quinta-feira, março 29, 2007

Aterrorizados pela 'guerra ao terror'

Como uma lenga-lenga de três palavras minou os EUA
A "guerra ao terror" criou uma cultura do medo na América. A elevação, pela administração Bush, destas três palavras a uma lenga-lenga nacional, após os horríficos acontecimentos do 11/Set, teve um impacto pernicioso sobre a democracia americana, sobre a psique americana e sobre a posição dos EUA no mundo. A utilização desta frase realmente minou a nossa capacidade para confrontar efectivamente os desafios reais que enfrentamos por parte dos fanáticos que possam utilizar o terrorismo contra nós.

O dano que estas três palavras fizeram – um golpe auto-infligido clássico – é infinitamente maior do que os sonhos mais loucos mantidos pelos fanáticos perpetradores dos ataques do 11/Set quando conspiravam contra nós em distantes cavernas afegãs. A própria frase é sem significado. Ela não define nem um contexto geográfico nem os nossos presumidos inimigos. O terrorismo não é um inimigo e sim uma técnica de guerra – a intimidação política através da morte de não combatentes desarmados.

Mas o pequeno segredo aqui pode ser que a imprecisão da frase fosse deliberadamente (ou instintivamente) calculada pelos seus promotores. A referência constante a uma "guerra ao terror" cumpriu um objectivo maior: Estimulou a emergência de uma cultura do medo. O medo obscurece a razão, intensifica as emoções e torna mais fácil para políticos demagogos mobilizar o público para as políticas que quiserem aplicar. A guerra escolhida no Iraque nunca poderia ter ganho o apoio do Congresso sem a ligação psicológica entre o choque do 11/Set e a postulada existência de armas iraquianas de destruição maciça. O apoio ao presidente Bush nas eleições de 2004 também foi mobilizado em parte graças à noção de que "uma nação em guerra" não muda o seu comandante em chefe no decorrer da mesma. O senso de um perigo difuso mas impreciso foi então canalizado numa direcção politicamente conveniente pelo apelo mobilizador do "estamos em guerra".

Para justificar a "guerra ao terror", a administração recentemente carpinteirou uma falsa narrativa histórica que poderia mesmo tornar-se uma profecia auto-cumprida. Ao clamar que esta guerra é semelhante a lutas americanas anteriores contra o nazismo e o estalinismo (ignorando o facto de que tanto a Alemanha nazi como a Rússia soviética era potências militares de primeira classe, estatuto que a al-Qaeda não alcançou nem pode alcançar), a administração podia estar a preparar o processo para a guerra com o Irão. Tal guerra mergulharia a América num prolongado conflito abarcando o Iraque, o Irão, o Afeganistão e talvez também o Paquistão.

A cultura do medo é como um génio que foi libertado da sua garrafa. Ela adquire uma vida por si própria – e pode tornar-se desmoralizadora. A América de hoje não é a nação auto-confiantes e determinada que respondeu a Pearl Harbor, nem é a América que ouviu do seu líder, em outro momento de crise, as poderosas palavras "a única coisa que temos a temer é o próprio medo", nem é a tranquila América que travou a Guerra Fria com serena persistência apesar de saber que uma guerra real poderia ser iniciada abruptamente dentro de minutos e conduziria à morte de 100 milhões de americanos em apenas umas poucas horas. Nós agora estamos divididos, incertos e potencialmente muito susceptíveis ao pânico no caso de outro acto terrorista nos próprios Estados Unidos.

Isto é o resultado de cinco anos de quase contínua lavagem cerebral no país com o assunto do terror, bastante diferente das reacções mais tranquilas de vários outros países (Grã-Bretanha, Espanha, Itália, Alemanha, Japão, para mencionar apenas alguns) que também sofreram penosos actos terroristas. Na sua mais recente justificativa para a sua guerra no Iraque, o presidente Bush clama mesmo, de forma absurda, que tem de continuar a travá-la a fim de que a al-Qaeda não atravesse o Atlântico para lançar uma guerra de terror aqui nos Estados Unidos.

Tais mercadores do medo, reforçados por empresários de segurança, pelos mass media e pela indústria do entretenimento geram o seu ímpeto. Os empresários do terror, habitualmente descritos como peritos em terrorismo, estão necessariamente empenhados numa competição para justificarem a sua existência. Portanto, a sua tarefa é convencer o público que enfrenta novas ameaças. Isto proporciona uma recompensa na apresentação de cenários críveis de actos de violência cada vez mais horrendos, por vezes até mesmo com os planos para a sua execução.

Que a América tornou-se insegura e mais paranóica é dificilmente debatível. Um estudo recente relatou em 2003 o Congresso identificou 160 sítios como alvos nacionais potencialmente importantes para pretensos terroristas. Com os lobistas a pressionarem, no fim daquele ano a lista havia crescido para 1849; no fim de 2004, para 28.360; em 2005, para 77.769. A base de dados nacional de possíveis objectivos tem agora uns 300.000 registo, incluindo a Sears Tower em Chicago e um Festival da Maçã e do Porco (Apple and Pork Festival) em Illinois.

Na semana passada, aqui em Washington, no meu caminho da visita a um gabinete jornalístico, tive de passar através de um dos absurdos "controles de segurança" que proliferaram em quase todos os edifícios privados de escritório nesta capital – e na cidade Nova York. Um guarda uniformizado exigiu-me que preenchesse um formulário, mostrasse o documento de identificação e neste caso explicasse por escrito a finalidade da minha visita. Será que um terrorista visitante indicaria por escrito que a finalidade seria "explodir o edifício"? Será que o guarda seria capaz de deter um auto-confessado bombista suicida? Para tornar as coisas mais absurdas, grandes lojas de departamentos, com suas multidões de compradores, não têm quaisquer procedimentos comparáveis. Nem tão pouco salas de concertos ou de cinema. Mas tais procedimentos de "segurança" tornaram-se rotina, desperdiçando centenas de milhões de dólares e contribuindo ainda para uma mentalidade de cerco.

O governo tem estimulado a paranóia a todos os níveis. Considere, por exemplo, os avisos electrónicos nas rodovias inter-estaduais a urgirem os motoristas a "Denunciarem actividade suspeita" (condutores com turbantes?). Alguns mass media fizeram a sua própria contribuição. Os canais por cabo e alguns media impressos descobriram que cenários de horror atraem audiências, enquanto "peritos" em terror como "consultores" proporcionam autenticidade às visões apocalípticas dadas a comer ao público americano. Portanto, a proliferação de programas com "terroristas" barbudos como os vilões principais. O seu efeito geral é reforçar o sentimento do perigo desconhecido mas à espreita que se diz estar a ameaçar as vidas de todos os americanos.

A indústria do entretenimento também saltou para a cena. Assim, as séries de TV e os filmes nos quais os maus caracteres têm reconhecíveis feições árabes, por vezes destacadas por gestos religiosos, que exploram a ansiedade do público e estimulam a islamofobia. Os esterótipos faciais árabes, particularmente nas caricaturas de jornais, tem por vezes recordado tristemente campanhas nazis de anti-semitismo. Ultimamente, mesmo algumas organizações de estudantes envolveram-se em tal propagação, aparentemente esquecidas das ameaçadoras conexões entre a estimulação de ódios raciais e religiosos e o desencadear dos crimes sem precedentes do Holocausto.

A atmosfera gerada pela "guerra ao terror" encorajou a perseguição legal e política de árabe-americanos (geralmente americanos leais) por condutas que não têm sido apenas deles. Um caso de destaque é a perseguição relatada do Council on American-Islamic Relations (CAIR) por sua tentativa de emular, não com muito êxito, o American Israel Public Affairs Committee (AIPAC). Alguns deputados do Partido Republicano recentemente descreveram os membros do CAIR como "apologistas do terror" aos quais não deveria ser permitida a utilização da sala de reuniões do Capitólio para um painel de discussão.

A discriminação social, em relação por exemplo aos passageiros aéreos muçulmanos, também tem sido um sub-produto não pretendido desta campanha. Não surpreendentemente, o ânimo em relação aos Estados Unidos, mesmo entre muçulmanos não particularmente preocupados com o Médio Oriente, intensificou-se, ao passo que a reputação da América como líder na promoção de relações inter-raciais e inter-religiosas construtivas sofreu rudemente.

O registo é ainda mais perturbador na área geral dos direitos civis. A cultura do medo alimentou a intolerância, suspeição de estrangeiros e a adopção de procedimentos legais que minam noções fundamentais de justiça. A noção de inocente até que se prove culpado foi diluída se não desfeita, com alguns – mesmo cidadãos americanos – encarcerados por longos períodos de tempo sem efectivo e imediato acesso ao devido processo. Não há qualquer evidência conhecida de que tais excessos tenham impedido actos significativos de terrorismo, e de que as convicções de supostos terroristas de qualquer espécie tenham sido reduzidas. Algum dia os americanos ficarão envergonhados com estes registos, tal como agora ficam em relação a exemplos anteriores da história dos EUA em que o pânico de muitos levou à intolerância contra poucos.

Enquanto isso, a "guerra ao terror" prejudicou gravemente os Estados Unidos no plano internacional. Para os muçulmanos, a semelhança entre o rude tratamento de civis iraquianos pelos militares americanos e do palestinos pelos israelenses promoveu um sentimento generalizado de hostilidade para com os Estados Unidos em geral. Não é a "guerra ao terror" que encoleriza os muçulmanos que assistem os noticiários na televisão, é a vitimização de civis árabes. E o ressentimento não é limitado a muçulmanos. Um recente inquérito da BB junto a 28 mil pessoas em 27 países que examinou avaliações dos inquiridos quanto ao papel dos estados nos assuntos internacionais resultou em que Israel, Irão e Estados Unidos foram classificados (nesta ordem) como os estados com "a maior influência negativa no mundo". Aliás, para alguns este é o novo "eixo do mal"!

Os acontecimentos do 11/Set poderiam ter resultado numa solidariedade verdadeiramente global contra o extremismo e o terrorismo. Uma aliança global de moderados, incluindo muçulmanos, empenhados numa campanha deliberada tanto para extirpar redes terroristas específicas como para terminar conflitos políticos que geram terrorismo. Isto teria sido mais produtivos do que uma "guerra ao terror" contra o "islamo-fascismo" proclamada de forma demagógica e em grande parte solitária. Só uma América confiantemente determinada e razoável pode promover a segurança internacional genuína que não deixa qualquer espaço para o terrorismo.

Onde está o líder dos EUA pronto a dizer: "Basta de histeria, chega de paranóia"?. Mesmo em face de futuro ataques terroristas, cuja probabilidade não pode ser negada, vamos mostrar algum senso. Sejamos fieis às nossas tradições.
Zbigniew Brzezinski
http://resistir.info/

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