segunda-feira, abril 07, 2008

Dez Teses para compreender o que se (não) passa

1. A mudança não se decreta (Crozier demonstrou-o já na década de 60). Que ilações temos então de tirar?

2. A racionalidade é limitada (Herbert Simon dixit, há já muito tempo). Impossível prever todas as situações e problemas e decretar a solução universal. Neste último ano há numerosas evidências da ignorância e da persistência deste mito.

3. A realidade é complexa, heterogénea, caótica. Logo, as soluções de tamanho único são um desastre. J Formosinho demonstrou-o há mais de 20 anos.

4. A mudança é um processo errático, não linear e que tem de considerar as razões, os sentimentos e as emoções. Quer quando se pensa e decide ao nível macro, como ao nível micro.

5. A realidade é (em certa medida) o que pensamos dela. Dizem os poetas, com destaque para Fernando Pessoa. Mas isto tem implicações que podem ser catastróficas: a cegueira, a surdez, a temosia e a obsessão podem levar-nos ao abismo.

6. A escola (o modelo escolar) herdou toda uma 'tecnologia' da 1ª revolução industrial. A sua gramática (na organização dos saberes, na gestão dos espaços e dos tempos, na constituição de turmas e de turnos) mantém-se inalterada. Parte da sua ineficácia reside neste desfasamento. O que temos vindo a fazer é remendar um pano sem conserto.

7. Do professor tecem-se as mais desencontradas percepções: desde o manga de alpaca cuja principal missão é guardar as crianças (e este foi um erro capital que se materializou em diversas medidas e foi - o que é mais grave - geralmente aceite), até ao profissional que sabe o que faz, por que o faz e que preza a sua autonomia, a sua capacidade de decisão, e que não está sempre à espera que o ME lhe diga o que tem de fazer. O que pode ser grave (se esta hipótese for credível) é que os mangas de alpaca cresçam.

8. A desconfiança é a matriz da acção pessoal e organizacional. Por muitas razões (e sentimentos). Porque a escola é o lugar dos desencontros, porque a intriga e a inveja, porque o medo do outro destruir a auto-estima. E no fundo porque o modelo escolar sempre separou as pessoas, sempre as desencontrou para melhor as dominar. E sem espaços e tempos para o encontro não é possível construir lentamente a confiança.

9. A autonomia vem sendo uma ficção. Ninguém a quer. O ME porque se mantém refém da ideia de que o Diário da República (ou mesmos os comunicados sem data e assinatura, ou até os memorandos das reuniões) é o regulador por excelência da acção educativa. E pensa que o poder está aí. Não está. As escolas e os professores (enuncio uma tese geral, sabendo que há excepções) também preferem a vida nesta ilusão. O ME que decida, que mande. Nós cumprimos. Se os resultados forem maus a responsabilidade é de quem decidiu. Nesta Babel, neste jogo de faz de conta, neste labirinto todos perdemos, todos nos enganamos. O medo de existir, de errar, de aprender com o erro. O medo da liberdade. A ilusão da igualdade.

10. A demissão geral da sociedade em torno da exigência educativa. Todos se demitem: os pais depositam os filhos na escola; os empregadores continuam a preferir a mão de obra barata; o próprio Estado não recruta os jovens diplomados por causa do défice e de uma vaga ideia que o mercado é salvação universal. O saber não tem valor. Bastam os diplomas.
http://terrear.blogspot.com/

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