Iniciava o exercício, e o privilégio, de direcção e gestão de uma escola portuguesa: decorria o ano de mil novecentos e noventa e sete e o estabelecimento de ensino integrava um território de intervenção prioritário: ou seja, a escola estava rodeada por problemas sociais graves e isso inundava o seu projecto educativo.
Havia que arregaçar as mangas e consumir as energias todas no essencial.
Certo dia, recebo uma assistente social que, e ao que a memória me diz, representava os serviços sociais do ministério da justiça. Vinha com a firme determinação de ajudar a resolver um problema relacionado com uma família com as características da zona envolvente: a uma pobreza chocante, associava-se uma habitação degradada e só com um quarto; tinham sete filhos, salvo erro.
As minhas tarefas exigiam-me um alucinante desdobramento. Para ganharmos tempo, propus que os visitássemos: fomos a pé, a distância era curta, e fomos conversando sobre as soluções.
Estávamos em plena segunda-feira. Aproximámo-nos da habitação e quando nos preparávamos para bater à porta demos com um papel com a seguinte inscrição: "só recebemos assistentes sociais às 5ª feiras das 13.00 às 14.00".
Ficámos estarrecidos e sem palavras. Lá nos recompusemos, trocámos algumas opiniões sobre o futuro e partimos.
Mas não me esqueci da intrigante determinação. Tempos depois, encontro o pai da familia e interrogo-o: "fui a sua casa com uma assistente social mas o senhor não estava. Mas porque é que só recebe os assistentes sociais naquele dia?"
Respondeu-me prontamente:"sabe, o problema é o seguinte: passo a vida a receber assistentes sociais que vêm das mais variadas instituições; fazem-me inquéritos e mais inquéritos, querem saber tudo, devassam a minha vida toda e depois nunca acontece nada. E já lá vão uns anos nisto. Também tenho direito à minha privacidade. Sou pobre, eu sei, mas mereço algum respeito".
Teve, em mim, um efeito simultâneo: uma lição de vida e um redobrar de energias.
http://correntes.blogs.sapo.pt/80598.html
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