Muita gente fala de admitir os funcionários na participacão de produtos e lucros, mas a participação que se pede para eles é pura beneficiência; nunca se demonstrou, nem talvez se pensou que fosse um direito natural, necessário, inerente ao trabalho, inseparável da qualidade de produtor até na última das manobras.
Eis a minha proposta: o trabalhador conserva, mesmo depois de ter recebido o salário um direito natural de propriedade sobre a coisa que próduziu.
Continuo a citar Ch. Comte:
«Empregam-se operários para secar pântanos, arrancar árvores e ervas, numa palavra, para limpar o solo: ampliam o valor, fazem uma propriedade mais considerável; o aumento do valor é-lhes pago pelos alimentos que lhes são dados e pelo preço das jornas: torna-se propriedade do capitalista.»
Esse preço não chega: o trabalho dos operários criou um valor; ora esse valor é propriedade deles. Mas não o venderam nem trocaram; e o senhor, capitalista, não o adquiriu. Que tenha um direito parcial sobre o todo, nada de mais justo: contribui para a produção, deve ter parte no lucro. Mas o seu direito não anula o dos operários quê, apesar de tudo, foram os seus companheiros na tarefa de produzir. Porque fala em salário? O diniheiro com que paga as jornas dos trabalhadores cobriria apenas alguns anos da posse perpétua que eles lhe abandonam. O salário é a despesa que o sustento o a reparação diária do trabalhador exigem; não tem razão em ver nisso o preço de uma venda. O operário não vendeu nada: não conhece nem o seu direito nem a amplitude da cessão que lhe fez, nem o sentido do contrato que pretende ter feito com ele. Do lado dele, ignorância completa; do seu, erro e surpresa, porque não dizer embuste e fraude.
Tornemos tudo isto mais claro e de uma verdade mais evidente com um outro exemplo.
Ninguém ignora as dificuldades encontradas na conversão de uma terra inculta em terra laborável e produtiva: as dificuldades são tais que, na maioria das vezes, o homem isolado pereceria antes de ter posto a terra em estado de lhe assegurar a menor subsistência. Para isso são precisos os esforços reunidos e combinados da sociedade e todos os recursos da indústria. Ch. Comte cita, sobre este assunto, inúmeros e autênticos factos, sem desconfiar sequer que amontoa testemunhos contra o seu próprio sistema.
Suponhamos que uma colónia de vinte ou trinta famílias se estabelece numa região selvagem coberta de mata e donde, por convenção, os indígenas consentem em retirar-se. Cada família dispõe de um capital medíocre mas suficiente, tal como um colono o pode escolher: animais, sementes, utensílios, algum dinheiro e víveres. Dividido o território, cada um acomoda-se o melhor que pode e começa a desbravar o lote que lhe foi destinado. Mas, depois de algumas semanas de extraordinária fadiga, de arrelias incríveis, de trabalhos ruinosos e quase inúteis, as pessoas começam a queixar-se da tarefa; a situação parece-lhes dura; maldizem a sua triste existência.
De repente um dos mais espertos mata um porco, salga um bocado e, resolvido a sacrificar o resto das provisões, vai ter com os camaradas de infortúnio. Amigos, diz-lhes num tom muito amável, que trabalho fizeram para render tão pouco e viverem mal! Quinze dias de trabalho reduziram-nos à última!... Façamos um contrato no qual tudo terão a ganhar; ofereço-lhos a Comida e o vinho; ganharão tanto por dia; trabalharemos juntos e, viva Deus! meus amigos, então viveremos alegres e contentes!
Quais os estôtmagos esfomeados que resistem a tal discurso? Os que têm mais fome seguem o convite pérfido, metem-se ao trabalho: o encanto da sociedade, a rivalidade, a alegria, a assistência mútua duplicam as forças; o trabalho avança a olhos vistos; vence-se a natureza no meio de cantos a risos; em pouco tempo o solo está transformado: a terra preparada só espera a semente. Feito isso o proprietário paga aos trabalhadores, que se retiram agradecendo-ihe, saudosos já dos dias felizes que passaram com ele.
Outros seguem este exemplo, sempre com o mesmo resultado, depois, instalados esses, o recto dispersa-se: cada um volta para a sua tarefa. Mas para desbravar é preciso viver; enquanto trabalhavam para o vizinho não trabalhavam para si: já perderam um ano para as suas sementes e colheitas. Tinham pensado que alugando a sua mão-de-obra só podiam ganhar, e que, vivendo melhor, não gastariam das suas provisões e ainda teriam dinheiro. Cálculo errado! criaram um instrumento de produção para outro e nada criaram para si; as dificuldades de arroteamento continuam a ser as mesmas;
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