sábado, abril 17, 2010

O NEGRO E O VERMELHO

III. - O proprietário que em vez de consumir o seu lucro o capitaliza, volta-o contra a produção e torna assim impossível o exercício do seu direito. Porque, quanto mais aumenta a soma dos interesses a pagar, mais é forçado a diminuir o salário; ora, quanto mais diminuir os salários, quer dizer, quanto mais tirar ao sustento e reparação das máquinas, mais diminui a quantidade do trabalho e com a quantidade do trabalho a quantidade do produto e com a quantidade do produto a própria fonte de receitas. É o que o exemplo seguinte vai tornar evidente.
Tomemos um domínio consistindo de terras laboráveis, prados, vinhas, casa do patrão e do rendeiro, valendo, com todo o material de exploração, 100.000 francos segundo uma estimativa feita a 3 por cento de lucro. Se em vez de consumir o seu lucro o proprietário o aplicar não no alargamento do domínio mas no seu embelezamento, poderá exigir do seu rendeiro mais 90 francos por ano, para os 3000 francos que ele capitalizara assim? Evidentemonte que não: porque em semelhantes condições, não produzindo o rendeiro mais, seria dentro em pouco obrigado a trabalhar para nada, que digo? a pôr do seu para respeitar o contrato.
Com efeito, o lucro só pode aumentar com o crescimento do fundo produtivo; não serviria de nada cercarem-se de muralhas de mármore e trabalhar com chamas de ouro. Mas, como não é possível adquirir continuamente, juntar domínio a domínio, continuar as suas posses, como diziam os latinos e, no entanto, fica sempre ao proprietário o que capitalizar, conclui-se que o exercício do seu direito se torna afinal completamente impossível.
Bem! apesar dessa impossibilidade a propriedade capitaliza e ao capitalizar multiplica os seus juros; e sem me deter na quantidade de exemplos particulares que me ofereceria o comércio, a indústria manufactora e o banco, citarei um facto mais grave que diz respeito a todos os cidadãos: vou falar do indefinido crescimento do orçamento doméstico.
O imposto aumenta todos os anos: seria difícil dizer precisamente em que parte dos encargos públicos se faz esse aumento, porque quem é que pode orgulhar-se de conhecer a fundo qualquer coisa de um orçamento? Todos os dias vemos em desacordo os financeiros mais hábeis: que pensar, pergunto, da ciência governamental quando os senhores dessa ciência se não podem entender quanto a números?
Quaisquer que sejam as causas imediatas desta progressão orçamental, os impostos não deixam de seguir um desesperante rumo de aumento: toda a gente o vê, toda a gente o diz, parece que ninguém se apercebe da causa principal (1). Ora, eu digo que isso não pode ser de outra maneira e que é necessário, inevitável.
Uma nação é como a rendeira de um grande proprietário que se chama o governo a quem ela paga, pela exploração do solo, uma renda conhecida sob o nome de imposto. Cada vez que o governo faz uma guerra, perde ou ganha uma batalha, renova o material do exército, levanta um monumento, constrói um canal, abre uma estrada ou um caminho de ferro, faz um empréstimo de dinheiro de que os contribuintes pagam o juro, quer dizer que o governos sem aumentar o fundo de produção, aumenta o seu capital activo; numa palavra, capitaliza precisamente como o proprietário de que há pouco falava.
Ora uma vez formado o pedido de empréstimo do govemo e estipulado o juro, o orçamento não pode ser diminuído; porque, para isso seria preciso: ou que os capitalistas entregassem os seus interesses, o que não podem sem o abandono da propriedade, ou que o governo falisse, o que seria uma negação frauduIenta do princípio político; ou que reembolssasse a dívida, o que não pode fazer senão por um outro empréstimo; ou que economizasse nas despesas, o que não pode, visto que se o empréstimo foi pedido é porque as receitas ordinárias eram insuficientes; ou que o dinheiro gasto pelo governo fosse reprodutivo, o que só pode ter lugar aumentando o fundo de produção, ora essa extensão é contra a hipótese:
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(1) «A posição financeira do governo Inglês foi posta a nú na sessão da Câmara dos Lordes de 23 de Janeiro; não é brilhante. Há vários anos que as despesas ultrapassam as receitas e o ministério só equilibrou a balança com a ajuda de empréstimos, todos os anos renovados. O défice, oficialmente verificado para 1838 e 1839 eleva-se apenas a 47.500.000 francos. Em 1840 será de 22.500.000 francos o excedente previsto das despesas sobre as receitas. Foi Lord Ripon que calculou estes números. Lord Melbourne respondeu-lhe: «O nobre conde teve infelizmente razão ao declarar que as despesas públicas vão sempre crescendo e, como ele, devo dizer que não há razão para esparar que essas despesas possam ser diminuídas ou haja uma solução.» (National, de 26 de Janeiro de 1840.)

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