Toda esta história padece ainda de outra conformação falaciosa. A cegueira de fazer analogias entre realidades constitutivamente tão distintas que não suportam essas mesmas analogias. É um problema ocular.
Qual é o horizonte onde isto se inscreve? O de tudo poder ser tratado da mesma maneira. Por detrás desta tese peregrina, e justificando-a, está a crença de que todas (ou quase todas) as actividades são equivalentes – o olhar com que compreendo uma não tem de ser distinto do olhar com que compreendo outra, porque, na verdade, não são diferentes entre si. Perde-se assim de vista todas as características irrepetíveis e que constituem, por isso mesmo, a identidade de uma actividade humana.
A actividade humana de ensinar: essa coisa tão estranha de alterar o ponto de vista de outro ser humano, quase possibilitando-lhe a sua própria identidade a partir de alguém exterior a ele: isto é, aquele que ensina (insignat), imprime uma marca (signum), o seu sinal no outro e, dessa forma, paradoxalmente, emancipa-o, isto é, liberta-o, devolve-o às suas próprias mãos, recondu-lo a si mesmo.
Nesse sentido, os professores são privilegiados, é verdade. É realmente um privilégio operar isso em e com outro ser humano. Essa estranha actividade (que, num certo sentido, permanece um mistério) não é redutível a outras. Não só pela sua dignidade intrínseca, mas também pelo seu modo único de se cumprir: entre muitas outras coisas, há nela um encontro de vontades – é uma actividade igualmente repartida por duas liberdades impossíveis de balizar: a de ensinar e a de aprender. Cada uma das duas é única (ao contrário do mero operar da “matéria”); não subsistem uma sem a outra (não há ensino sem aquele que aprende e sem aquele que ensina – o que tem como consequência algo que muitos não compreendem: que o ensinar não acontece somente do lado do professor, não se reduz apenas ao contributo do professor: do outro lado está um alguém que pode não querer ou não poder aprender – isto é respeitar o aluno, não o considerar como um mero receptáculo passivo); e, finalmente, essas duas realidades (ensinar e aprender) constituem uma terceira identidade resultante do jogo entre as duas. E essa é também única. Quer dizer, sem par, sem um outro equivalente. Portanto, há que ter olhares diferentes para identidades diferentes.
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