2 milhões de euros, que resulta da transferência de uma parte do défice orçamental, pela via das transferências de investimentos que deviam ser financiados pelo Orçamento do Estado, para as empresas públicas, obtém-se 1.603,2 milhões de euros. Este valor é superior à redução do défice orçamental em valores nominais entre 2006 e 2007, que é de 1.117 milhões de euros, pois passará, segundo o OE2007, de 7.027 milhões de euros para 5.910 milhões de euros. Aquele valor também prova que nem o governo nem o Expresso falaram verdade, pois a redução do défice em 2007 é conseguida fundamentalmente através da transferência de despesas de investimento que deviam ser financiadas pelo OE para as empresas públicas, que são desorçamentações de facto, e por meio de medidas extraordinárias que determinam uma redução importante do nível de vida dos trabalhadores da Administração Pública, e não por meio do crescimento económico, como devia acontecer, e como temos sempre defendido.
Eugénio Rosa
http://www.infoalternativa.org/autores/eugrosa/eugrosa111.htm
Quando a injustiça se torna lei, a resistência torna-se um dever! I write the verse and I find the rhyme I listen to the rhythm but the heartbeat`s mine. Por trás de uma grande fortuna está um grande crime-Honoré de Balzac. Este blog é a continuação de www.franciscotrindade.com que foi criado em 11/2000.35000 posts em 10 anos. Contacto: franciscotrindade4@gmail.com ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS ACTUALIZADO TODOS OS DIAS
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