Quando o problema do desemprego tecnológico é colocado, a resposta quase invariável é a de que o que está acontecendo é apenas um novo ciclo econômico. Já teria ocorrido antes, e é só questão de tempo para que tudo volte ao normal. Será?
Neoliberais ou pós-marxistas, do alto de seu saber acadêmico, afirmam simplesmente que vivemos apenas mais um ciclo econômico, uma repetição de revoluções industriais do passado, cujo resultado é previsível. Os neoliberais garantem que os empregos extintos logo reaparecerão naturalmente. Os pós-marxistas se limitam as costumeiras críticas a exploração capitalista e ao imperialismo.
Os dois grupos no entanto, parecem compartilhar a certeza de que os empregos que estão sendo eliminados, simplesmente reaparecerão, como já ocorreu no passado. Haveria apenas a eliminação do trabalho mais pesado, repetitivo e desagradável, que passaria a ser executado pelas máquinas.
Aos trabalhadores será exigido apenas um novo patamar de conhecimentos, novas posturas profissionais, maior flexibilidade para conviver com mudanças rápidas, etc. Isso lhes permitirá executar as novas tarefas, muito mais criativas e bem remuneradas, oferecidas pela “nova economia”. O resto seria sensacionalismo, ficção científica agourenta ou “catastrofismo”.
O que lhes dá essa certeza? Bem, o mundo moderno já passou por duas revoluções industriais, onde a introdução de máquinas gerou enormes aumentos de produtividade e conseqüente desemprego. Mas algum tempo depois, os empregos retornaram aos níveis anteriores e os salários até aumentaram.
Segundo os neoliberais, isso ocorreu porque os aumentos de produtividade, em meio à competição capitalista, provocaram reduções de preços dos produtos industriais. Os preços mais baixos, estimulavam a demanda, que para ser atendida, exigia novas fábricas que é claro, precisavam de mais empregados.
Para os pós-marxistas, foram às lutas do proletariado industrial, por melhores salários e pelas reduções das jornadas de trabalho, os verdadeiros fatores responsáveis pelo aumento da renda e conseqüentemente da demanda por mais produtos.
Está claro que as duas coisas ocorreram simultaneamente, e que de fato o nível de vida da classe trabalhadora melhorou muito. Por que agora seria diferente? As novas tecnologias subverteriam as conhecidas leis da economia política?
De fato, as leis básicas da economia política continuam perfeitamente válidas. O problema é que alguns pressupostos não foram levados em conta. Antes da nova revolução da tecnologia de robótica, informação e telecomunicações, não existia atividade econômica que não necessitasse de mão-de-obra humana em quantidade razoável. Agora as coisas são muito diferentes.
O ponto de partida das afirmações de que o nível de empregos sempre se recupera, está relacionado à idéia de que a automação em um setor, apesar de gerar desemprego, no longo prazo, faz os preços de seus produtos e serviços cair. Com isso, parte da renda do consumidor fica ”liberada” para adquirir outros produtos, o que gera novos negócios e novos postos de trabalho. Empregos desaparecem de um lado, mas surgem em outro setor.
Mas isso só é verdadeiro se para atender as novas demandas, as novas fábricas necessitarem de um número razoável de operários. Ocorre que as coisas não são mais assim. E por que? É simples, a automação deixou de ser um fenômeno restrito a um determinado setor e passou a ser uma condição obrigatória em todos processos de produção, principalmente nos novos.
Isso significa que o aumento de demanda, por maior que seja, pode ser atendido pelo emprego de mais tecnologia e não por aumento de contratação de mão-de-obra. E isso acontece por que as novas tecnologias são muito diferentes das antigas.
A nova revolução tecnologia se baseia na tecnologia de informática. É sempre útil lembrar que um robô, na prática, é um conjunto de ferramentas convencionais operadas por um computador. E um computador é uma máquina programável. O que implica que seu uso é geral, se estendendo muito além da indústria e dos escritórios, até a nossa vida cotidiana.
Antes, uma nova tecnologia revolucionária de produção, se restringia a um ou a alguns setores da economia. Isso permitia que a mão-de-obra excedente, fosse transferida para outros setores. Agora cada novo avanço tecnológico, se distribui de forma direta por toda a cadeia produtiva, em toda a economia nacional e mesmo global.
As revoluções industriais do passado, foram referenciadas a partir de fontes de energia. A primeira a partir do vapor e a segunda da eletricidade e dos motores a combustão interna. As inovações em si, consistiam em máquinas especializadas, que só tinham em comum entre si, a fonte de energia.
A nova revolução tecnológica, de forma alguma se restringiu a indústria. E também não se refere ao aparecimento de nova fonte fundamental de energia. Seu motor essencial é a máquina programável. Antes tínhamos uma infinidade de máquinas a vapor, depois vieram as máquinas elétricas, agora o robô é uma máquina universal.
Antes existia a máquina de escrever, de calcular, os tabuladores, as máquinas de contabilidade, etc. Agora o computador realiza qualquer tipo de tarefa em um escritório. Em resumo, não temos mais a máquina de fazer isso ou aquilo e sim uma única e universal tecnologia, capaz de afetar simultaneamente todos os processos produtivos.
Isso é que é diferente. O aumento da capacidade dos processadores e a redução de seus custos, refletem-se imediatamente sobre os sistemas de produção e informação como um todo. Além disso, quando cada processo manual passou a ser “a vapor” e depois “elétrico”, o que foi acrescentado foi força motriz e velocidade. O “computadorizado” acrescenta “inteligência” mecânica.
Nas revoluções industriais anteriores, os inventores tinham de desenvolver uma máquina para cada atividade em particular. Uma máquina capaz de revolucionar um processo de produção, poderia ser completamente inútil em outro. Agora a tecnologia é basicamente uma só. O que varia é a informação, que transforma o robô ou o computador na máquina que se quiser.
Cada novo avanço na capacidade de armazenamento e processamento da informação, se reflete imediatamente em áreas tão distantes como transportes, armamentos, agricultura, produção industrial, comércio varejista, serviços bancários, diagnósticos médicos, investigações policiais, atividades de lazer, etc.
Antes, uma inovação tecnológica podia substituir as habilidades de um grupo de pessoas. Agora, as novas tecnologias são capazes de substituir a maioria das habilidades de qualquer ser humano no que se refere ao trabalho. Não devemos esquecer que a imensa maioria dos trabalhadores, se limita a executar tarefas repetitivas, seguir instruções pré-estabelecidas e tomar decisões simples e racionais.
Mesmo os chamados profissionais liberais, ocupam grande parte do seu tempo com atividades rotineiras. O uso de seus conhecimentos, na imensa maioria das vezes, leva a resultados perfeitamente previsíveis e padronizados. Atividades realmente criativas são bastante raras, mesmo entre publicitários, arquitetos, músicos, e escritores.
Além disso, para que os trabalhadores sejam reduzidos à condição de quase mendicância nas suas negociações com os empregadores, só é preciso que o desemprego atinja algo em torno de 20% da força de trabalho. Não é necessário que os computadores e robôs tomem forma humanóide e tenham crises de identidade e megalomania, como nos filmes de ficção cientifica.
Podemos ter inclusive um índice de desemprego baixo. Basta que se acelere a implantação dos projetos de “flexibilização” das leis trabalhistas. Teríamos assim uma enorme quantidade de mão-de-obra qualificada, mas com salários e benefícios extremamente baixos.
Apenas uma pequena minoria de pessoas, será necessária para projetar, supervisionar e prover a atualização de equipamentos cada vez mais sofisticados. Esses receberiam salários e benefícios cada vez maiores. Os demais, serão empurrados a uma condição de trabalhadores indiferenciados, prontos a executar qualquer tarefa, a qualquer dia e hora, a critério do empregador. Como os camponeses e servos medievais.
A condição de “empregado” e de “trabalhador” voltara a ser vista como sinônimo de escravidão e pobreza, e portanto desprezível e inaceitável para os mais jovens e ambiciosos. Séculos de condicionamentos, políticos, ideológicos e até religiosos, relacionados ao valor do trabalho, serão abruptamente abandonados.
A cultura resultante, já detectável no horizonte, será um culto incondicional ao “empreendedor” de Schumpeter. O indivíduo com novas idéias, capaz de promover a implacável “destruição criativa” dos menos aptos e mais acomodados. Em suma, surgiria uma espécie de nova casta guerreira, como a dos samurais, que usaria chips, truques de marketing e especulação financeira, ao invés de espadas curvas de aço.
Deixaríamos de lado a tradicional “carreira profissional de sucesso” dos conservadores, ou a “luta de classes” dos marxistas e passaríamos a ter a luta de todos contra todos, para ser “capitalista” e “vencedor”. Não ser um empreendedor de sucesso, não seria mais visto como fato natural, e sim como uma desonra, e uma prova de inabilidade e falta de competência como ser humano.
Isso não é necessariamente ruim, Mas uma adaptação pacífica das sociedades atuais, em termos de organização política e social á essas novas condições, é um desafio sem precedentes na história.
http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/
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