quinta-feira, junho 04, 2009

«É preciso ser pobre»

«É preciso ser pobre
Esqueçam Bruxelas. Esqueçam as legislativas. Esqueçam tudo.Esqueçam Bruxelas. Esqueçam as legislativas. Esqueçam tudo. Esta campanha eleitoral não é sobre nada do que se tem vindo a dizer. Nem sobre a Europa nem sobre o país. Esta campanha é sobre ser-se pobre. Provavelmente é o que conta para se ser gente quando o país entra em estado de crise. As minhas suspeitas, ainda frescas, começaram ontem à tarde, quando lia a reportagem do PÚBLICO sobre os meios de campanha dos cinco partidos parlamentares. A coisa dá cinco a zero, cabazada mesmo e a favor do partido no poder. Ele é o autocarro catita, com as caras dos eurodeputados, o palco especial exclusivo para o chefe, a redacção ambulante para os jornalistas. O resto? Uns carritos, nada de autocarros para militantes, e até na carne assada se poupa. Ricos e pobres, estão a ver? A coisa funciona assim. Aparece o candidato socialista, todo fresquinho e bem-disposto e ao lado passam os candidatos da oposição, suados por não terem ar condicionado, com a barriga a dar horas e nem um aventalzito que se veja para oferecer aos eleitores e eleitoras. Moral da história? O cidadão em crise compra o partido pobrezinho e foge do partido remediado. E desde o primeiro debate com os cinco cabeças de lista dos principais partidos no Prós e Contras que essa ideia era clara. Vital Moreira, o candidato socialista, aparecia satisfeito perante eleitores descontentes, puxando a glória à obra certeira do Governo sem entender que os receios na cabeça dos eleitores dispensam o auto-elogio de quem desiludiu - ou não tem no mínimo resposta para oferecer a uma crise planetária e não o reconhece. Candidato pobrezito, portanto, é candidato garantido, campanha poupadinha, a tostão, é campanha para ganhar. E como ainda por cima o que está a dar é a caça aos ricaços do BPN - e Vital, fustigando o PSD com a "roubalheira" do PSD, tentava no fundo afastar de si esse anátema, mais contagioso que a gripe mexicana, que passou a ser A (H1N1) para não ser uma gripe dos pobrezinhos, que é o anátema de não ser pobre.

No entanto, foi só quando o Presidente da República emergiu nos telejornais da noite para relatar como as suas poupanças andam desaparecidas e levaram sumiço num qualquer buraco negro, que percebi tudo. Podemos abraçá-lo, consolar o senhor Presidente da República? Dizer-lhe "obrigado" por ser pobre, tão pobre como nós, que queremos ser pobres e votar em pobres? Por revelar que não tinha o dinheiro nem no colchão, nem no estrangeiro.
Desculpem-me, mas eu cá há coisas em que sou um bocadinho conservador. Não estou sozinho. Revelou o Expresso, no sábado, que Cavaco Silva tinha dinheiros, uns 140 mil euros, na Sociedade Lusa de Negócios. Não consta que o Presidente tenha acumulado fortuna dentro ou fora da política ou que seja crime ter dinheiro nessa sociedade. Nenhum partido político entendeu dar valor à coisa. A questão do BPN não é a de ser o banco do PSD, como deselegantemente sugeriu o PS. A questão é o BPN ser o símbolo do tipo de sociedade que saiu do cavaquismo, do equívoco que foi o modelo de desenvolvimento cavaquista e ter despertado a memória desse período histórico que o tempo tinha tornado incompleta. É uma questão política. E não se pode dizer que o PS seja alheio a esse modelo em que a sociedade portuguesa cristalizou, em que a promiscuidade entre o poder político e o poder económico passou a ser mais do que tolerada e o combate à corrupção relegado para o terreiro das coisas incómodas.
Posto isto, o Presidente não precisava de falar. Não está sob suspeita. E hoje, como quando toda esta história começou há meses, criou uma ligação involuntária a esta história, quando tentava desligar-se dela.»
Miguel Gaspar no Público, edição impressa, 04-06-2009

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