sábado, março 03, 2007

Capitalismo, socialismo e desemprego tecnológico

É um erro conceitual muito comum pensar no problema do moderno desemprego tecnológico -derivado das aplicações intensivas da microeletrônica e das novas técnicas gerenciais- como existindo somente no modo de produção capitalista.

O desemprego tecnológico não é nenhuma novidade. Já David Ricardo (1772-1823), em seu livro “Princípios de Economia Política e Tributação” afirmava que: “...a opinião defendida pela classe trabalhadora de que o emprego da maquinaria é freqüentemente prejudicial aos seus interesses não emana de preconceitos ou erros, mas está de acordo com os princípios corretos da Economia Política”.

Mas o próprio Ricardo, adverte que não havia muito com o que se preocupar: “As afirmações que fiz não levarão, espero, à conclusão de que o uso da maquinaria não deve ser encorajado. Para elucidar esse princípio, eu supus que a maquinaria aperfeiçoada é repentinamente descoberta e usada extensivamente”.(1)

Em “O Capital”, Karl Marx afirma que: “Embora a maquinaria necessariamente desloque trabalhadores nos ramos de atividade em que é introduzida, pode, no entanto, suscitar aumento da ocupação em outros ramos”. Alem disso, “aumenta a procura de trabalho nos ramos ainda artesanais ou manufatureiros em que entra o produto da máquina”. Alem disso, ele acreditava que muitos empregos iriam surgir “em ramos totalmente novos” como a telegrafia, fotografia, etc. (2)

Como se vê, os dois ilustres pensadores estavam perfeitamente de acordo em que o desemprego tecnológico era um problema ainda remoto e de solução simples. Partiam do princípio de que as novas tecnologias nunca seriam “repentinamente” aperfeiçoadas, e usadas “extensivamente”, e que de qualquer modo, a “maquinaria” suscita “aumento de ocupação em outros ramos”.

Quando fala em “ramos totalmente novos”, que surgiriam na esteira da própria evolução tecnológica, Marx demonstra o mesmo entusiasmo dos que hoje fazem a apologia da “nova economia”, geradora de mais e melhores empregos “criativos”, toda ela “baseada nos serviços”, “no silício”, “na biotecnologia”, etc.

Depois do colapso do “socialismo realmente existente” e da extensa “reestruturação produtiva” capitalista, com o aumento descontrolado do desemprego e a exportação de empregos para países de mão-de-obra barata (“offshore outsourcing” ou “offshoring”), tornou-se comum à crença, errada, de que o desemprego tecnológico se aplica exclusivamente ao modo de produção capitalista.

Para percebermos isso, temos de colocar a questão numa perspectiva mais ampla: Como uma economia, sendo “capitalista” ou “socialista”, reagia ao desemprego tecnológico tradicional? E como poderia reagiria agora? Como se deveria reagir a uma inovação tecnológica de valor inquestionável?

Se um produto (ou serviço) puder ser produzido com menor quantidade de matéria prima, menor consumo de energia ou menos horas de trabalho, a lógica de qualquer sistema racional de produção, é que fatalmente o será. O desemprego tecnológico decorrerá sempre do surgimento de alguma inovação que torne parte da mão-de-obra redundante.
Numa economia de mercado, esse contingente de operários irá ser demitido. Ficarão dessa forma, à disposição do mercado. Espera-se que essa mão-de-obra, assim “liberada”, incentive outros empreendedores a utilizá-la da melhor maneira possível.

Numa economia planificada, o mesmo contingente de operários acabaria por ficar a disposição do sistema de planejamento central. Esperava-se que os camaradas dirigentes os utilizassem, da melhor forma possível, em alguma atividade útil para o povo.

Devemos notar que nos dois casos, haveria todo tipo de transtorno, para os trabalhadores que fossem considerados desnecessários. Essas pessoas muito provavelmente teriam de mudar de ocupação, de local de trabalho ou de posição social.

Para evitar completamente os incômodos desse “deslocamento” traumático, os dirigentes capitalistas deveriam renunciar voluntariamente a um aumento de seus lucros, e assumir futuramente, a responsabilidade pela possível vulnerabilidade diante dos seus concorrentes.

Os camaradas socialistas deveriam renunciar ao aumento da produção, que poderia beneficiar diretamente o seu povo, ao mesmo tempo em que sujeitaria sua economia aos males de uma inevitável obsolescência. Note-se que essa tem sido apontada como a principal causa do declínio econômico da URSS.

Fica logo claro que as duas soluções seriam prejudiciais à população em geral. Os dirigentes capitalistas só aceitariam fazer uma coisa tão idiota no caso de receberem generosos subsídios governamentais. Seus equivalentes socialistas só adotariam tais medidas caso recebessem ordens explícitas e truculentas nesse sentido.

Logo percebemos que esses foram exatamente os casos em que os “neoliberais” criticaram, com grande sucesso, seus governos “intervencionistas” e “keynesianos” por suas interferências indevidas em favor de grupos sindicalizados poderosos. Para a maioria dos países do “socialismo real”, a crítica (e a autocrítica) veio tarde demais...

Mas supondo que a atual onda de globalização se desse sob o paradigma do socialismo.
É muito duvidoso que em uma economia de planejamento central, fosse possível lidar com inovações tecnológicas cujo efeito “colateral” seja exatamente a dispensa de uma grande quantidade de trabalhadores.

O mais provável é que a tendência burocrática desses regimes os levasse a ignorar e até mesmo a proibir o desenvolvimento dessas tecnologias. Mas as tecnologias em si não poderiam ser ignoradas em outras áreas, como a militar, por exemplo.

O resultado seria o estabelecimento de contradições insolúveis.

Notas:
(1) “Princípios de economia política e tributação” – David Ricardo - “Os Pensadores” - Abril Cultural – Vol. XXVIII – pág. 342.
(2) “O Capital” – Karl Marx – Abril Cultural - Vol I – Tomo 2 – pág. 57

http://lauromonteclaro.sites.uol.com.br/

Sem comentários: