sábado, março 03, 2007

Dogma e ciência

É comum que quem defende dogmas que a ciência refuta argumente que a ciência também é dogmática. O que não adianta nada. Mesmo que fosse, um dogma não é mais aceitável só por ser oposto por outro dogma. E a ciência não é dogmática.

Mas a confusão não espanta. A ciência que aprendemos na escola é nos ensinada como dogma. O professor, autoridade, debita a matéria e a criança aceita-a sem questionar. Isto não é uma crítica ao ensino, porque tem mesmo que ser assim. Não podemos pôr os miúdos da primária a rever artigos dos colegas, a apontar defeitos nas conclusões, ou a propor explicações alternativas. O ensino secundário beneficiaria de uma abordagem mais crítica, mas que exigiria demasiado dos professores e a participação activa dos alunos. Não é compatível com a prioridade que é ensinar o maior número possível. Mesmo o ensino superior é dominado pelo conhecimento e relega para segundo plano a prática da ciência como crítica e revisão constante.

O resultado é que só se começa a fazer ciência no mestrado ou doutoramento, onde se exige que o aluno considere alternativas, interprete observações, critique explicações e conceba testes para as várias hipóteses. E isto é como andar de bicicleta. Pode-se explicar em detalhe, mas não há como fazê-lo para perceber o que é. Felizmente, é mais fácil que andar de bicicleta. Não é preciso bicicleta, e as quedas são só metafóricas. Consideremos estas duas afirmações:

A- Se deres com a cara na parede magoas o nariz.
B- Se ofenderes Deus sofrerás eternamente.

Ambas parecem dogmáticas. «Dogma» deriva da palavra Grega para opinião (dogmatos), e ambas podem ser apresentadas como a opinião inquestionável de uma autoridade. Mas são diferentes. É por mera opinião que se aceita B. Podem chamar-lhe fé, crença, ou tradição, mas é tudo opinião. A afirmação A é diferente porque podemos testá-la. Tenham a opinião que tiverem, se baterem com a cara na parede terão uma informação concreta que transcende o mero dogmatos. E essa é a base da ciência.

Isto impõe certas restrições. Não vale falar do unicórnio invisível cor de rosa, nem afirmar aquilo que nunca se pode saber se é verdade ou não. Se formos por aí caímos novamente no dogma. O que não se pode testar aceita-se ou rejeita-se por opinião. Mas no resto podemos criticar, duvidar, especular, propor alternativas, fazer experiências, e no fim ver quem tem razão pelas evidências.

Enquanto as opiniões são subjectivas, as evidências podem ser tais que sejam iguais para todos. Batam com a cara contra a parede se discordarem da afirmação A. É esta a grande vantagem da ciência. Não é o laboratório e os tubos de ensaio, não é o tal «método» de que tanto se fala, se bem que ambos sejam importantes. Acima de tudo a ciência é o empreendimento colectivo de criticar, duvidar, questionar, e no fim encontrar nas evidências a base do consenso. E todos podemos fazê-lo.

Para participar basta deixar de ver opiniões como minhas, tuas, ou dele. Não interessa de quem são. Não interessa a tradição, a crença, o padre ou o professor. Interessa apenas as opiniões, que são de quem as quiser, e as evidências, que são para todos quer queiram quer não. Isto não quer dizer que a autoridade desapareça por completo. Se temos evidências que o mecânico normalmente encontra a avaria, justifica-se confiar na sua opinião. Mas justifica-se pela evidência. Pela evidência que o mecânico usa quando forma uma opinião, e pela evidência que demonstra que muitas das suas opiniões estão correctas.

O caso do padre ou do teólogo é diferente. Afirmam com autoridade que a homossexualidade é intrinsecamente pecaminosa, mas nem há evidência que esta opinião esteja correcta, nem há evidências que os padres ou teólogos consigam identificar o pecado melhor que os outros. A autoridade desta opinião assenta apenas na opinião de ser autoritária. É isto que é dogma.
Ludwig Krippahl
http://ktreta.blogspot.com/

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