Prefácio ao DO PRINCÍPIO FEDERATIVO
Vi a Igreja, e de bom grado lhe concedo esta justiça: ela é imutável. Fiel aos seus dogmas, à sua moral, à sua disciplina, como ao seu Deus, não faz concessões ao século senão ao nível da forma; ela não lhe adopta o seu espírito, não avança com ele. A Igreja será a eternidade, se o quiserem, a mais alta rmula do statu quo: não é o progresso; não saberia ser a expressão do futuro.
Do mesmo modo que a classe média e os partidos dinásticos, do mesmo modo que o Império e a Igreja, a Democracia é também do presente: ela sê¬ lo¬ á enquanto existirem classes que lhe sejam superiores, uma realeza e aspirações de nobreza, uma Igreja e um sacerdócio, enquanto o nivela¬mento político, económico e social não forem conseguidos. Desde a Revo¬lução francesa, a Democracia tomou como lema: Liberdade, Igualdade. Como, pela sua natureza e função, ela é o movimento, a vida, a sua pala¬vra de ordem era: Em frente! A Democracia podia por isso dizer¬ se, e talvez só ela, a expressão do futuro; é, com efeito, após a queda do pri¬meiro Império e do aparecimento da classe média, o que o mundo acredi¬tou. Mas para exprimir o futuro, para realizar as promessas, é preciso princípios, um direito, uma ciência, uma política, todas as coisas de que a Revolução parecia ter criado as bases. Ora, eis que, coisa inaudita, a Democracia se mostra infiel a si própria; rompeu com as suas origens, vira as costas aos seus destinatários. O seu procedimento desde há três anos tem sido uma abdicação, um suicídio. Sem dúvida não deixou de ser o presente: como partido do futuro não existe já. A consciência democrá¬tica está vazia: é um balão vazio, que alguns compadrios, alguns intriguis¬tas políticos se atiram uns aos outros sem que alguém o saiba guardar. Aca¬baram¬ se as ideias: em seu lugar, fantasias romanescas, mitos, ídolos. 89 está posto de lado, 1848 nas ruas da amargura. De resto, nem sentido político, nem sentido moral, nem senso comum; o máximo da ignorância, a inspiração dos grandes dias totalmente perdida. O que a posteridade não poderá acreditar, é que entre a imensidão de leitores que custeiam uma imprensa favorável, não haja um em mil que desconfie, mesmo por ins¬tinto, do que significa a palavra federação. Sem dúvida, os anais da Revo¬lução não nos poderão aqui ensinar grande coisa; mas enfim não se é o partido do futuro para se imobilizar com paixões passadas, e é o dever da Democracia produzir as suas ideias, e em consonância modificar a sua palavra de ordem. A Federação é o novo nome sob o qual a Liberdade, a Igualdade, a Revolução com todas as suas consequências, apareceram no ano de 1859, à Democracia. Liberais e democratas não viram aí senão uma conjura reacionária!...
Desde a instituição do sufrágio universal, a Democracia, considerando que o seu reinado tinha chegado, que o seu governo tinha prestado as suas provas, que não havia mais a discutir senão a escolha dos homens, que ela era a fórmula suprema da ordem, quis constituir¬ se por sua vez em partido do status quo. Ela não é ainda, apesar de pouco faltar, senhora dos negócios, e já se prepara para o imobilismo. Mas que fazer quando nos chamamos Democracia, representamos a Revolução e chegamos ao imobi¬lismo? A Democracia pensou que a sua missão era reparar as antigas injustiças, ressuscitar nações amortalhadas, numa palavra, refazer a his¬tória! É o que ela exprime pela palavra NACIONALIDADE escrita à cabeça do seu novo programa. Não contente em fazer¬ se partido do status quo, fez¬ se partido retrógrado. E como a Nacionalidade, tal como a compreende e a interpreta a Democracia, tem por corolário a Unidade, ela pôs um selo à sua abjuração, declarando¬se definitivamente poder absoluto, indivisível e imutável.
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