terça-feira, dezembro 09, 2008

O Banco do Cidadão, o dinheiro virtual e o fim da Taxa de Juro

Murray N. Rothbard (liberal da Escola Austríaca) fala da fraude bancária que se pratica hoje:

"Desde então, os bancos têm criado habitualmente recibos de depósitos (originalmente notas de banco e hoje depósitos) a partir do nada [out of thin air]. Essencialmente, são contrafactores de falsos recibos de depósitos, de activos líquidos ou dinheiro padrão, que circulam como se fossem genuínos, notas ou contas de cheques completamente respaldados."

"Os bancos criam dinheiro literalmente a partir do nada, hoje em dia exclusivamente depósitos em vez de notas de banco. Este tipo de fraude ou contrafacção é dignificado pelo termo "reservas mínimas bancárias" [fractional-reserve banking], o que significa que os depósitos bancários são apoiados por apenas uma pequena fracção de activos líquidos que prometem ter à mão para redimir os seus depósitos."

O Banco do Cidadão




Vamos supor que o Estado Português criava um novo tipo de banco público - o Banco do Cidadão. Este banco teria as seguintes particularidades:


a) Inicialmente o Banco do Cidadão não teria quaisquer reservas em moeda, metais preciosos ou outros tipos de valores. Poderia, no entanto, receber depósitos e pagamentos diversos em euros, divisas com solidez reconhecida internacionalmente (dólares, libras, ienes, etc.), e outras valias. O dinheiro e os valores que o Banco do Cidadão recebesse não seriam repostos em circulação.


b) O Banco do Cidadão só emprestaria e só cumpriria as suas obrigações financeiras com dinheiro virtual. Para tal, o Banco do Cidadão tornava-se accionista da SIBS - Sociedade Interbancária de Serviços, que disponibiliza o sistema Multibanco.


c) O Banco do Cidadão NÃO cobraria juros pelos empréstimos NEM pagaria juros pelos depósitos. Às pessoas e empresas com conta no Banco do Cidadão seria cobrada apenas uma pequena taxa anual para cobrir as despesas de funcionamento do Banco.


Exemplo 1:

O João pretende comprar uma casa ao Afonso no valor de 120,000 euros.

Tanto o João como o Afonso têm de abrir uma conta no Banco do Cidadão.

O João terá de dar todas as garantias actualmente em vigor neste tipo de transacção ao Banco do Cidadão. A casa ficará hipotecada ao Banco do Cidadão até ao pagamento integral da mesma pelo João.

A conta do Afonso no Banco do Cidadão é creditada no valor de 120,000 euros.

O João ficará a pagar uma mensalidade de 500 euros durante vinte anos ao Banco do Cidadão (500 x 12 x 20 = 120,000 - não há lugar ao pagamento de juros).


Exemplo 2:

O Afonso pretende comprar um automóvel a prestações no Stand Autocar no valor de 18,000 euros.

O Stand Autocar tem de abrir uma conta no Banco do Cidadão.

O Afonso ficará a pagar uma mensalidade de 300 euros durante 5 anos (300 x 12 x 5 = 18,000 - não há lugar ao pagamento de juros).

O Banco do Cidadão transferirá ao fim de cada mês, durante 5 anos, 300 euros para a conta do Stand Autocar.


Exemplo 3:

O Afonso pretende comprar um computador a pronto na loja Inforbase no valor de 1,500 euros.

A loja Inforbase tem de abrir uma conta no Banco do Cidadão.

A Afonso passa o seu cartão Multibanco (cedido pelo Banco do Cidadão) no leitor de cartões da loja Inforbase, digita o código secreto e procede ao pagamento.

O Banco do Cidadão transfere 1,500 euros da conta do Afonso para a conta da loja Inforbase.

Conclusão:

Dada a ausência da taxa de juros nos empréstimos, as famílias e as empresas teriam clara preferência pelo Banco do Cidadão como instituição financiadora. O número de contas neste Banco cresceria exponencialmente, bem como a quantidade e o valor dos movimentos financeiros.

A prazo dar-se-ia a falência dos bancos comerciais privados.


A proposta é um bocado utópica, é verdade, não porque não funcionasse, mas porque o poder político está corrompido e intimamente ligado aos interesses dominantes e à sua filosofia económica e social, pelo que JAMAIS aceitaria semelhante proposta, que é na prática uma proposta de colectivização da Economia. Se tal filosofia fosse aplicada aos bancos, que são o cerne do sistema, então  seguir-se-iam todas os outros sectores, e era a colectivização da Economia. Ora, não foi contra isto que lutaram as forças dominantes desde há décadas? Porque iriam aceitar agora algo contra o qual lutaram sempre encarniçadamente e que iria ferir de morte os seus privilégios?

Confirmo o que o proponente diz, sobre a falcatrua gigantesca que são as chamadas «reservas mínimas bancárias». Se alguma vantagem esta gigantesca crise teve, foi a de mostrar a natureza fraudulenta do negócio dos bancos. Os dois exemplos portugueses, o do BPN e do BPP, dois pequenos bancos que apesar da sua ínfima dimensão, movimentavam milhões, ou mais exactamente biliões de euros, são bem evidentes. Só no BPN, para repôr os buracos criados pelos desvios feitos pela anterior administração, a CGD já meteu cerca de 1 bilião de euros (mil milhões - esta é para os analfabetos em números, o que não é obviamente o teu caso, mas é por exemplo o caso da maioria dos jornalistas, ainda ontem um trocava em pleno noticiário televisivo, milhões por milhares, para eles é igual ao litro, mas é muito diferente, uma diferença que significa por exemplo a falência de uma empresa ou a ruina de um país). E as garantias dadas pelo Estado ao BPN ASCENDEM JÁ A 1,5 BIIÕES DE EUROS; algo parecido se está a passar com o BPP, com a diferença que, aqui, os vários bancos comerciais principais (CGD, BES, BCP, BPI e Santander-Totta) entram com "dinheiro seu" (na verdade, o nosso dinheiro, ou nem sequer o nosso, dinheiro puramente virtual).

Para se ter uma ideia do que estes valores representam: 1,5 biliões de euros é cerca de 20 vezes o último jackpot do Euromilhões. Ou seja, para se obter aquele dinheiro com que o Estado está a salvar o fraudulento BPN, seria preciso ganhar jackpots do Euromilhões 20 semanas seguidas. Daria para pagar várias pontes sobre o Tejo e para financiar 2 vezes o imenso buraco de 800 milhões do Sistema de Saúde, que o actual Governo não sabe como pagar. Seguramente, daria para financiar as dezenas de milhares de operações que estão atrasadas no mesmo sistema de saúde, e ainda enviar para Cuba ou outro país qualquer os milhares de pessoas que não arranjam forma de tratar do físico e da mente por aqui!! E isto é só o valor de um daqueles dois "bancozinhos"!

Claro que perguntarás: mas porque é que o Estado não deixa simplesmente falir esses dois bancozecos - porque o são - em vez de tapar os buracos da gestão fraudulenta do BPN e incompetente do BPP? Aqui vou-me adiantar ao que os chicos-espertos analistas económicos e políticos vão concerteza descobrir daqui a algumas semanas: a razão, é que se deixassem aqueles dois pequenos  bancos falir, ficariam a nu as fragilidades da economia capitalista portuguesa, quiçá europeia, quiçá mundial... Os outros bancos, tal como muitas empresas,  têm inúmeros  créditos naqueles dois, e se o BPN e BPP falissem, todos os créditos que têm a receber daqueles dois, iriam por água abaixo, significando que alguns dos médios e grandes bancos em vez de apresentarem lucros no corrente ano, apresentariam prejuízos. E isso é fatal para um banco! Além disso, outras grandes fortunas iriam perder valores elevados que tinham à guarda naqueles dois bancos, com consequências idênticas. Enfim, uma razia, não falando já no pânico que estas falências e desastres iriam provocar junto da opinião pública, implicando a corrida aos levantamentos dos depósitos à guarda dos bancos, com o imediato colapso do sistema todo, como aconteceu na Argentina há uns anos, pois nesta fase do campeonato - ou seja, da crise financeira mundial - já quase todos perceberam que os bancos não têm nos cofres nem 5% sequer dos valores que emprestaram a juros altissimos - a tal burla de que nos fala Murray N. Rothbard.

(recebido por mail)

Comentário: Nos anos quarenta do século XIX já Proudhon colocava este problema e respondia com o "Banco do Povo".

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