domingo, março 25, 2007

Habilitações, Equivalências, Bolonhas e Outras Coisas Estranhas

Algo que primeiro me intrigou e depois me irritou foi a forma algo acarneirada como por cá se aderiu de forma muito pouco crítica ao processo de Bolonha no que se refere a uma uniformização das habilitações académicas de nível superior.
Na prática usaram-se dois argumentos para fazer com que a coisa fosse implementada o mais rapidamente possível, se necessário fosse martelando as conversões dos cursos e respectivos planos de estudos de acordo com os novos formatos:
• A coisa vem da Europa, é inevitável.
• A coisa facilita a vida dos portugueses no mercado de trabalho qualificado europeu, pois permite-lhes um rápido reconhecimento das suas habilitações obtidas cá dentro. Seriam as vantagens da mobilidade na Europa do trabalho.
Ora qualquer destes argumentos assenta em falácias e mais não são, em minha opinião, do que pretextos para justificar outro tipo de interesses.
• Antes de mais, a forma como se procurou apresentar como uma inevitabilidade a reconversão dos cursos de licenciatura e mestrado (os dois primeiros ciclos de estudos superiores bolonhizados), ocultou em muitos casos que isso não implica uma total uniformização desses mesmos cursos, nomeadamente quanto à estrutura e duração, visto ser permitida alguma variação. Claro que instituições e cursos com a pretensão de se regular por referenciais de qualidade (ver ainda o caso de Medicina) e não meramente de moda e aparente conveniência, apresentaram as suas dúvidas sobre as soluções e modelos apresentados como se fossem praticamente os únicos possíveis.
• Por outro lado, o argumento das vantagens para os portugueses de uma harmonização dos seus cursos de modo a obterem mais facilmente o reconhecimento das suas habilitações lá fora foi, para mim, uma inversão da verdadeira razão pela rápida a desão a Bolonha. A verdade é que, pelo que sei e com especial destaque para algumas áreas científicas de ponta, a formação superior portuguesa era mais completa entre finais dos anos 80 e os anos 90 do que acontecia em muitos outros países da Europa e mesmo dos EUA. Lembro-me de uma amigo da área da engenharia informática que, tendo ido estagiar no final dos anos 80 para a Alemanha numa grande empresa, me testemunho como os portugueses tinham uma formação teórica muito mais sólida do que os alemães, apenas padecendo do velho mal da falta de meios para a experiência prática com equipamentos adequados.
O que na verdade acontecia então - e os exemplos directos que conheço são vários - é que existiam muitos investigadores, mestres e doutorados lá fora que, devido à curta duração dos seus ciclos de estudos, muitas vezes tinham dificuldade em obter cá a desejada equiparação dos estudos feitos lá. Já por aqui alguém recordou em um ou outro comentário os famosos mestrados em Educação feitos em Boston (e não só) em 18-24 meses, quando por cá era necessário o dobro do tempo. E já nos anos 90 lembro-me de algumas dificuldades de gente com aspirações na área das Ciências Sociais e Humanas que, depois de irem lá fora fazer mestrados e doutoramentos de duração curta em instituições com alguma nomeada (e outras nem tanto…), se viam embaraçados para conseguirem que lhes fosse reconhecida uma habilitação que, na prática, correspondia cá a um grau académico inferior. Doutoramento relâmpago feitos na base anglo-americana da revisão crítica de determinados temas, com escasso ou nulo trabalho de campo e/ou arquivístico, chegavam cá e correspondiam aos mestrados então em vigor e depois a confusão estabelecia-se porque, afinal, aquilo era um doutoramento feito “na América” ou “lá fora na Europa”, sendo que a certa altura a moda passava por Florença onde se fez muito doutoramento com mais parra que uva.
Portanto, o que tivemos não foi uma harmonização destinada a favorecer os portugueses formados cá na sua luta por um lugar qualificado lá fora. O que efectivamente tivemos foi algo muito conveniente para aqueles que, tendo ido lá fora fazer os seus estudos, depois deparavam com resistências internas ao reconhecimento das suas habilitações.
E assim, numa das poucas coisas em que o nosso sistema educativo ficava a ganhar comparativamente a muitos outros em termos de qualidade, a opção foi por nivelar por baixo, agravando uma tendência já antes iniciada com a desregulação completa do acesso ao ensino superior com a incapacidade de estabelecer critérios mínimos para a aceitação dos candidatos.
Agora vamos ficar com um imenso Ensino Politécnico, em que a uma completa desestruturação dos planos de estudos de cursos que antes tinham alguma coerência, vai corresponder por outro lado a pompa e circunstância da inflação de mestrados anémicos.
Mas dizem que é europeu e parece que tem um ar de modernidade.
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