Ainda durante o mês de Março, será dada à estampa uma nova encíclica de Bento XVI intitulada A Caridade na Verdade. Terá de se aguardar-se até lá, como é evidente, e só depois fazer-se uma leitura crítica do seu texto. Para já, no entanto, a partir de revelações antecipadas por altos cardeais da Cúria Romana, pode ir-se reflectindo sobre os tópicos principais do documento, tendo em conta a sua ideia central – a “questão social”.
Este catastrófico problema é abordado pelo Vaticano com a seguinte panorâmica: em todo o mundo muita pobreza, muita miséria, em contraste com a acumulação de imensas riquezas e a formação de excessivas fortunas pessoais; a injusta distribuição universal dos bens produzidos preocupa o Papa; a Santa Sé quer combater este estado de coisas com os seus próprios meios.
Por isso, Ratzinger foi buscar ao seu baú teológico a lista dos pecados mortais e acrescentou-lhes mais uns tantos: serão punidas com a condenação ao Inferno as almas daqueles que em vida cometam crimes contra o ambiente, participem em experiências científicas duvidosas, realizem manipulações genéticas, acumulem riquezas excessivas, consumam ou trafiquem drogas, provoquem pobreza, injustiça ou desigualdade social. É claro que esta necessidade de actualização da ficha dos pecados mortais só terá efeitos a nível da retórica católica. Em concreto, nada mais mudará. Bento XVI arrisca-se a pisar terrenos escorregadios.
SER IGREJA E SER NEGÓCIO
O Vaticano é fabulosamente rico e desenvolveu sólidas estruturas neocapitalistas. Por debaixo do verniz da religião irrompe, a cada passo, o mundo dos interesses e dos negócios. A reforma das finanças do Vaticano é antiga, não vem de agora. Surgiu em 1929, quando foi concluído o Tratado de Latrão entre o Estado fascista italiano e a Igreja Católica. Nessa altura, a título de indemnizações, Mussolini entregou ao Vaticano uma soma fabulosa muito acima dos 100 milhões de dólares. O mundo mergulhara numa grave crise financeira, com a falência da Bolsa de Nova Iorque. Era a altura ideal para investir e comprar. Foi o que fez o Vaticano. Criou a Administração Especial da Santa Sé e entregou-a a um capitalista extremamente competente, chamado Bernardino Nogara. Quase se poderia afirmar que é nessa altura, com a reforma financeira do Vaticano, que a ideia da globalização da economia começa a esboçar-se.
Os investimentos católicos foram aplicados segundo dois critérios. Num primeiro aspecto, comprando empresas e gerindo-as directamente, como foi o caso da Italgas. Em alternativa a essa metodologia, adquirindo posições accionistas em sociedades onde os capitais da Igreja se infiltram através de investimentos de interpostas pessoas. Foi deste modo que o Vaticano dominou e domina grupos de empresas na banca, no ramo eléctrico, nas comunicações, nas instituições de crédito, nos transportes, na agricultura, no tratamento de águas, nos cimentos, nos têxteis, nos seguros, etc. Tudo isto se passou – imagine-se! – há mais de 70 anos. O sistema financeiro da Igreja permitiu ao Vaticano acumular, desde então, nos seus cofres gigantescos tesouros. Depois de consolidadas as suas posições dominantes em Itália, o Vaticano alastrou o seu poder financeiro a todo mundo da globalização.
Um outro exemplo final, só para que se tenha uma ordem de grandeza das responsabilidades morais e materiais da Igreja na actual “questão social” pode ser dado pelos critérios expansionistas adoptados pelo Vaticano.
Nos anos 30, foi criado em Itália o IRI – Instituto de Reconstrução Industrial, com a finalidade de salvar os bancos italianos dos riscos de ruptura causados pela crise financeira mundial e de pôr em ordem as finanças dessas empresas. O IRI alcançou deste modo o controlo de 130 grandes firmas italianas. Transformou-se numa poderosa alavanca da concentração e fusão das empresas industriais. Por outro lado, autofinanciava-se: por cada lira recebida do Estado a IRI cobrava doze aos investidores privados. Passados anos, a instituição dominava 40% dos investimentos italianos na indústria.
Nogara apercebeu-se, desde o início, da importância estratégica do IRI. O Vaticano tornou-se accionista principal do grupo onde as acções emitidas e o crédito são disputados por mais de meio milhão de capitalistas. A tendência expansionista da Igreja ditou depois a criação de uma rede de filiais no estrangeiro, sobretudo no mercado norte-americano onde a IRI penetrou através do controlo de posições accionistas dominantes em gigantes como a US Steel Corporation, a Armco, a Raytheon, a Vitro Corporation e em muitos outros potentados industriais.
Veja-se só que Igreja é esta que nos bastidores domina e faz girar torrentes de dinheiro enquanto mantém perante o mundo a ficção da sua caridade e do seu voto de pobreza!...
Jorge Messias
http://www.infoalternativa.org/mundo/mundo284.htm
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