terça-feira, julho 08, 2008

“O objectivo dos exames não é comparar”!?


Entendo que é do mais puro bom senso que quem se propõe discutir na praça pública questões pedagógicas ou outras em que há um corpo de saberes constituído se prepare para o fazer. Isto significa estudar um pouco e por fontes credíveis.

No que respeita estritamente às questões pedagógicas, que são aquelas que eu acompanho, não me parece que os políticos se preparem, ou se o fazem, que o façam bem. Presumo que tais questões lhes pareçam demasiado óbvias, dispensando, por isso, a procura de informação científica actualizada.

O que afirmo é uma evidência nos recentes discursos sobre os exames nacionais, que estão recheados de erros grosseiros. Erros que se tornam ainda mais grosseiros por serem veiculados no estilo ultrapassado de “autoridade de especialista”.

Aliada à confusão que neles se faz entre avaliação de processo e de produto e entre as diversas funções da avaliação das aprendizagens, surge a confusão entre avaliação normativa e criterial.

Tomando como ponto de referência o aluno ou o grupo, a distinção é muito simples: a primeira visa comparar o desempenho de um aluno em relação ao desempenho médio do grupo a que pertence ou o desempenho de um grupo em relação ao desempenho médio de outros grupos; a segunda visa analisar o desempenho de um sujeito ou grupo por referência a objectivos de aprendizagem, ou seja, ao desempenho esperado para esse sujeito ou esse grupo.

Se os partidos mais à direita insistem na avaliação criterial, os partidos mais à esquerda insistem na avaliação normativa. Ambas as facções se enganam, pois uma avaliação só tem sentido se e quando aliada à outra.

Explico melhor:
- é importante comparar o desempenho académico de cada aluno em diferentes momentos, para verificar a sua evolução; assim como é importante comparar o desempenho de cada aluno com o desempenho do grupo em que está inserido, para verificar a sua evolução em relação a outros alunos que se encontram no mesmo patamar de aprendizagem;
- é importante comparar, também, o desempenho de cada aluno ou grupo com o desempenho previamente definido, um referencial de qualidade desejável.

Pode ainda pensar-se noutras comparações: entre escolas, sistemas educativos, mas não entremos agora por aí, pois não é nelas que, neste momento, a sociedade portuguesa tem postos os olhos.

No passado sábado, em entrevista ao semanário Expresso, a senhora Ministra da Educação declarou que “o objectivo dos exames não é comparar”, referindo, logo de seguida, que “acreditamos que com mais trabalho os alunos recuperam”.

Parece-me da mais pura lógica que só sabemos se os alunos recuperam e em que medida isso acontece, se compararmos… É certo que podemos escolher o tipo de comparação, mas se avaliamos não podemos deixar de comparar.

Por outro lado, noto que, apesar de a senhora Ministra recusar comparações, o seu Ministério tratou de as fazer e publicar numa rubrica da sua página, designada por “Destaques”.

E, com base na lógica, não posso deixar de fazer uma última consideração. O afastamento de sustentação factual e científica em favor do recurso a crenças e impressões pessoais é um aspecto bem patente na entrevista que citei: “acreditamos”, “estou convicta”, “não tenho ideia”… são expressões da senhora Ministra. Mas, curiosamente, este recurso só é usado em defesa próprio. De facto, quando não convém, por exemplo, quando se confronta, a dita senhora com ideias ou dados diferentes dos que tem em mente, adopta a estratégia contrária: exige que quem contesta, prove”: “Quem diz não o provou”, “Quem acusa o Governo de manipulação estatística não explica como isso se faz”…

Sem fundamentos científicos e sem coerência lógica é muito difícil, se não impossível, discutir construtivamente o que quer que seja no campo da educação.

Documento referido:
- Tomás, C.; Henrique, M.; Miranda, T. (2008). Não sou imune à contestação social (Entrevista a Maria de Lurdes Rodrigues). Expresso (Primeiro Caderno), 5 de Julho, 24-25.
http://dererummundi.blogspot.com/

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