segunda-feira, abril 09, 2007

300 (erros históricos do filme)

A cobertura que a imprensa está dando ao filme estrelado pelo Rodrigo Santoro é massiva e vergonhosa. Trezentos é um espetáculo cinematográfico bastante interessante. Impossível assistir ao filme uma só vez. Entretanto, do ponto de vista histórico é lastimável. O filme se baseia na obra de Frank Miller, a qual é uma péssima adaptação da história da Batalha das Termópilas.

Na sua História, Heródoto de Helicarnaso, principal fonte do evento, nos deu um detalhado panorama das vidas de Ciro, Cambises, Dario e Xerxes.

A campanha deflagrada por Xerxes foi idealizada e começou a ser preparada por Dario. Duas eram as motivações persas: durante o reinado de Dario, os gregos haviam invadido Sardes, tributária do Império Persa, e colocado fogo no bosque sagrado; durante a subseqüente campanha de Dario para vingar o agravo, os atenienses haviam derrotado os persas em Maratona.

Com a morte de Dario, Xerxes se tornou imperador. Pouco antes havia sido nomeado príncipe jurado do império com a ajuda do espartano Demarato, que era filho de Aristón (rei deposto de Esparta que se refugiou na corte persa em Susa).

Relata Herodoto que durante a preparação da guerra Xerxes chegou a desistir da empresa, mas foi convencido em contrário por um sonho. Segundo o historiador grego, os persas contavam com 1,7 milhões de homens de infantaria quando atravessaram o Helesponto. A frota persa contava com milhares de embarcações.

As operações de engenharia que precederam a campanha são dignas de um filme. Xerxes mandou escavar um canal para passar seus barcos pelo istmo próximo ao monte Atos. Mandou, também, construir uma ponte de barcos para que suas tropas de infantaria atravessassem o Helesponto. A construção desta ponte sobre o mar foi um feito memorável, uma prova da resistência e da determinação do imperador persa. Após ser construída a ponte foi destruída por uma tempestade. Xerxes ordenou a reconstrução da ponte, não sem antes mandar que o próprio mar fosse açoitado à chicote. Quando reuniu suas tropas e passou-as em revista já na Europa, o Persa chorou ao considerar a magnitude de sua empresa e a fatalidade da vida humana ser tão curta.

Quando chegou a Grécia, Xerxes mandou emissário a quase todas as cidades exigindo sua submissão (terra e água). Só não mandou embaixadores a Atenas e Esparta, porque pretendia aproveitar as divisões que haviam entre os gregos intimidando as cidades mais frágeis e obrigando-as à submissão antes de tratar dos atenienses e espartanos.

Ao tomar conhecimento da guerra os gregos começaram a se confederar para fazer frente ao inimigo. Foi neste contexto que os espartanos tentaram conter os persas nas Termópilas, um desfiladeiro estreito através do qual o exército de Xerxes teria que passar para dominar toda a Grécia.

Herodoto relata muito pouco sobre a vida de Leonidas. Ficamos sabendo que se tornou rei de Esparta porque Cleómenes, seu antecessor, morreu sem deixar filhos e Leonidas era digno e casado com uma filha do rei morto. Escolheu o rei 300 espartanos em idade militar que já tinham filhos e convidou os tebanos para acompanhá-lo. Chegou às Termópilas, para onde rumaram também locros e focenses, decidido a deter o avanço dos persas para, através do exemplo, infundir coragem aos gregos confederados e dar tempo para que eles organizassem a defesa contra os invasores.

A resistência dos gregos deteve os persas por alguns dias, mas todos acabaram sendo massacrados em razão de uma traição. O grego Epialtes conduziu as tropas persas até a retaguarda grega possibilitando que Leônidas e os seus fossem cercadas. Durante a batalha final, tombou o rei espartano e um combate furioso se realizou pela posse de seu corpo. Morreram nas Termópilas 4.000 gregos, com destaque para os 300 espartanos que resistiram até serem massacrados sobre uma chuva de flechas.

Vê-se, pois, que o roteiro do filme é historicamente falho. Em 300 Leonidas mata os emissários de Xerxes e Herodoto afirma que o Persa não enviou embaixada a Esparta e Atenas. Não há na história nenhum relato sobre o suborno dos Éforos, sobre a divisão política na cidade de Esparta após Leonidas ir para as Termópilas, bem como nenhuma referência a encontros entre Xerxes e Leonidas.

O Xerxes cinematográfico é um gigante afeminado cercado de seres infernais e deformados. O Xerxes histórico foi um homem suficientemente capaz para conduzir uma empresa militar sem paradigma em razão de sua grandeza. Mas o resultado da guerra era desde logo duvidosa em razão do gigantismo do exército e frota persas. Segundo Herodoto, após a travessia do Helesponto, o persa Artabano, tio de Xerxes, avisou o imperador que não existiam portos em que a frota persa pudesse se abrigar em caso de mau tempo. Artabano sustentou, também, que e uma quantidade tão grande de soldados não poderia ser alimentada por muito tempo em territórios tão pobres como os gregos.

Epialtes é representado no filme como um espartano deformado que, rejeitado por Leonidas se passa para o lado persa. Entretanto, pelo relato de Heródoto ficamos sabendo que até o filho de um rei deposto de Esparta acompanhou Xerxes e que várias cidades da Tesália se submeteram ao Persa cedendo-lhe soldados e alimentos. Não é de se estranhar que um grego indicasse aos persas a maneira de contornar o obstáculo da falange espartana nas Termópilas para cercá-la e massacrá-la.

No final do filme Leonidas quase acerta Xerxes. Este fato não é relatado por Herodoto. O furioso combate pela posse do corpo de Leonidas não foi representado no filme. Em 300 o rei espartano morre ao mesmo tempo que seus soldados.

300 dá ênfase a perícia, coragem e determinação dos combatentes espartanos. Seus aliados são representados como soldados amadores e inúteis. Entretanto, apesar da maior glória dos espartanos, morreram nas Termópilas 4.000 gregos e Herodoto reconheceu o valor militar de todos eles sem exceção.

Heródoto dá detalhes minuciosos sobre as tropas persas e suas armas. Não há na sua obra nenhuma referência à utilização de bombas ou de bestas de guerra como elefantes e rinocerontes. No filme os persas usam bombas e as bestas de guerra desempenham uma função importante.

Apesar de suas deficiências históricas 300 é um espetáculo poderoso. Tem o mérito de entreter e de despertar o interesse do expectador para aquela remota batalha em que os destinos da civilização estiveram em jogo.

300 coloca em evidência a capacidade da indústria cultural de destruir ícones, de deformar completamente a história de eventos narrados à mais de dois milênios. Sua aliada, a imprensa, parece não se importar com isto e faz a propaganda do filme como sendo fiel a Frank Miller, sem sequer questionar se o americano foi fiel a Heródoto de Helicarnaso. A lógica da indústria cultural é a produção de mercadorias, a da imprensa é o comércio de anúncios. O resultado deste casamento é muita desinformação.

Já estou até vendo o resultado. Professores de história sendo questionados sobre o filme 300 e histéricos com a reação dos alunos quando tentarem provar que o mesmo não é fidedigno a Heródoto de Helicarnaso. Sua tarefa será inglória, pois o poder de sedução do filme é imenso. E não há qualquer produto pedagógico que se aproxime da produção cinematográfica da péssima adaptação de Frank Miller.




Fábio de Oliveira Ribeiro

www.revistacriacao.cjb.net
http://pt.indymedia.org/ler.php?numero=115570&cidade=1

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