quinta-feira, fevereiro 15, 2007

O tenente Watada

O “caso Watada” é matéria de acres controvérsias nos Estados Unidos da América.

Ehren Watada é um tenente do Exército estadunidense que tem um Conselho de Guerra pendente por se ter negado a participar na ocupação do Iraque, não só por imperativos de consciência, mas também – e esse é o aspecto mais singular do caso – por razões legais.

Contarei brevemente os antecedentes do acto de rebeldia que está a protagonizar, muito pouco conhecido em Espanha..

O tenente Watada, de 28 anos, nasceu em Honolulu. Filho de Robert Watada, que em tempos se negou a combater no Vietname, encontrava se na base militar de Fort Lewis, no estado de Washington, quando se inteirou de que a sua unidade ia ser enviada para o Iraque. Segundo o seu próprio relato, decidiu informar se sobre a guerra à qual o destinavam. Leu bastantes livros e muitos artigos de imprensa para conhecer a História do Iraque, os antecedentes e a actualidade do conflito, a legislação internacional aplicável ao caso e as razões e os fundamentos jurídicos da intervenção militar norte-americana. Também teve numerosos contactos com veteranos dessa guerra. Uma vez informado, chegou à firme conclusão de que a intervenção militar ordenada por George W. Bush viola a Constituição dos Estados Unidos, a Lei de Poderes de Guerra, a Carta das Nações Unidas, a Convenção de Genebra e os princípios estabelecidos pelos julgamentos de Nuremberg.

Watada não é objetor de consciência. Não se opõe a todas as guerras por princípio. De facto, propôs que o destinassem ao Afeganistão, porque entende que essa guerra conta com a legitimidade necessária, dado o respaldo que lhe foi outorgado pela ONU. Não assim a do Iraque, que foi aprovada por um Congresso que –recorda – foi enganado com informações falsas sobre o regime de Saddam Hussein, acerca do qual Bush assegurou que estava em posse de armas de destruição massiva e que tinha laços directos com a Al Qaeda. Entende que acatar a ordem de ir para o Iraque conduzi lo-ia a participar no cometimento de crimes de guerra, ao que não está disposto.

Como mencionei antes, o tenente Watada não esgrime só motivações éticas, mas também legais. Sente se respaldado pela Constituição dos Estados Unidos, que ampara a desobediência de ordens injustas, e também, e sobretudo, pelos princípios que fixaram os julgamentos de Nuremberg contra diversos funcionários do III Reich. Ali foi recusada liminarmente a isenção, a que apelaram as defesas de diversos acusados, chamada “de obediência devida”. Não poucos militares do Exército hitleriano foram condenados, e alguns deles condenados à morte e executados, porque, segundo o critério do tribunal, se um soldado recebe uma ordem manifestamente injusta e criminosa, tem o dever de desobedecer lhe.

O Conselho de Guerra que julgará o tenente Watada a 19 de Março – o que se iniciou no passado dia 8 foi anulado por erros de forma – pode condená lo a 8 anos e meio de prisão. Mas, se o fizer em função da acusação que agora mesmo pesa contra ele, baseada no suposto princípio de que um soldado é obrigado a respeitar a cadeia de comando, a única coisa que demonstrará é o que, infelizmente, já sabíamos de sobejo: que a estrita justiça só castiga os derrotados. Aos militares do III Reich podia exigir-se-lhes desobediência às ordens injustas por uma só razão: porque tinham perdido a guerra. Não coincidindo essa condição no caso dos EUA, podemos dar por certo que o tenente Watada será condenado.
Javier Ortiz
http://www.infoalternativa.org/usa/usa148.htm

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