sexta-feira, fevereiro 22, 2008

Crescimento ou Sustentabilidade

“Desenvolvimento sustentável” é um lugar comum no discurso dos economistas neoliberais. Com essa expressão pretendem insinuar, imaculado, o paradigma do “crescimento económico”.

O termo “desenvolvimento sustentável” foi oficialmente fixado no relatório Our Common Future pela Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento, mais conhecida por Comissão Brundtland, sob os auspícios das Nações Unidas, em 1987. Este é um documento que ainda hoje é lido com proveito; aí se diz que sustentabilidade é «suprir as necessidades da geração presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras poderem suprir as suas»; é um conceito sistémico relacionando a interdependência das vertentes económica, social, cultural e ambiental da evolução da humanidade. Podemos supor que esse relatório oficial foi então, pelo menos em parte, uma resposta ao grave desafio anteriormente lançado pelo igualmente conhecido Limits to Growth, da autoria de Donella Meadows, Dennis Meadows e colegas, publicado em 1972 com o patrocínio do “Clube de Roma”; este estudo, agora histórico, foi actualizado em 2004 sob o título Limits to Growth: The 30-Year Update, confirmando o alarme e a subjacente denúncia do crescimento económico capitalista.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, em 1992, e a Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, Joanesburgo, em 2002, foram grandes iniciativas inter governamentais que formalmente estariam a dar sequência ao enunciado de problemas colocado em Our Common Future. Mas os resultados alcançados são modestos, face à dimensão dos problemas materiais e humanos que se colocam e às contradições que constrangem a sua resolução; em particular, a busca de soluções e acção consensual tem sido constrangida pelo protagonismo cedido às grandes corporações, que têm encontrado nesses eventos forma para promoverem a sua imagem (“responsabilidade social das corporações”) e para obstarem a adopção de decisões de fundo.

Tanto em Limits to Growth como em Our Common Future, o ambiente é inseparável da relação do homem com a natureza, articulada com o desenvolvimento económico e social, a equidade e justiça social, o bem-estar e aperfeiçoamento da pessoa humana.

Na prática política, pelo contrário, o ambiente tornou-se num tema artificiosamente autónomo, uma visão frequentemente redutora, ou porque não considera na sua integralidade o ciclo de vida dos materiais e substâncias desde a produção primária e o seu fluxo através da esfera económica até ao seu regresso à natureza, ou porque ignora os fluxos indirectos ou invisíveis associados aos bens transaccionados, ou porque ignora o declínio das fontes de matérias-primas minerais, ou a sobre-exploração de recursos renováveis (como os solos e os pesqueiros) para além da respectiva taxa de reposição, etc.

O ambiente, na sua abordagem simplista, aparece como campo de confronto entre uns, que pretendem o proteccionismo de habitats ou de paisagens alienando a presença do homem na natureza, e outros, que pretendem adquirir a propriedade de bens naturais para fazerem negócio com eles. Entretanto, o ambiente tornou se de facto num grande negócio, uma “indústria ecológica”; enquanto uns promovem o consumismo insano, outros promovem a “eliminação” dos resíduos e vestígios de consumos desordenados, uns e outros fazendo negócio em proveito próprio.

Na União Europeia, a integração da protecção ambiental nas políticas comunitárias, sob a designação de Processo de Cardiff, foi iniciada pelo Conselho Europeu em Junho 1998, dando cumprimento ao preconizado no art.º 6 do Tratado Amsterdão, e traduz-se numa miríade de normas. Todavia, quanto a recursos naturais, a posição da União está francamente omissa. A Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre Estratégia Temática sobre a Utilização Sustentável dos Recursos Naturais, COM(2005) 670, datada de 21.12.2005, torna esse facto patente. Aí se reconhece que ainda nenhum estado da União adoptou uma estratégia para os recursos.

E todavia a dependência da Europa em numerosas matérias-primas e energia é gritante. Como é significativamente frágil a reflexão que aí se contém. A preocupação política central anunciada é persistir num “crescimento económico”, porém supostamente dissociado do consumo de recursos e de impactos ambientais; em particular o PIB deveria crescer, mas a intensidade material e energética do produto (ton/€ e tep/€) supõe-se crescer a ritmo mais lento ou até mesmo decrescer, e os impactos ambientais (segundo diversos indicadores) supõem-se diminuir. Este “desacoplamento” do crescimento do produto relativamente ao consumo de materiais e de energia e aos impactos ambientais designa-se de “desmaterialização”. Nas considerações da Comissão se recolhe a preocupação com os recursos renováveis, dados como sendo escassos; assim é de facto, quando na Europa a floresta primitiva foi erradicada, os ecossistemas estão extremamente fragmentados e inúmeras espécies foram extintas, muitos solos foram exauridos, e escasseia a água em muitos aquíferos sobre explorados. Mas, em contrapartida, a Comissão cai no erro de tomar os recursos minerais como inesgotáveis, houvesse território que eles estariam à espera debaixo dos nossos pés.

A realidade é que a Europa viveu e cresceu com amplo recurso a matérias-primas coloniais e mais tarde importadas na vaga da globalização liberalizante – por esta via iludindo os consumos materiais e os impactos ambientais invisíveis gerados lá longe em outros continentes. Assim, o paradigma da “desmaterialização”, que permeia o discurso económico dominante, serve para iludir a realidade da nossa penúria e da exploração de povos terceiros, e para fazer crer num “desenvolvimento sustentável” que, tal como é argumentado, não existe. A serem verdadeiros os pressupostos que inspiram a Estratégia Temática sobre a Utilização Sustentável dos Recursos Naturais, aplicando as suas teorias a si própria a União Europeia deveria ser autónoma em matérias primas e energia (exceptuando produtos exóticos e especiarias…).

No mundo presente não temos “desenvolvimento sustentável”. A acumulação de população em mega cidades e o despovoamento do meio rural, o rápido crescimento da área edificada relativamente à população residente, a desertificação biofísica e humana (frequentemente associadas entre si), o declínio de fontes de matérias primas minerais (hidrocarbonetos e metais básicos), a exaustão de solos férteis e a sobre exploração de aquíferos, a exaustão de pesqueiros, etc. são vários sintomas de um futuro preocupante que já é presente na Europa.

O anunciado projecto de associação entre capital norte-americano e brasileiro para, tirando partido da bem sucedida experiência brasileira de produção combinada de açúcar e etanol a partir da cana-de-açúcar e de utilização desse etanol como aditivo na gasolina, transformar o Brasil num grande exportador de biocombustíveis líquidos, a partir de culturas extensivas de cana, soja, palma, etc., significa a confluência de interesses contraditórios pela produção de madeira, de produtos alimentares e de combustíveis líquidos, competindo por solo fértil e condições climatológicas favoráveis, cada vez mais escassos na Terra, em detrimento dos ecossistemas e das populações que habitam a savana (cerrado) e potencialmente a bacia do Amazonas, cada vez mais ameaçadas.

O dogma do “crescimento económico” é irreconciliável com “desenvolvimento sustentável”. Na boca de um capitalista, “desenvolvimento sustentável” é uma figura de retórica com que pretende iludir e prosseguir o saque, ignorando ou no mínimo subalternizando a finalidade humana da vida, organização e produção social.


Our Common Future
http://www.ringofpeace.org/environment/brundtland.html
Limits to Growth: The 30-Year Update
http://www.mnforsustain.org/
meadows_limits_to_growth_30_year_update_2004.htm
Estratégia Temática sobre a Utilização Sustentável dos Recursos Naturais
http://europa.eu/scadplus/leg/pt/lvb/l28167.htm
Environmental Integration History
http://ec.europa.eu/environment/integration/integration_history.htm

Rui Namorado Rosa
http://www.infoalternativa.org/autores/ruinrosa/ruinrosa017.htm

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