terça-feira, fevereiro 13, 2007

Somália

Os Estados Unidos, já mobilizados no Afeganistão e no Iraque numa “guerra global contra o terrorismo”, acabam de abrir na Somália uma terceira frente de combate [1]. Os seus recentes ataques aéreos neste país e o envio de vasos de guerra para esta zona provam que na óptica de Washington – que em finais de 2001 já estabelecera uma coligação antiterrorista no golfo de Aden – o Corno de África faz doravante parte do teatro de operações contra a rede Al Qaeda.

Em Junho de 2006, a União dos Tribunais Islâmicos, financiada pelos comerciantes de Mogadíscio fartos dos abusos dos senhores da guerra, rechaçou estes últimos e tomou a capital, tendo os islamitas conseguido impor ordem num país onde havia quase quinze anos imperava o caos.

Os Estados Unidos, depois de terem dado mostras de estreiteza na sua “luta contra o terrorismo” apostando nos chefes de guerra, não aceitaram esta nova ordem, tanto mais que os referidos Tribunais eram acusados de receber ajuda iraniana. O Pentágono, por conseguinte, impeliu a Etiópia cristã, beneficiária desde 2002 dum programa norte americano de assistência militar, a lançar uma ofensiva, pondo à sua disposição meios de reconhecimento aéreo e de escuta facultados por satélites.

A campanha dos etíopes foi fulgurante. Em oito dias, as regiões controladas pelos Tribunais Islâmicos foram ocupadas, Mogadíscio foi ocupada em 28 de Setembro de 2006, e encontram-se agora na Somália cerca de vinte mil soldados etíopes. O Grupo Internacional de Contacto sobre a Somália, impulsionado pelos Estados Unidos a partir de Junho de 2006, reuniu-se no início de Janeiro em Nairobi, no Quénia, e apelou ao financiamento «urgente» de uma força de paz prevista pela Organização das Nações Unidas (ONU). Para já, afora a Etiópia, só o Uganda declarou claramente que enviará tropas. Washington anunciou a atribuição duma assistência de 16 milhões de dólares ao presidente somali de transição, bem como uma ajuda humanitária e uma segunda transferência de 24 milhões de dólares, 14 milhões dos quais destinados a subsidiar a força de paz. A administração Bush acusa os islamitas de protegerem dois terroristas – Fazul Abdullah Mohammed e Ali Saleh Nabhane – implicados nos atentados de 1998 no Quénia e na Tanzânia contra as embaixadas dos Estados Unidos, que causaram 224 mortos.

Face a esta intervenção na Somália, o número dois da Al Qaeda, Ayman Al Zawahiri, apelou à resistência dos combatentes islamitas: «Exorto todos os muçulmanos a responderem ao apelo da jihad na Somália. [...] A verdadeira guerra vai começar com ataques contra as forças etíopes de agressão. [...] Aconselho-vos as emboscadas, os engenhos explosivos e as operações suicidas» [2]. Foi também recomendado a esses combatentes que se inspirem nas guerrilhas do Afeganistão e do Iraque. Por seu turno, Abdulrahim Ali Modei, porta-voz dos Tribunais Islâmicos, afirmou que o seu movimento «não foi vencido» [3]. Os seus homens agruparam se a sul do rio Juba, fronteiriço com o Quénia, região onde os etíopes e as forças especiais norte americanas, com o apoio de aviões de combate AC-130 estacionados em Djibuti, perseguem os islamitas.

Tal como a conquista de Cabul, em 2002, não resolveu o problema talibã, ou como a de Bagdade, em 2003, não resolveu o problema iraquiano, a conquista de Mogadíscio pelos etíopes está longe de ter resolvido o problema somali. Este novo problema ainda só começou.

[1] Ou uma quarta, tendo em conta que em Agosto de 2006, durante a ofensiva israelita contra o Hezbollah, o presidente Bush declarou o seguinte: «O Líbano é a terceira frente da guerra mundial contra o terrorismo».
[2] AFP, 6 de Janeiro de 2007.
[3] International Herald Tribune, Neuilly-sur-Seine, 4 de Janeiro de 2007.
Ignacio Ramonet
Le Monde diplomatique
http://www.infoalternativa.org/autores/ramonet/ramonet102.htm

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