sábado, março 31, 2007

É melhor não ligar

Aproveito este momento para um desaforo. Gostava de falar um pouco sobre o atendimento ao público que se faz por telefone.
Ontem, por volta da meia-noite e trinta, fiquei sem luz. Sem luz é a expressão popular para simplificar algo tão técnico como falha geral de energia. Sem luz e sem televisão eu aguentava, mas o meu computador entrou em modo de economia e começou a trabalhar só com a bateria. Bateria que é, de resto, uma bela merda.
Quinze minutos depois da falha, decidi ligar para a EDP. Do outro lado, uma senhora simpática iniciou o diálogo com uma longa frase feita. Podia ter lido um romance, durante a apresentação da senhora.
Eu, mais fraquinho na lábia e surpreendido com a chegada do momento em que finalmente podia dizer qualquer coisinha, lá comentei que tinha ficado sem luz. A senhora, com a arrogância de quem pensa “pois, era estranho era se tivesses ficado sem água e estivesses a ligar para aqui”, solta o já célebre: e eu estou a falar com… "José Pedro" – digo-lhe eu como quem apaga um cigarro no chão.
Já a tratar-me pelo nome e antevendo o início de uma grande amizade, pede-me um número de qualquer coisa ou, em alternativa, outro de coisa qualquer. Auxilia-me dizendo que estes números se encontram no campo superior direito da factura. Tudo isto antes de me dar mais alguns segundos de protagonismo, para lhe explicar que não tinha nenhuma factura comigo e que me recusava a ir à procura. Não por ser antipático, mas a luz ajuda a procurar facturas.
Comecei a perceber que estava a falar com uma mulher paga para fazer de máquina, quando me pedem para aguardar uns segundos e passados nem dois (foi quase imediato) me dizem: Senhor José Pedro, muito obrigado por ter aguardado.
Aguardado? Mais tempo esperei eu que a senhora conseguisse concluir a primeira frase do telefonema e na altura ninguém me agradeceu.
Algum especialista em atendimento ao público disse às telefonistas que tinham de agradecer sempre que pediam para aguardar e as telefonistas agradecem sempre que pedem para aguardar. Numa repetição tão exasperante como esta que acabo de fazer.
O drama chegaria, porém, só quando a senhora me disse que não havia nenhuma indicação de avaria e perguntou se eu queria que ela mandasse vir um técnico às oito da manhã. Às oito da manhã, só se fosse para o técnico me dar banho. Com luz ou sem luz, a essa hora tenho de estar a pensar em trabalhar um bocadinho, que a publicidade no blogue não chega para comprar lenha, quanto mais para me preocupar com a luz.
Expliquei-lhe então que suspeitava que a avaria fosse na rua e que a electricidade devia regressar dentro de pouco tempo, pelo que não se justificava qualquer assistência técnica. Foi então que ela me disse: por isso mesmo é que eu estou a perguntar ao senhor se quer que o técnico vá aí. Parecia que a senhora me estava a bater com um pau. Por isso mesmo? Por eu suspeitar que a avaria fosse na rua e que a electricidade devia regressar dentro de pouco tempo, pelo que não se justificava qualquer assistência técnica, é que ela me perguntava se eu queria que o técnico viesse cá?
Tenho de confessar que comecei a ficar confuso. Tive de lhe dizer expressamente que não, sem mais explicações. Afinal de contas, estava a falar com uma máquina.
Mais interessante foi, sensivelmente a meio da conversa, quando a senhora me perguntou se tinha verificado o quadro, como se eu tivesse nascido ontem ou a electricidade tivesse chegado agora à minha aldeia. Ainda que compreenda a pergunta, eu ofendo-me com estas coisas. Deu-me vontade de dizer que não, que tinha logo entrado em pânico, chamado os bombeiros e a sociedade protectora dos animais. Então não era de ter inferido logicamente que eu já tinha visto o quadro?
Para além de serem máquinas, enfiam-lhes o software para estúpidos, dando origem a diálogos absurdos. A electricidade voltou quarenta minutos depois do telefonema, como eu previra. Fiquei com vontade de voltar a ligar, mas temi qualquer coisa como “então e agora que a luz voltou, já quer que lhe envie um técnico para resolver o problema da falta de luz?”.
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